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segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Traços e papéis

É uma coisa que não tem fim,
a pétala que abre branda,
a bruma que o vôo levanta,
um sorriso bem perto de mim.
E, de tudo o que não finda,
há o sublime em fita vermelha,
singelo como um caco de telha
com um rodopio de bailarina.
É uma coisa assim tamanha
essa dança de menestréis,
vou traçar a minha manhã
enroscando-me em seus papéis.

domingo, 30 de agosto de 2009

Fim de semana

Para quê deixar a porta aberta?
A porta aperta, sentinela do caos, vítima indiscreta,
os valores tais quais
deixei espalhados pelo chão... Nítido chão.
E quando desembrulhou aquela película que me fechava,
eu era um tule, rótulo de entulho fechado, baixo e inóspito
com aquelas dobradiças enferrujadas. Eu era leve...
Agora, rojão prestes a falhar, uma tábua dissecada
até a última gota, seiva que fana, finda sobre
meus galhos estatelados,
rijos, úmido chão.
Está gravada aqui, nesse filme em preto em branco,
rodando como uma fotografia estática na parede,
essa sede que não passa, aquele sorriso amarelo,
essa vontade de esquecer... esquecer... esquecer.
Quê que é isso? Essa preguiça quase profana?
É mais um fim de semana que acaba de acabar.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

para perder o descontrole

Quero perder o descontrole, cerrar os dentes, mastigar a palavra como quem mastiga um silêncio abrupto. Amanhã eu estava um surto de mesquinharias com a minha cara virada pro alto... Era algo assustador quando ontem eu estarei feliz com minha volta daquele passeio: lá eu fiquei parado, era um sarro, corri, corri, corri... Ah, estava longe de ir, pois a cadela de bolinhas tinha uma pinta bem quadrada na íris esquerda do seu lado direito do focinho. Bicho tranqüilo, ainda mais que a Bernadete, aquele moleque caçula filha do senhor Berenice tinha a mania de caminhar de ponta cabeça, com as mãos espalmadas no chão, plantando bananeira. Mas, assim... É que o dia hoje, pela manhazinha, vai nascer bem quando o sol se por, com janela, essa sim, sempre escancarada com suas vidraças mostrando a paisagem do lado de dentro. Será uma casa bonita, com barriga de lampião acesa o dia inteiro, e o cadarço do sapato amarrando os dedos dos pés, para não deixar fugir a normalidade do caminhar. Depois, é catar esponjas e inflar aquela saudade daquele dia, sabe, depois de amanhã, quando eu belisquei, bem de leve, seus lábios de vento...

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

à tona

das coisas que aprendi
foi que o acaso me fez caso,
desse vaso descoberto,
uma chama acesa
nessa livre abertura
minha que me estremece.
agora é formidável
desembainhar o aço,
torpe disfarce de condolências,
que a noite é cágado cercado,
que o dia é látego escorraçado
de lembranças ruídas,
que a verossimilhança
é uma dança incólume de devaneios,
e esse recreio de verbos
corre as tardes num ocre esmaecido.
tudo turva o tubo do tempo
e um incenso de âmbar
trás à tona
essa lona miserável de viver.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Poeminha multifacetado

Cega e obsoleta
é a tez escura
da ignorância,
como uma letra
redundante
de preguiça
que finda
em meu cansaço...
E esses versos
marginais
que aqui calam,
repetem
não o poema,
mas o poeta
em suas
multifaces
de poesia.

domingo, 23 de agosto de 2009

Indulta

Cedo-me agora,
embora cedo,
sou flecha,
torpe de mim veloz
entorpecente e atroz
como um beijo
que me foi negado.
Nesse veneno
navego,
eu pequeno,
lábio de um fim forjado,
onde me inundo,
tua boca indulta,
me incita
na doce preguiça
de teu caminhar,
minha fúria adulta
escapando ávida
nessa lascívia
de teu olhar.

sábado, 22 de agosto de 2009

Tímido retalho de chão

Um bobo de galocha
a boca seca,
a perna posta
perdendo uma aposta
de soneca...

