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domingo, 31 de agosto de 2008

Corpo banhado

Será que nosso corpo esfria quando a água quente deixa de cair?
Esse chuveiro envelhecido,
Água morna no verão
Queima a emoção da gente.
Esse chuveiro desgastado,
Quando frio,
O vento lá fora assaltando a nossa pele em arrepio
Veste ainda mais em tremedeira
O corpo ferido e arrepiado
Dentro de um banheiro suado
Embaixo duma água infeliz.
Será que nosso corpo aquece com outro corpo banhado?
Esse nosso corpo pelado,
Quando se cola noutra pele desnuda,
Enche mesmo é de vapor
Que vai saindo pelos poros,
Tudo junto suado,
Um calor de incendiar.
Quando nossa pele é atrito,
Nossa boca é refúgio de línguas desvairadas,
Nosso corpo é fusão,
Nosso banho, nosso cheiro, nosso encantamento...

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Cidade estranha

Caminho pela calçada
E o tempo se estende
Tropeçando por um instante
Em paralelepípedos deslocados
Uma toalha de esperança
Estendida no chão

Atravessar a ponte
Com um vento frio
A sorrir no horizonte
E a pernas tremem um medo
Coadjuvante
Um medo de auto-falante

Fugir da ausência
Das pessoas em multidão
Atingir a solidão
Com a companhia mais discreta
De um vira-lata viajante

São versos espalhados no ar
Caídos de alguma estante
Ressurgidos n`algum coração vagabundo
A cidade estranha agradece

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Descoberta

Descobri que não posso viver mais nenhum segundo sem a poesia. A ela submeto meus dias, minhas horas, o vulgo dos sentimentos que são efervescências em ebulição. Por ela sou retalhos em farrapos esperando ser costurado pelas palavras inventadas que se tornam meu sabor mais agradável num curto espaço de tempo. Essa efemeridade no berço da poesia me faz um insano em desmedida, me faz cutucar as palavras com as pontas dos meus dedos perdidos e loucos num teclado escravizado. A poesia é o meu ninho, é onde me aqueço e me esqueço de mim mesmo. É assim mesmo que a vejo: livre, leve e bonita como uma criança faceira escondendo num olhar inocente a próxima traquinagem.

Necessidade

...é o que sinto
Assim
Quando minto
Até mesmo para mim

É o que percebo
Retrato envelhecido
Quando acordo cedo
E me vejo vencido

É o que escrevo
Papel amassado
Em auto-relevo
Meu dia passado

É o que me faz
Em respiro triunfante
Como paz
Para seguir adiante

É o que preciso
Uma folha em branco
Um sorriso
Você sem tamanco

De repente

De repente,
Sou sombra e vento
Fugindo um pouco
Do brilho do teu olhar.

De repente,
Bate um frio
Em meu coração,
Fico sentado no chão
Olhando as formigas passarem.

De repente,
Meu silêncio ouve minha solidão,
Percebo o quanto sou fraco,
O quanto me deixo levar
Por poucos instantes
Que ficam guardados
Nessa caixinha
Que é o meu coração.

Janela vazia

Assim mesmo,
além do vento,
como espigas
abandonadas pelos grãos,
somos essa sem razão,
essa nudez de emoção...

Impura certeza
donde nos varre
somente pelas cerdas
de uma vassoura desgastada

Assim mesmo,
janela escancarada,
de vez em quando
o horizonte vem nos visitar
para nos morar numa beleza
quase vazia.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Amor telepatia

A melhor forma
De amenizar minha dor
Não sentindo tanta saudade sua
É distrair meus pensamentos
Com outras coisas
E não ficar pensando
O tempo todo em você.
Por isso não ligo
Nem escrevo.
Apenas me atrevo
De vez em quando
A visitar seu coração.
É quando você decide
Que devemos nos visitar
Por bocas e pele.

Eu profundo?

