As panelas, os prédios no apagar das luzes,
coração partido.
A bravata, a greve por centavo
de gente que nunca trabalha,
desobediência, patrulha, desobediência, soldados
e as mãos atadas ao tédio
de mazelas sem remédio.
Um lírio brota no passeio central
e as rugas, cobertas por um véu branco,
escondem a beleza que dormiu numa calçada sob a
égide lunar e não há mais nada que se possa
fazer.
É preciso um náufrago de mil e oitocentos e
alguma coisa para alcançar as léguas íntimas de
mim, onde posso vestir, de velas, a noite sem
fim de minha vida,
e de outono, as folhas secas de minha árvore
que não germina nunca, apenas o grafite de seu
carvão, num esboço desse rascunho, desse poeta que não sou.
Ainda assim teimo como teima o limo nas pedras,
como a urtiga que, apesar de verde,
arde na pele.
Teimo em palavras que não dizem, mas queimam na alma,
não a dos outros,
mas a minha, por não saber verde o que a tudo
dizem,
mas opacas, sem cor
se decompondo num tempo que não existiu,
ainda.
Mas espreita no horizonte como arrebol pre-
nunciando no branco
das nuvens,
as gaivotas da nossa vida.
Hoje, esse tempo célere,
de se chegar rápido a lugar algum,
de informar e que não forma,
de se saber o que não sabe,
de julgar sem nenhum juízo
de valor e de princípio,
esse tempo de anzol
que pesca sem saber da isca,
tempo de solidão guardada
numa caixa de fósforo
que leva a mensagem
do agora,
é apenas o resumo de que a tudo molda,
e em estado de pedra
seguimos, como seguem os lagartos,
com seus olhos caolhos,
para a sobrevivência,
enquanto eles se entregam em pertencimento,
cultivamos nossa distância infinita.
É preciso que haja menos
para obtermos mais...
É preciso descobrir mais perto do que longe,
esse longe quase tátil,
onde esconde na digital,
a identidade do que nos torna,
dia a dia, indiferentes.
É preciso amar quem não se conhece como a
quem conhecemos,
amar em prece de velas acesas,
como na refeição de amigos sobre a mesa,
é preciso, urgente, que encontremos nosso real
caminho,
como os pássaros que retornam para o ninho
e que, dali, todos os dias, alçam voo
para o desconhecido com a certeza
da direção certa.
A porta está aberta, agora.
E todas as direções são um convite para o novo tempo.
Eis-me aqui, ergo minha cabeça, assento meu
chapéu de cidadão do mundo,
distribuo um sorriso ao primeiro que passa e,
sem pensar que haja
inconsequência,
atino-me num abraço e guardo,
sem remorso,
toda humanidade que, há muito, desconhecia e
sigo...