Ela dormindo as horas
como uma boneca
porque amanhã
irá embora
seu riso infantil.

- Ei, tem um envelope!
E aquelas coisas de ontem
ficaram guardadas
como um galope
que ficou marcado no asfalto.

Pois tem mais canção,
tem o som uivante
de um mero cão
lambendo
a preguiça dos passantes.

E era lambança
tudo aquilo quebrado,
um sábado morno
como uma pétala
sonolenta de inverno.

Mas ainda tem
o fim das contas
a prestar lembranças
com o futuro.

Um dia duro,
átrio e impuro
como um furo
impenetrável.

E eu aquecendo
meus verbos
como um esqueleto
coberto de palavras,

pois aquelas botas
eram novas,
e o pano que enfeitou

suas roupas pequenas
era um tímido
retalho de chão.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

De que tamanho é meu sentir?

De que tamanho é o meu desespero nesse áspero eu, talhado em pedaços, áspero tempero, tragado dos meus passos, eu mascavo, doce e fel, liquidez dissolvida em meus cubos sólidos?

De que tamanho sou com você, um sonho somado, sou sem você, um tecido rasgado, sou sem você, um riso quebrado, sou com você, um lago inundado de imensidão?

De que tamanho sou, meu bem, nesse longe de nós, aqui, tempestade invasiva, eu a sós, esses nós em mim, em você, como ápice de um elo impregnante de verbo, de ser verbo, reverberando a razão de nos sermos?

De que tamanho sou uma manhã tão cedo, a respirar esses orvalhos seus de madrugada, esses lençóis guardados de sua ausência, aqui, meu tímido rio correndo a face, eu mero acaso de estar pedaço, um solto sem voz, estar envolto de seu abraço?

De que tamanho sou palhaço para me rir um aço de estar aqui, de estar você em minha presença, de ser essa anuência de validar meu riso nesse porvir?

Da imensidão de amar

Não se reconhece nela
a solidão que o tempo trás,
içar as âncoras
dessa languidez de amar...
Não se reconhece nela
o que soçobra cálida
a boca em avidez,
fugir ao súbito de amar...
Não se reconhece nela
a ninfa iminente de seu desejo,
nem traquejo sorte,
derramamento de amar...
Se reconhece nela a fúria,
alumbramento que espalha
meu corpo líquido
em sua solidez de amar.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Neons

Estava mesmo precisando som
para bailar meus pés
no prateado da noite...
Foi uma confusão tamanha
quando, imerso em introspecção,
quebrei as lâmpadas neons
do meu silêncio, e, destilando
meu veneno numa xícara de café,
degustei esse agridoce
em meus lábios secos – fui um delgado
de explosão por minuto,
fui um insulto a proeminência
e, meus áureos me banharam,
meus olhos sorriram
aquele compasso num estribilho de nós:
eu estava aba, você contorno
no entorno da nossa lambança
de nos tropeçarmos
nesse auto-relevo
desse nosso elo veloz.

tijolo

guardou a bola
numa sacola de risos
que as tuas pernas curtas
conseguiu espalhar
num campo aberto de sonhos
abriu agora
um livro coberto de encantos
que os teus dedos miúdos
conseguiu folhear
num universo perfeito
pois teus medos desfeitos
são folhas em branco
prontas para receber
um pouco de coragem...
pois teu mundo invisível
é um dente de leite
é um querer em tijolo
nesse alicerce de abraço

tablado

dessas paredes sem reboco
colho um pouco de tropeço
que essa tua delicadeza aumenta
com o que esqueço de mim caído ao chão.
quero teu lábio cortante
picando de poesia minha pele crua
onde renuncio ao verde enrugado
da pétala em aspereza
para criar uma minúcia do meu riso.
quero um cio extravagante
dessa minha inspiração de tecer
para apetecer minhas inquietações
em asfalto quebrado de lâmina cega.
quero essa forma ameaçada de tempo
e cultivar meus inventos
de ser rascunho de te sentir
nessa iminente história de poesia
banhada com chuva de passos soltos
nesse tablado de inverno morno.

