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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

arroubo

quando pousei meu olhar
por aqui,
meus olhos são dois riscos
esticados na vertical de mim.
é que ficou marcado
com um giz
um arroubo sem nome
e que pousou brando
nesse fio intenso
de pintar verão...

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Pela calçada

Ontem foi quando aprendi
o fim que tinha a rua,
foi quando aprendi a cura
para a minha sede.
Olhei pela janela
imensa dos seus olhos,
eu estava justamente ali
entre a fresta iluminada
do seu sorrir.
Não haviam testemunhas,
apenas a alameda
vazia e cúmplice.
Não havia pressa
e sim uma vontade
descompassada de continuar
ao alcance daquele abraço
sob a espreita da noite
enfeitada de arranha céus.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Inesperada sorte

E todas as coisas
modestas, enfeitadas ou não,
são como sal beliscando o paladar
com seu sabor…
Depois, espalhada,
a cotidianidade toma conta
e é entrar e sair,
é ficar deitado ou trôpego
pelo horizonte da calçada
sem importância.
Ali elas passam e desfilam
entusiasmadas
seus desejos de abrigo
e sonho. Foi lá que eu
também me perdi.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Graveto Bar

deixar de lado
as coisas tristes,
porque ninguém ria
nem chorava,
apenas era
fim de semana
e um balcão solitário
esperando
a hora exata
de pedir um drink
e brindar a vida
como se nunca
houvesse acaso,
como se nunca
houvesse ido,
como se o vazio
fosse apenas
mais um companheiro
naquela distração...

sábado, 25 de dezembro de 2010

silêncio poético

eu deixei para trás
tudo, até mesmo pequenas pedras
e imagens de fotografias...
eu caminho com o incomensurável
e estou perdido. o destino
é um desatino
que eu cumpro com duas alpercatas
velhas, uma garrafa de rum
e um colérico estado de fim.
ah, ah, ah, rio, rio
alguma vez trôpego,
noutra, submisso ao tudo devastado
de escolacho da minha cara
cheia de deboche com o nada
que ainda consigo premeditar
naquela esquina onde parei
para delirar a minha sorte.
mas adeus, meu bem, é coisa
do previsível...
eu, eu sou é uma gota
presa no indomável universo
do meu mundo de abstração.
o fim começa em mim.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

cotidiano

algumas palavras
que vestem a vida...
o dia corre sem despedida.
e tanto passo na rua
é uma procura
por tanto verbo,
algum achado
pelo baú de encontros
e tanto olhar atento.
um ar sôfrego de travessia,
acima de nós o céu
cúmplice na teimosia
de arranhar as nuvens
com edifícios
e logo abaixo
um chão convicto
de suas escolhas...
as palavras são folhas
e o rumo certo
é um vento brando sem direção.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

algum fim

a vida
torta vida
de estômago e ira

não se comporta
a sátira do dia

não se faz fé
nem um beco que ria
estrondozo e vil

de tarde importa
o medo para dentro

pois para fora
se come afeto
estreito de alinhavo

apertos são mãos
e algum estrangeiro
passando apuros

são curtos
e cabisbaixos

meus olhos aflitos
de vastidão

nenhum espelho
reflete agora

apenas me movem
para algum fim

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Noite densa

A noite que me alcança,
imensa, profunda,
sem a lança que me fere,
sem a lágrima que me inunda
é onde eu, exaurido,
me deito.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Estranheza

Está em mim agora
tudo que ainda não tive,
o que ainda vive
de outrora...
Está em mim um mundo
vasto de riso,
um rasgo impreciso
e é coração aberto
que esse deserto
de vazio
me faz trôpego
sem dança,
sem canção,
sem a mão que me alcança
e é luta debalde,
um orvalho em lágrimas...
Está em mim agora
quem não veio,
nem ficou,
nem esperou
pelo meu olhar perdido,
nem se encontrou
nesse adido
de versos que não escrevi.
Está em mim agora
o que espero,
sem demora,
sem pressa
e que não se acanhe
nem me arranhe
por falta de tato
com as minhas estranhezas.

domingo, 12 de dezembro de 2010

extinto

no ônibus se lembra
de tão famigerado
é o tema,
que nem vidro borrado queima
a íris de algum tinto
que o bar calado,
um som extinto
ao fundo desse
palco de dois passos,
estremece e é tango...
ainda se colhe
o lembrado de palavra
ou verso, que se tece
ou mistura de oxigênio
e carbono de cidade
de montanhas de concreto
com teto vírgem de nuvens
e mar...

