Feed

Assine o Feed e receba os artigos por email

domingo, 28 de fevereiro de 2010

(o último)

ficam as digitais,
as palavras de um dia rústico
e um som enredado
num acústico longo,
as frases mal feitas,
os defeitos, os panos sujos...
de toda poesia enovelada
que teimou como vela acesa
nestas páginas em branco,
fica o sangue seco
ensimesmado como uma nódua
grudada num asfalto frio,
ficam fúria e vento,
atrito lavrado
com esquisitices e absurdos...
o surdo ouve apenas a voz
palpitante do coração,
porém, entre tantos caminhos,
tolhidos ou não,
segue por outras beiras
este poeta sem eiras
de respirar,
de dizer, de amar...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

autopsicografia pós moderna

...e todos foram embora,
porque eu não fui mais visita de solidão.
sou agora cartão em branco
tentando escrever um sublinhado
qualquer em tom vermelho
para desenhar um espelho,
talvez vazio, talvez repleto
dessas angústias minhas
refletindo apenas o que me pertence.
...que não voltem...
...porque eu sou poeta,
e pedra não sabe mentir nem dizer a verdade,
mas eu, sou autopsicografia do mundo...
cheio de tantas faces
é esse exercício
de violar todos os príncipios,
todo subterfúgio
que me faz sentir uma cidade concreto
com um sino desprendido
do seu badalo anunciando
a próxima geração de nada...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Conversa de bar

que droga! tanta coisa para dizer
e eu aqui, mudo, um tempo voando
ao revés do abraço que
eu desejei ver de novo.
e agora? como faço para
me defender? existem lacunas, existem sim...
mas o poeta é uma lacuna permanente,
é um vazio que está sempre
na iminência do abraço,
ora, para que eu possa, novamente,
abraçar, para que eu possa
caçar meu abrigo no perigo
que é fuga e lucidez...
bom, o poeta precisa sentir,
melhor, diz Nauro Machado:
o poeta precisa ser boêmio,
precisa ser aliado da conversa
vagabunda de uma mesa de bar.
o filósofo é compadre e companheiro,
outro dia cedo, acorda,
sai ao encontro de um banco de praça,
aqui, apenas a pirraça de um maluco,
o poeta, mas são sinônimos,
linguagem sofisticada,
sinonímia metaforisada
na alquimia das palavras
que jazem como pétalas,
cinzas de um vulcão extinto,
mas que está prestes
a eclodir no ventre absurdo
da razão sem sentido da vida...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

leitura

ame o que não cabe
num encaixe de tempo,
dia afora sem plástica,
sem as necessidades
de preencher vazios furados.
ame o que os olhos
não entendem,
um mosaico de segredos
escondidos por trás
de cada olhar,
pois há mais palavras
numa breve pausa
esperando que a leitura
diga o que ainda está
por escrever...

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

qualquer coisa torta

qualquer coisa torta,
eu mato, verde graveto,
folha no espeto,
um bico de tucano
cutucando o dia...
qualquer coisa torta,
eu capim, seco e rancheiro,
borboletas e esquilos,
tarântulas e grilos,
o abacateiro acatando
minhas ordens de preguiça...
qualquer coisa torta,
eu fico, um riso feliz
com um teco de giz
desenhando sombras
de árvores para eu descançar...
qualquer coisa torta,
eu tolo, um bico de pássaro,
filete d`água,
um romântico pirado
balançando a hora
num banco de praça...
qualquer coisa torta,
eu cato, acato um som,
teto de palha,
cabana espalhando pra perto
o que não tem fim,
o que não estava no jardim,
o que a água não lavou
porque pertencia em mim...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Poeminha de entardecer

Deitam-se em mim, anos...
...que vigoram agora,
com o pretexto precoce da solidão,
duas receitas simples de viver:
não colecionar lembranças
que edificaram
a ruína que me sou,
nem flertar com as abas
improváveis do futuro...
Doravante, a folha
que se desprendeu do galho
é queda livre,
é só instante que faz ninho no vento.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Olhos alheios

Veja os outros sempre com os olhos do outro,
pois teus olhos não atravessam
a barreira do que está além de tuas necessidades.
Então, ver com olhos alheios
é ver para dentro do outro.
Talvez, é mera ilusão dizer que empatia é bobagem.
Mas se realmente quiseres enxergar o que há
no outro, deixes teus olhos cegos para ti,
pois não precisas deles para enxergar
quem está do teu lado.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

A parede

Eu estive antes, agora e depois,
pois sólido é meu corpo
que um dia já foi vento.
Nesse exato instante
eu estou tão infinito
que perco a conta
de onde começo ou termino.
Desconheço o medo
de ir embora por não saber
para onde irei...
Depois de me preencher
de tanta poesia,
depois de me fartar
de tanta gana e riso,
lambuzar-me com lágrimas
e o sal incompreensível
dessas armadilhas tão relapsas,
descobri – ainda estarei aqui –
mesmo depois de minha
consciência desconhecer
nem me reconhecer diante
dum espelho...
Eu sei... sou esse tijolo
inquebrável que preenche
a insubstituível lacuna
desse muro de tempo sem fim...
Depois de mim, antes de mim
outros tijolos se sobrepõem
e me ponho sobre aqueles que jazem
pelas ruínas da história.
Mas, é revirar os arquivos
poeirentos dessa parede,
e lá estarei ainda um bloco tímido
com a pintura gasta,
talvez sem reboco
para me contar
nessa edificação sem fim...

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

às vezes

a vida, às vezes,
se manifesta gritando
diante de nós,
um grito de dor,
um brado pelo vazio
da rua deserta,
uma lua distante,
a calçada calada
como única companheira,
cúmplice das madrugadas...
a vida,
às vezes, pede socorro,
e é tanto olhar cego,
é tanto ouvido surdo,
é tanta boca muda...
a vida, sempre, mas sempre,
vem buscar a seiva
das manhãs bem diante
dos nossos pés,
mas é tanto passo apressado,
é tanto compromisso,
é tanta labuta,
é tanto desespero,
que nem notamos o tempero
amargo que fazemos
nessa mistura de água
e azeite no ceio
da cidade vestida
de rua e solidão...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

o encanto da rosa

encontrei
na rua
uma rosa
e ela
estava nua
sem o
perfume
de um
vidro
seco
sem a cor
de um
jardim
de plástico
encontrei
na rua
uma rosa
que tinha
a face
cheia
de espanto
o olhar
cheio de
medo
e uma
beleza
prestes
a se
revelar
pelo
dia cedo
da calçada
sem
dono

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Viés

Concilio agora os dias,
uma metástase de metáforas
e flores de acrílico
buscam num cachepot
o vazio de uma mágica.
E eu vejo nessa rua de vidro
aqueles olhos de selva e pedra –
rua sem relva – um fiapo de lua
deitando a noite sobre os viadutos.
Vi homens construírem seus sonhos com
a verdade de um bêbado
e ouvi música de pardais...
As costureiras tropeçaram
suas mãos de bailarina
e guiaram a sina pelo viés
das manhãs – agora são tecelãs –
agora são tecelãs...
Mas minhas mãos de tijolo
são meus dias ainda por fazer,
chegar em casa e esperar a vida nascer:
alguém à espreita – no fim, um muro,
achar no escuro o que ainda não se perdeu,
espalhar retalhos no chão
e configurar uma colcha de amores...

Arquivo do blog