da flor que eu senti

será que ela vem
pernas de pano, braços de vento,
coração de flor?
hoje, minha pele esteve por um triz,
quis me debandar para outras calçadas,
dessas que recebem tapete de vento,
dessas em que o pensamento
é uma lufada de mar
onde o sal é um sol sorrindo poesia...
ah, será que ela vem
sem meandros, com teus toques sutis?
aqui minha pele é verniz
lustrado por intensidade de tuas mãos...
se eu fosse verso de teu luar,
eu estaria nuvem branca dispersa
em teus risos como um verso
de teu amor transbordado,
de teu sorrir calado.

sábado, 15 de agosto de 2009

Dessas texturas

Porque na vida não me canso
de me apresentar ao que é concreto...
Isso porque sou discreto e acho
um mundo abstrato
esse absurdo de maus tratos
com esses silêncios meus,
com esses sentires de selva.
Porque eu não me canso
de lembrar do meu reino
onde achei ser abrigo aquele riso
escandaloso disfarçado
de fotografia que ficou guardada em mim.
Porque achei saudade
guardada num abraço
de outros braços,
porque eu fui um rascunho
dessas texturas
que não te tocam mais...
É porque escondo
meus segredos nessa minha timidez...
É porque tive um sonho
e acordei chorando:
vi plantada nos meus medos
a tua ausência.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Calçadas...

Dessas indulgências,
faço cômodo fechado
para guardar tropeços,
guardar os endereços errados
que passaram distantes
de um número qualquer.
Dessas ausências,
faço janelas abertas
para fugir indiferenças,
para rasgar minhas mesmices
de temperar suas faltas de temperança.
Meu destino é porta aberta
de dias longos nessas
obras inacabadas de mim
que deixam poeiras espalhadas
por essas calçadas
tão pisadas por seus pés.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Um Cálice de vinho tinto de liberdade

“Como beber dessa bebida amarga” – Cálice!
Cale-se a voz acintosa do covarde
que, sem face e sem nome,
num prelúdio de outros tempos,
revela-se agora vil e estúpida.
“Tragar a dor engolir a labuta” – Cálice!
Cale-se a voz “invisível” e implícita
da opressão, que desce o látego
em nossas costas, para fazer-nos mudo
nesse mero mundo de ambições...
“Mesmo calada a boca resta o peito” – Cálice!
Cale-se tu, migalha insignificante desse teu AI5
insensato de ideais mortos, pois tu
não sabes a cor do sangue que já foi
derramado em todos os textos, em todas as letras,
em toda palavra que um dia, tentastes calar.
“É difícil acordar calado, mas na calada da noite
Eu permaneço atento, para a qualquer momento
ver emergir em todas as pessoas” um cálice novo
de novos alentos, de vinho tinto de luta,
nessa nossa escuta imaculada de um novo tempo
que faz se ouvir e falar na voz de uma arte nova,
nessa nova aurora de gritar.
Cálice! – sim, cale-se tu!!!!

Vagão do infinito

nesses trilhos da vida
embarco ao meio
pelo vagão do infinito
em viagem com
passagem só de ida
pela procura dos sorrisos
que ainda não senti
nesse canto calado de mim

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Milena

Pelas bordas desses rochedos firmes
ornam nesse entremeio
vasto campo de lírios,
que trás, pelo sublime do tempo,
uma pincelada de perfume,
de beleza, ternura e amizade,
que as horas não deixaram para trás.
Agora, é pétala sutil que enrijece a alma,
é um riso intenso que já foi desenhado
pelo abrandar de tantas lutas,
é uma certeza repleta
nesse esmero de te ser
apenas flor, apenas orvalho morno
que cai com a promessa
de novo amanhecer.

Doce abundância

Nessa doce abundância,
redunda em mim
uma teimosia de alado:
que todas essas folhas
transparentes se incendeiem
de tua sutileza
e queimem em mim,
labaredas de teus versos
ornando meus olhos
de teu encanto.
Essas palavras me molham
de sabor no degelo
de minha pele.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Sombras de amanhã

No dormir das horas
ficam as páginas amarelecidas
dos pequenos instantes...
No badalar do tempo,
em moldura,
fica a lembrança
em preto e branco
da fotografia desbotada
e pendurada na parede
da memória.
No tanger dos dias,
a distância é um convite
de futuro,
o passado, um leque
de equilíbrio
que cadencia
o tic tac do nosso relógio
com essas sombras
de amanhã...

