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domingo, 1 de março de 2009

A cesta dos mascates

Aquela era a prata que, aquém à realidade, fugia aos paradigmas incorporados por longas sessões de hipnotismo. Subia íngreme, a ladeira, o aclive dos ancestrais, que, em tempos modernos, satisfazia a grande necessidade dos meliantes acorrentados. Apoiava os pés rachados sob a tira de sandália amarrada aos tornozelos, um cajado servindo de cetro do mundo, um aboio em forma de canção trovejando sob relâmpagos ao longe, na mão, guardada entre dedos, uma caixa ocultando lembranças e fotografias amarelecidas. A velha de ébano era forte, nádegas abundantes, e uma serenidade revelada pelo olhar. Era a pastora, a gestora dos interesses alheios que, sob concessão da repartição pública, alimentava os pobres diabos.
Ali, alongando-se pela vastidão, um vale antigo, um abrigo que oferecia o perigo de um sussurro fugidio, que chegou com o brilho das estrelas, e revela a voz dos desvalidos de agora, homens e mulheres acorrentados. Antes, na primazia dessa condição afásica, havia os paquidermes e os primatas, ambos conviviam em harmonia perfeita, não havia conflitos. Depois, os primatas aprenderam a contar quantas bananas comiam por dia, e, assim, surgiu a aritmética. Mas, rolando sob uma roda, aprenderam a buscar novos rumos, e, conseqüentemente, veio a necessidade de imposição. Pois sim, a caixa que agora carrega nas mãos, antes foi pequena, depois média, e, numa amplidão generalizada, tornou-se a grande caixa de chumbo do mundo. Chumbo, pois pesava na consciência dos primatas uma urgência de liberdade. A liberdade veio, e os arabescos ornaram as mãos de alguns poucos, e outros tantos, ficaram a servir mais e mais a essa caixa, preencher esse vazio incondicional.
Na gélida reação dos velhos rabugentos, houve certo rebuliço, pois a novidade que veio dar a praia, era um comboio de âncoras que aportavam entre o ID e o SUPEREGO, numa fusão de total orgia iluminista para, após os devaneios, surgir as revoluções por minuto e sangrar a pele e o pelo, que eriçado, mostrava o lombo lobo do homem de agora. Este que está acorrentado, buscando nas idéias socráticas e pré-socráticas, alguma solução para morrer à míngua em sua ilusão. Reverbera também um trópico de mascates que venderam as idéias para criar o monstro que devorou todos os meninos e meninas, e, com maior ênfase, a anima que vestia o sonho pueril de jardins de rosas azuis e pétalas brancas, ambas formando uma roda de ciranda onde a verdadeira face estava sempre estampada pela Ísis do passado.
Mas, hoje, agora mesmo, há o sonho molhado e temperado pelas paredes de concreto, pelo teto abobadado de um cinza escuro. Apenas uma janelinha de fim de tarde, que é quando o prisioneiro retorna para sua sela temporária, um casebre humilde, e vai dormir em prisão domiciliar, para, depois, no dia seguinte, exatamente às 4 da manhã, acordar de sobressalto pelo grande capitão do mato pós moderno, o despertador, que, já com o horário adiantado, para não perder o trem, rasga o silêncio e a única maneira de se sentir inocente, que é quando o travesseiro serve de anjo para proteger a cabeça dos primatas da culpa que as grades do sistema capitalista globalizado insiste em apontar, com suas garras de dragão, esvaziando o coração de emoções, quando apenas desenhava nas paredes da caverna a sua vontade de história, para encher de certeza, uma mistura homogênea de razão e pobreza, e deixar o futuro falar mais alto que o agora.

3 comentários:

Quintal de Om disse...

"que é quando o travesseiro serve de anjo"

O que é também, nosso melhor conselheiro.

Lindo meu anjo, adorei a intensidade e a riqueza de detalhes.

Abraços, flores e estrelas...

Mil beijos, meu amor!

Sueli Maia (Mai) disse...

Uau!
Absolutamente arrepiante!

Nunca havia lido nada parecido. Nossa, estou encantada, perplexa, ...

Meu querido, lindo!


Giro de 360°
Toda cena aqui, na minha telinha.
Crês?
Beijos muitos,

mai

Tata disse...

Oi Márcio,

muito obrigada pelas palavras e pelo carinho comigo no meu aniversário!!!
É bom saber que tenho amigos como vc mesmo sendo nesse mundo virtu!!

Quanto ao seu texto.....arrepiou viu!!!
Fico fascinada com o modo como vc escreve!Os detales, a descrição ...perfeito! essa é a palavra!!!!!!

bjinhos

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