Eu tenho uma mania de ser profundo. Uma amiga me disse que é porque sou poeta. Às vezes, tento dissimuladamente, mudar um pouco o meu jeito de escrever. Aí começo brincando com as palavras, despejando-as pelo papel sem nenhuma intenção em falar nada em especial. Nada de falar de amor, nada de falar da nossa reles condição de ser, de agir e interagir no mundo. Daí, quando vejo no final, ta lá um poema um tanto intenso pelo meu gosto. Minha amiga me diz: “ai, lindo (ela sempre me chama de lindo, não que eu seja, mas é uma forma carinhosa de nos tratarmos. Eu também a chamo de linda, nesse caso é verdade), você é assim e pronto”. Eu fico parado com o olhar distante penetrando para além da pintura das paredes. Um monte de coisas se passa pela minha cabeça. Nessa hora vem uma crise de identidade emocional. Sou profundo ou sou apenas um reles mudo que não sabe se o que eu tento dizer é o que sinto? Fico perdido, na verdade, fico iludido comigo mesmo. Pois sinto um monte de sensações. Meu estado de espírito é sempre extravagante. De vez em quando sou um menino que sorri timidamente para a vida como uma folhinha amarela que cai depois do soprar do vento. Mas também sei escancarar uma gargalhada escandalosamente quando assisto a alguma cena de comédia do dia-a-dia. Na maioria das vezes sou mesmo é calado e contemplativo. Eu juro que não desejo ser tão profundo, mas no fundo acabo sendo. Por isso não arquiteto nenhum poema, por isso não traço nenhum roteiro para entrar em cena como algum personagem que eu mesmo crio.

Ventania

Ainda que o vento sacoleje minha vida
É certo que sairei melhor da ventania,
Pois meu coração estará
Misturado com um tanto
De sensações
Em que as tristezas pelas perdas
Só me farão querer seguir ileso.
Isso é bom, é um prelo que se faz
Reinventar a cada dia em nossa pele.

Atitude

Balançar o corpo
É fazer um apelo à vida
É fazer justiça com a própria pele.
Descobrir num noticiário de jornal
Que o presente está pior que o passado
É renovar em si mesmo
O espírito de liberdade
E cutucar com as sandálias
As poeiras estagnadas da mesmice.
Fazer um dueto na próxima estação
Com o amigo mais inesperado
E entregar-lhe um bilhete
De boas vindas
Faz-nos meros cidadãos
E a postura pode ser
Um convite a caminhar despreocupadamente
Por qualquer calçada sem ladrilho.

domingo, 24 de agosto de 2008

Incógnita

Quando o mundo para,
Somos anel sem dedo buscando alguma caixa solitária para nos guardar.
Quando o presente sente-se distante,
Buscamos algum diamante do passado para sustentar a nossa solidão.
Nosso mundo é sempre fuga da estação, é sempre um olhar eqüidistante
Para outras senhoras horas sentadas n`algum lugar do futuro.
Quando sentimos medo do escuro,
Buscamos sempre estar em cima do muro como uma medida de emergência
Para sairmos ilesos.
Podemos ser coesos, podemos ser um esboço de sermos liberdade,
Mas somos sempre indefesos quando se trata de sermos livres de nós mesmos.

sábado, 23 de agosto de 2008

Amor pássaro

Pássaros cantam o amanhecer
como manifestação de liberdade,
como entrega para a vida.
O amor é assim:
eterno pássaro
que pousa em nosso coração
e faz ninho em cada estação.
Depois nos convida a voar
resvalando no vento
suspiros de embevecimento,
resgatando do medo
fiapos de coragem:
só então some na imensidão do ar,
só assim se entrega ao infinito de amar.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Poema sem razão

Para matar a criatividade,
Basta passar dias e dias procurando uma palavra para traduzir o que não se traduz.
Há coisas que dispensam um embrulho, uma roupa...
O óbvio está mesmo é na disposição sem nexo
Das idéias numa velha folha de papel de pão.

O filósofo e o poeta

Gira o mundo inteiro para encontrar
Explicações complexas em coisas simples: o filósofo.
Não procura explicação alguma,
Sente as coisas como são
Mantendo-se com os pés no chão
E a cabeça nas nuvens: o poeta.
O filósofo se chateia,
O poeta devaneia.
O filósofo descobre tanto que descrê de si mesmo,
O poeta inventa tanto que acredita ser verdade.
E essa verdade descoberta ou inventada
É apenas o inquilino, vulnerável ou sadio,
Que vive no âmago de cada um.
Se você é filósofo ou poeta?
Depende da sua visão macro ou micro do mundo.
Lembremos que ambas são infinitas.