Cabine

no noturno das estações,
adormecem,
com seus olhos de vento,
os sonhos meninos
que ainda não vieram,
pois, pernas bambas,
dão os primeiros passos
rumo ao vagão
do infinito
da nossa espera...

domingo, 9 de agosto de 2009

Paráfrase do Amor e-mail

O amor não são palavras,
nem pedras, nem lascas, nem madeira,
nem madeixa pendendo aos olhos.
O amor não é furacão, mas vento brando.
O amor não é ilusão metamorfoseada por fome,
por dilaceração da carne,
por difusão do bem quisto.
O amor é um isto pós-moderno
recluso no recôndito do coração
selvagem do poeta sem milagres de cura.
O amor não é procura, nem achado,
nem fissura de sentimentos,
nem célere lapso de homogeneidade.
O amor é uma saudade duradoura
que finda apenas num riso breve e infinito.
É uma asa de colibri batendo mil vezes
por segundo em domínio de um equilíbrio.
O amor é um istmo que liga os grandes contingentes,
que possibilita sermos partes
antagônicas de uma mesma parte.
O amor é saciedade do próprio espírito,
é uma seta inviolada de uma flecha
em que a ferida não dói, mas sim, é riso pleno.
Pois o que é dado como amor,
como alvo involuntário do amor,
não surte nenhum efeito de reclamação,
por este, de repente, voar com os pardais.
Então, o amor é um eterno horizonte
que acolhe em sua paisagem,
a beleza da liberdade.

Singularidade

Eu quero tua beleza discreta
para me fazer cócegas no coração...
Quero tua pose de dança,
tua reverência de aplauso,
para morar riso em meus lábios.
Quero tua leveza de folha
para as sutilezas minhas
de poesia que não finda,
pois tua silhueta é poema,
tua boca é letra,
teus cabelos versos sem rima,
teus olhos alumbramento
que derramam em avidez
por singularidade.
Eu quero um rodopio,
teus braços como pluma no ar,
para ser fotografia em meu pensamento
e sussurrar teu hálito virgem
em minhas inquietudes
de me ser...

A letra cega

Vem a alma nua e cheia de paráfrase
cindir o véu enrugado de teus dias
e, solta e nesse alúvio de verbo,
escancarar tua beleza crua...
Vem teus pés descalços
no desvelo te tua graça
caminhar rubores de areia fina,
um anuviamento de idéias
nessas ruínas minhas de costurar
palavras ao léu, ao amor,
storge de nós dois,
ceifando essa estrutura
de pequenos fiapos da minha vaidade.
Vem, serena e branda,
cingir minha letra, capturar meu ego,
e fazer-me cego tecelão
de versos ornados de ti,
que dança em mim, uma canção
de orvalho, um passo
nesse compasso de nós...

sábado, 8 de agosto de 2009

Cárcere de vento

Dessas prisões minhas,
tinha ela o lábio doce duma sombra alfandegária,
mania estreita de arrebatamento,
onde eu mais sou córrego seco,
onde sugo minhas pedras dissabores...
Vontades, arredias tempestades...
Tinha ela o olhar cortante,
um látego que dissolve minha carne trêmula,
deito meu corpo sobre o sonâmbulo da noite,
sou açoite de pelos eriçados.
A minha dor lambuzada de ternura
vinha leve como fiapos de fruta madura,
agora que eu estava sujo de aurora,
agora que eu era para lá do meu cercado,
limpei minhas mãos com a textura
do seu corpo quase nu,
bebi da sua sede quase morna,
fundi-me com sua boca quase ávida
nesse cárcere quase vento, quase asa de voar.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

passamanaria

No frenesi de ontem,
deitado ao chão,
meus óculos virados,
uma cortina cheia de vergonha
cobria a nudez da casa com solidão.
Na antevéspera, um acaso de risos,
onde as marionetes tranqüilas
debruçavam seu silêncio na janela,
ela passou num
estremecimento sem fim
pintando de piada,
aquela sua vida sem graça,
onde fizera bordar com tua dança,
pequenos botões dourados
num ornamento de passamanaria
para ilustrar de dia
sua tela em branco de espera.