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Olhar de vidro

Todo dia se arrastava para fora do casulo, o bicho ainda zonzo, mas não alçava voo. Quisera, dentre as melhores condições, não empalidecer com a consciência ainda turva diante do tilintar teimoso do relógio, que registrava cinco horas. Morrera de mal súbito no dia anterior e ressuscitava sempre com o esqueleto ainda doído de preguiça. Era um vertebrado que, em dias de sol, pairava sobre a pressão atmosférica do dia. Estafado e inconsciente rumava indisposto, mecanicamente para o que chamavam de sucesso. Era um sucesso estremecedor, pois seu casulo, espécie de abrigo ancestral, era cúmplice de seus martírios e dores que a vida gasta lhe proporcionava. Por isso não havia fragmento algum de riso ou de lágrima em seu olhar de vidro.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Fotografia

A árvore zumbia ao som do vento. Os galhos lançavam folhas ao ar. Ela ficava quieta, olhar instigado, a alma preenchida de tanta emoção. A mãe a pegava pela mão e se iam calçada afora. As nuvens pareciam bailarinas ao ar, zombeteavam para lá, para cá, e Raquel sorrindo. A mãe ralhava: "olha para o chão, menina!".

De tardinha, debruçada sobre a janela, queixo escorado pelas duas mãozinhas espalmadas. O varal balançando. O olhar distante e perdido na imensidão do horizonte. Aquele céu vermelho. O sol se escondendo atrás da rua longínqua. A menina rabiscava tudo num caderno de brochura.

Quando a mãe lhe trouxe um presente, a menina desembrulhou. "é uma câmera, mamãe!", e sorria, e pulava, e cantarolava. Saia correndo pelo quintal, e captava tudo que via pela lente da máquina. A velha polaroid revelava tudo na hora.

Quando voltava, espalhava tudo pelo chão, e pegava o caderno de brochura e escvevia. E eram desenhos e palavras, uma confusão de coisas que conseguia registrar do instante. Raquel tinha sede do que ficava escondido aos olhos cegos do mundo. Queria mostrar o inefável.

Crueza

Neste verso oco,
aqui mesmo, onde arranho
minha mania de lavoro,
arranco as minúcias,
atravesso, meu bem,
mas não fujo,
não fujo, apenas
interropo um dia após o outro.
E na noite sem sorte,
e no caos imperfeito de mim,
estrangulo o verbo
e o faço tossir.
Depois, só depois percebo
que assassinei várias palavras
e as joguei nessa vala
interminável de verso...
É onde rezo um terço
ao fim obscuro do mundo,
onde captei mais que palavras,
captei o instante da vida
fragmentada de crueza e pó.

Lua nova

A lua nova,
que em mim transborda
cava essa cova,
incandescente
onde fertiliza
para o alto
lembranças de fevereiro.
Ferve agora diante
dos meus olhos
esse arrebol
na tecitura dos meus versos,
léxico do inacabado
onde mora, brando,
esse meu lado
irreversível de verbo.
Sou poeta e pranto,
um arroubo sem fim
e espanto
e durmo diante do mundo,
onde, fecundo,
fecho os olhos e sonho.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

rua pequena

transbordam rios afora,
embora tristes,
olhos gotejam mesmices
que outrora riam.
nem tampouco a chuva,
nem o arroubo,
nem luva, o que me veste
agora, é uma vontade
de verter poema...
verter a rua que ninguém
mais usa.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

prateleira

poemas são como pó,
quando menos esperamos,
os encontramos
escondidos bem diante
da retina dos nossos olhos
e causam um estrago
danado, causam
vontade de procurá-los
em outros cantos
ainda não visitados...

eu quero um blues

eu quero um blues
para me precaver
da ardência do dia
porque cai a tarde
e o meu receio ainda
é disfarce,
ainda é covarde
a escolha sem sorte...
eu quero me vestir
dessas súplicas,
quero um azul
para pintar minha
hora gris
e ver a tempestade
varrer o que me arde...

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