Para ter o mundo

Para ter o mundo,
Independente de consistência,
De tato, é preciso abrir os braços e abraçar o sol,
Abraçar o ar que está o tempo todo em redor,
Abraçar o calor das pessoas.
Para ter o mundo,
É preciso carregar o tudo no menor espaço possível,
Colecionar sorrisos nas estações de trens,
Distribuir uma alegria despreocupadamente.
Para ter o mundo,
Basta ter as pessoas dentro do peito
E fazer-se estar em todos com o jeito mais natural de sorrir
E se permitir a chorar sem nenhuma culpa.
Para ter o mundo
É necessário ir fundo nos jardins vários de todos os povos
E colher uma flor de cada cor
E deixar uma pétala de si como um presente sem embalagem,
Como um espelho sem reflexo.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Presente de amigo

Não te trago uma rosa como um presente romântico,
Não te trago um envelope com cartão,
Não te trago uma fita em cetim como um laço de embrulho,
Não te trago um suvenir de estação,
Não te trago um não disfarçado num sim,
Não te trago um fim esculpido num sorriso forçado,
Não te trago uma esperança maculada,
Não te trago versos decorados.
Trago apenas a certeza de que eu estou aqui,
Se quiseres, podes me tocar, podes me sentir.

Ebulição

Teu cheiro fresco derramando sobre mim
Uma vontade voraz de vestir teu corpo febril
E escancarar minha nudez como forma
Mais sensata de acalmar
Teus lábios trêmulos sobre os meus.

O sorriso e o vento

Certamente, às vezes, sou impaciente:
é que um menino esperneia dentro de mim
para chamar a atenção para as coisas simples e belas
que ele consegue fazer
com um simples sorriso.
Do contrário, e quase sempre, sou calmo como o vento.

As coisas distantes

As coisas distantes
São melhores convites
Para as forças cansadas,
São melhores amantes
Para as paixões desgastadas,
Pois assim como um farol
Guia os viajantes do mar,
A luz da lua é fino rol
Para o poeta que deseja amar.
Ah! As coisas distantes...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A porta

O medo bate em minha porta:
não creio simplesmente que seja possível,
Pois parece que alguns frutos,
Dos quais não desejei comer,
Vieram nascer em meu jardim em outras primaveras.
Eu tento espantar, tento dissimular
Para poder beber um pouco dessa água tão doce.
Eu te ofereço meu endereço,
Minha morada
E a eternidade de um instante:
a entrada é a porta do teu coração.
Um conselho:
voltarei sempre para casa enquanto guardares
As chaves.

Aprender a voar

A melhor liberdade
É aquela em que nos permitimos ser livres
Como bolhas de sabão que se quebram na palma da nossa mão.
A pior prisão é aquela em que nos mantemos fechados
Para as coisas boas que nos podem acontecer se assim deixarmos.
Confesso que sou tão tomado de medo quanto o mais incrédulo,
Mas tento lutar contra essa força voraz que me toma o peito.
Às vezes penso que não tenho jeito,
Pois sou imperfeito sujeito do mundo
E tenho uma teimosia de acreditar no infinito
- Penso: o que vale realmente a pena?
Podemos ser viajantes da eternidade,
Podemos flertar com as verdades
E tropeçar de vez em quando nalguma mentira que nos tira o sossego,
Mas ainda assim somos filhotes de passarinho desejando aprender a voar.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Fruto

Fruto próspero e maduro
Durando o tempo da verdade vermelha,
Embrulhado em papel de seda,
Serve de presente,
Transforma-se em grão-semente
Quer germina e faz tombar a nossa fome.
Fruto que causa o furto da dor
E mistura somente amor
Quando todas as mãos seguram,
Todas as bocas salivam
O sal saboreado da sua carne fresca.
Fruto... Umedeça-me,
Esteja em mim como um horizonte
Demorado numa tarde de verão.

Fé vermelha

Sobre um mar de agonia,
A panela fria fritando a espera de cozinhar as pedras que estão no caminho,
Mas escondidas.
Sobre um arreio de boi,
Os forasteiros ganharam o mérito das horas,
Foram nossas senhoras que nos trouxeram até aqui,
A fumaça ebulindo a abolição de muitas páginas rasgadas que ficaram para trás.
Sobre as palavras que vingaram,
A dança fez-se latente latejando o coração da gente
Como um tambor que profere a fé ferindo os nossos ais
Como auroras verdejantes de um tempo de outrora
Em que o cetro de nossos reis era feito das nossas riquezas:
muitos filhos, muitas mulheres.
Sobre nós,
O desassossego, a distância, o ermo,
O espelho mostrando uma face que não temos.
Queremos apenas o direito de uma página em branco
Para escrevermos a beleza de uma história que tentaram assassinar.
Queremos apenas caminhar nos flancos de uma vida
Com a autoridade necessária para decidir permanecer,
Participar ou desvanecer como rosas que murcham depois de um ardente sol.

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