A memória do garçom

“Putz, passamos da estação!” Essa era a sensação após desembarcarmos na Estação Trianon-Masp, em plena Avenida Paulista para um happy hour de meio de semana, quarta-feira, para ser mais exato. Segundo minha bússola interna de botequeiro casual, deveríamos ter descido na Estação Brigadeiro, que fica mais próxima do espaço cultural Haroldo de Campos, mais conhecido como “Casa das Rosas”, que era o ponto de referência para o boteco do Márcio. Pasmem, o nome do garçom também era Márcio. Ora, será que os Márcios possuem uma leve tendência a desenvolver suas aptidões voltadas para o lado boêmio da vida? Não confundamos, ele, o Márcio, estava a trabalho, nós (esse nós eu ainda não identifiquei aqui) estávamos de bobeira, dando seqüência de uma botecagem iniciada na Vila Mariana, onde estivéramos antes.
Mas juro, minha intenção não era sair pela cidade, apesar de que nada implica para mim, já que estou em pleno gozo de minhas férias, primeira semana, e ainda não havia feito nenhum programinha desse tipo. Mas, para relaxar, segundo convite auspicioso do meu amigo Adê e seu irmão Ivâ, (se fossem russos, diria que o patronímico dos dois era (nildo), pois ambos possuem essa terminação, mas é uma abreviação que cabe apenas aos amigos, como assim me considero...) resolvemos dar uma esticada. Concordei, afinal, tivera eu um lapso de estresse num cartório momentos antes, num processo de reconhecimento de firma, e essas burocracias todas e, normais. Então, vamos lá...
Ah, putz... mais um (putz). Pior que descemos e, a passos largos, fomos andando de volta, rumo ao boteco. Mas o putz era pelo fato dos meus dois amigos estarem apertados (desejo argüindo na bolsa de suas bexigas de se explodir num mictório qualquer). E você? Podem me perguntar! Ah, agora eu os pego, não bebo, apenas suco e refrigerante, rs. Peguei vocês. Eu estava tranqüilo quanto a essa sensação desagradável de querer (mijar) a qualquer custo. Sou botequeiro, sou boêmio, mas não consumo bebidas alcoólicas, pelo menos nessa minha fase da vida. Mas já consumi em outros tempos.
Bem, ok, vamos ao que interessa. Chegamos lá, o Márcio, nosso conhecido já foi logo dizendo:
- Vão ter que esperar, o bar (boteco) está lotado e não há mais mesa. Mas aguardem um instante somente, que já tem três (mesas) sendo desocupadas.
Decidimos que iríamos esperar e assim o fizemos. Nosso bom garçom não era dado a mentiras e, logo, surgiu com uma mesa. Foi quando ficamos a contemplar seu trabalho entre um gole de cerveja, a minha sem álcool, e uma beliscada num tira gosto. O rapaz era ágio por demais, diria minha mãe. Sozinho, atendia cerca de vinte mesas sem perder a conta dos pedidos. E ia para lá, e vinha para cá, com uma bandeja numa mão, garrafa na outra, quando não era a famosa porção de batata frita, ou com um x-salada cortado em quatro partes, ou com uma lata de refrigerante, além de se preocupar em limpar alguma mesa que acabara de se desocupar para outros clientes que estavam na espera.
- Caraca Adê, esse cara é foda! Atende todo mundo sozinho e não perde o rebolado, nem esquece nada, nem confunde as mesas!
- Ah, ele é bom mesmo! Respondeu meu amigo.
Esboçamos uma conversa acerca da valorização do trabalho, sobre distribuição de renda, essas coisas, e ficamos a bebericar admirando os transeuntes, melhor dizendo, as transeuntes passarem com suas belezas deselegantes de roupa de trabalho e postura de mulheres bem sucedidas (só postura, pois sabemos que o ambiente de trabalho da maioria dos escritórios requer esse tipo de refinamento na vestimenta, além do mais, sabemos que todos estão na batalha pelo ganha pão).
Lá pelas nove e tanto da noite, resolvemos fechar a conta. Antes porém, havíamos pedido a saideira. E ficamos aguardando. Foi quando começamos a duvidar da destreza do nosso querido garçom.
- Será que ele se esqueceu das nossas cervejas? Perguntei com cara de incredulidade.
- Acho que sim. Respondeu o Ivâ, com a cabeça.
Mas, tal qual não foi a nossa surpresa, lá vinha ele com uma garrafa na mão, a lata de cerveja sem álcool na outra, dando atenção para um cliente que o esbarrou no meio do caminho. Ficamos parados, de boca aberta. Pois tínhamos certeza de que ele havia se esquecido. Mas, triunfante. Entregou-nos nossa bebida, e, com um sorriso, disse:
- Pensaram que eu havia me esquecido?
E, com outro sorriso pediu desculpas e trouxe a nossa conta, não se esquecendo de dizer também sobre a caixinha do garçom, que fizemos questão de deixar, pela memória e ótimo atendimento de um profissional tão entregue àquilo que faz e tão desvalorizado diante de alguns clientes idiotas que acham que possuem o rei na barriga. E saímos satisfeitos pela noite ganha, não pela bebedeira, mas pela felicidade de sabermos que há tantas pessoas dignas no mundo.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Daquilo que não é meu, mas que eu senti.

