segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
A prostituta
Fechou a porta do quarto. Estava exausta demais daquela noite sem verão. Arrecadou o suficiente para pagar metade do aluguel da kitnetch alugada no centro velho da cidade. Elisabeth não tinha filho como a maioria das mulheres que viviam nas ruas para ganhar a vida no ofício de mulher da vida, como dizem alguns. Ela dizia: eu sou puta, simplesmente. Tão simplesmente como a vida é. Não sou da vida, sou da morte, que é quem me terá para sempre em seu leito. Ficava deitada olhando para o teto, fumando um cigarro, tentando esvaziar a mente. Não sentia culpa de vender seu corpo. "Não vendo o corpo, alugo. Meu corpo é meu e da terra". Dormia até meio dia mais ou menos, levantava-se logo, preparava o almoço e depois saia para andar pela cidade. Não gostava de reclusão. Solidão apenas de amor e para descansar. Fora isso preferia a companhia sem nome da multidão de gente que atropelava o instante no ir e vir das ruas. Nunca lembrava de um cliente, por mais atencioso que fosse. Medida de se desvencilhar de envolvimento. Medo de sofrer. Não falava de amor. Quando ainda jovem, se apaixonara por um rapaz. Foi o único amor. Mas este morrera de uma doença súbita e fatal. Desde então largou mão. Sonhou uma vida juntos, casar, ter filhos, ser feliz. Jurou não amar mais ninguém e cumpriu. Elisabeth era de todos os homens e nunca pertencia a ninguém. No início da noite, de batom vermelho, o ponto na rua ladeada de árvores e não era mais quem um dia sonhou um amor, era meretriz, ela era atriz para encenar mais um capítulo de sua história. Despojava homens de suas casas e esvaziava o sêmem que implorava para escorrer por entre suas pernas. Mas ela permitia apenas que sentissem seu gosto de embalagem, pois o presente, o essencial de sua carne, nunca seria de ninguém.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2016
Amor de pecado
Amor é amor quando peca
para não se acabar dor
e foge sem razão agreste
Amor se acaba sem fim
perto de quem se quer e ama
não se entrega em desamor
e finda em brasa na cama
Não sente a roupa que veste
pois tem o coração puro
transbordando seu jasmim
amor se vê no escuro
Amor é um beijo distante
lembra um livro na estante
sede de uma boca seca
para não se acabar dor
e foge sem razão agreste
Amor se acaba sem fim
perto de quem se quer e ama
não se entrega em desamor
e finda em brasa na cama
Não sente a roupa que veste
pois tem o coração puro
transbordando seu jasmim
amor se vê no escuro
Amor é um beijo distante
lembra um livro na estante
sede de uma boca seca
Funcionário
abaixo do chapéu ao sol
mora um rosto cansado
os olhos baixos, escuros
buscando sombra e abunda
dor, delírio, desamor
abaixo do uniforme
a pele em marron canela
esfoliando seu tempo
suas horas gastas em custas
de vida, sonho ou morte
os pés calcando no chão
a peleja, voltar isento
deixar na pele o cimento
a nódoa de viver gris
mora um rosto cansado
os olhos baixos, escuros
buscando sombra e abunda
dor, delírio, desamor
abaixo do uniforme
a pele em marron canela
esfoliando seu tempo
suas horas gastas em custas
de vida, sonho ou morte
os pés calcando no chão
a peleja, voltar isento
deixar na pele o cimento
a nódoa de viver gris
Adormecer
Um nobre descobre
em sua insurreição
que também é pobre
um ressuscitado
nas letras de um poema
Morre então o sábio
vive visceral
a sabedoria
de água que socorre
a sede e o rio corre
abaixo de lenços
de lençóis freáticos
um vir à tona
e a sílaba átona
adormecer fria e só
numa sepultura
em sua insurreição
que também é pobre
um ressuscitado
nas letras de um poema
Morre então o sábio
vive visceral
a sabedoria
de água que socorre
a sede e o rio corre
abaixo de lenços
de lençóis freáticos
um vir à tona
e a sílaba átona
adormecer fria e só
numa sepultura
Os morros
Não há nada que detém
a rua com seus muros próprios
atrás de um vermelho cru
na esperança de uma janela
que receba acenos, morte
de passagem, funerais
homens com a vista curta
e seus jornais embrulhando
o cotidiano com notícias
diante do morro, a sorte
de espichar os olhos nús
e sumir fotografia
dentro de um buraco escuro
os cães ladrando a vida
depois que essa noite cai
a rua com seus muros próprios
atrás de um vermelho cru
na esperança de uma janela
que receba acenos, morte
de passagem, funerais
homens com a vista curta
e seus jornais embrulhando
o cotidiano com notícias
diante do morro, a sorte
de espichar os olhos nús
e sumir fotografia
dentro de um buraco escuro
os cães ladrando a vida
depois que essa noite cai
Dentro de casa
o olhar pra fora da casa
buscava sempre um aviso
uma cisma no entardecer
voz de andorinhas no céu
achei o cuspe endurecido
numa goma de mascar azul
desbotada de sabor e fel
e o risco de um disco pobre
enriquecendo depois
do jantar uma canção
a voz de meu pai dobrando
a esquina de dois em dois
um pra lá e outro na porta
pé de anunciar respeito
buscava sempre um aviso
uma cisma no entardecer
voz de andorinhas no céu
achei o cuspe endurecido
numa goma de mascar azul
desbotada de sabor e fel
e o risco de um disco pobre
enriquecendo depois
do jantar uma canção
a voz de meu pai dobrando
a esquina de dois em dois
um pra lá e outro na porta
pé de anunciar respeito
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