Hoje, há algo de triste dentro de mim,
há uma lágrima querendo se fazer densa,
há algo tão real quanto uma pedra,
há algo tão pertinaz, tão convincente,
uma palavra cega e cortante
rumorejando em meu âmago: não sou quem sou?
Serei eu uma lâmina cortante que fere,
um lampejo desconexo que vem e traga
a memória numa lembrança
desagradável ao pensamento?
Hoje, acordei breve como um pequeno raio de sol
que adentra pela fresta teimosa
da minha janela velha de ferrolhos enferrujados,
e meu desejo era sorrir mais brando
numa demora mais contumaz.
Mas há uma lágrima em mim se desenhando,
lenta, arredia, sinuosa e sem aviso prévio de chegada.
Alguma coisa se quebrou em minha alma,
alguma coisa se mostrou clara e evidente:
não sou tão leve quanto uma pluma,
nem profundo, nem fundo, nem raso
nesse caminho de acasos... Não.
Hoje descobri que uma pergunta pode ser uma afirmação,
e que o que não penso pode ser o que penso,
pois meu sentir não importa, nem a porta se abre
contente para um abraço de entrada,
que termina num riso, ah... Distante.
Hoje, eu quis ser aprendiz, quis sim,
ser uma mola flexível que balança
os humores humanos para lá e para cá,
sem traçar nenhuma fronteira para se sentir bem...
Quis. Mas consegui o inflexível, consegui ser tragado
pelo desconforto de não saber mais quem sou,
nem saber se minhas palavras
são tão minhas quanto penso serem.
Ah, queria ser essa vara inquebrável
de fibra inquebrável, para não me quebrar
em pedaços e sair por aí
distante de mim mesmo.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Diário de um moribundo

Vestiu algum dia teu manto escuro,
O poeta arredio, em encruzilhadas nefastas de desprazeres?
Vestiu tuas misérias, tuas interjeições, vestiu o âmago indecente
Da nobreza insípida, da verdade tragada de tuas glândulas
Despojadas, glândulas secas, glândulas dissabores,
Essas fictícias lembranças de tua carne trêmula,
De tua boca salivante, de teu dorso errante
De cavalgadas estranhas, onde tuas entranhas
Arranharam uma cólica indigna de teu riso?
Ah, poeta moribundo... Vestistes de poema,
Vestistes de poesia, de poeta, para disfarçar tua transparência?
Acaso fizestes isso, oh poeta de um infinito
Vão aberto nesse teu vácuo recém descoberto,
Dessa tua boca ávida e seca, dessa tua palavra reticente,
Que agora mente, sente, invente?? !!!
Descobristes que não podes sair por aí a plantar palavras
Em pedras inertes, nem podes jogar ao vento
A semente da tua vontade, pois que sábios são os
Ouvidos que ouvem apenas o som harmonioso da mentira,
Sábios os olhos que lêem apenas a beleza camuflada
Num mimetismo pintado pelo próprio ego.
Tu, poeta, não desejas o belo, não desejas a verdade
Vestida de riso, nem abnegas de tuas crenças, essa doença
Incurável de tuas incertezas, essa desgraça vil de tua vicissitude.
Tu não te desprendes dessa tua palavra leve, desse peso obsoleto,
Não te desprendes de amizade, oh, ínfimo bobo e tolo!
Acreditas acaso em poeira cósmica transformada em nuvem de sonho?
Poeta, teu pecado é ser poeta, tua desgraça é acreditar além dos olhos,
Tua sentença é cometer um crime não previsto no código penal
Dos homens... Então, poeta, flutue tuas cartas, tuas mensagens,
Teus poemas pelo mar afora e distante da ilusão, e viva...
Pois tua vida é um floco de algodão jogado ao vento,
E vai dar nalguma poesia sem destino, vai dar nalgum cansaço,
Nalguma tristeza, nalgum abraço, nalgum riso
Que ainda não foi desenhado pelas mãos indecorosas dos homens...

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Comentário roubado

Palavras são pássaros,
pequenos alados que voam pela imaginação.
Palavras são agulhas
que furam nossa intuição,
são pequenos retalhos
prontos para se juntarem
numa colcha imensa de possibilidades.
Palavras são cóleras,
são afetos, palavras são imãs
que atraem versos, que atraem poesia.
As palavras margeiam
o rio infinito dos sentimentos,
que vão dar num oceano
de verdades e mentiras.
"As palavras não são boas nem más,
são mimetismos perfeitos
na boca de qualquer falador",
ou nos nas mãos de qualquer
aspirante a escritor.
As palavras são pequenas pétalas
que caem das roseiras
e vem dar num tapete inevitável
que convida nossos pés
a caminharem numa
eterna busca por contexto.
Nos convida a ser um texto
inacabado que sempre
termina em reticência...

verso confesso

era frio,
mas queimava
aqui dentro
um vazio
que inundava
meu peito
de excessos
agora
sou esse verso
confesso
de solidão

domingo, 2 de agosto de 2009

Paisagem morta

Tempo, tempo velho e rotineiro,
tempo parado que me faz cansado,
que me faz lento e passageiro
sem movimento de minhas horas.
Esse tempo é paisagem morta
onde se move apenas o vento
e meus pés buscando asas para voar.
Esse tempo é um braseiro aberto,
é uma âncora esquecida,
um galho quebrado que se desprendeu
de sua árvore frondosa
e suga, agora, parasita e inerte,
meu corpo e meu ar.
Esse tempo é uma ferrugem
carcomendo lembranças de amanhã,
é tempestade sem raios,
sem trovões, derramando apenas
uma chuva de lágrimas
e se dissipando, pouco a pouco,
numa nuvem de sonho.
Esse tempo é um medo medonho
e se faz existir apenas
numa breve ilusão.
Tempo, tempo estranho,
tempo mal trato,
que me faz trapo
nessa sua teimosia tão veloz,
tão devagar de me correr
em pedra e areia,
em pele e osso, sangue, boca
e coração.
Esse tempo é uma chaminé
aberta expelindo
a sombra de vida
que um dia existira
numa árvore,
agora, desse meu corpo,
em forma de fumaça.

Verniz de luar

Às vezes saio à procura de estrelas,
pois sou poeta do infinito.
e no imenso vazio das coisas
gosto de morar um amor
que recolho em cada riso,
que descubro por aí
cintilante e reticente
como um verniz de luar,
como um canteiro de encanto.

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