Sob os fluidos
da noite, sob a lágrima da lua encoberta pelo véu de nuvem e poeira, poluição,
cinzas de madeira, soluço, solução diluída numa garrafa de cachaça, a cidade é
um pileque, uma calçada abrigando a desesperança e a criança que não conheceu o
aconchego de um lar.
Não existe
amor meu bem, existe a deselegância da mulher imersa em sua solidão. A podridão
de um cartão postal que trás o sangue esmaltado de verão a verão ornamentando a
tez grená de um cidadão imigrante. À míngua o milho deixado para trás, a palha,
o sabugo, verdes tempos na lembrança banhada de cansaço e o seco dos dias.
Não existe
amor na capital de pedra, dos homens de HP, não existe a fraude dos honestos,
nem a hipocrisia que calcula o milhão por metro de cada quadrado dos Jardins. Não
existe a fome na comida desperdiçada dos restaurantes e hotéis, nem a
delicadeza na flanela que risca o vidro dos carros sem a recepção de seus
donos. Anfitriões são os cães de suas ladeiras lambendo a desgraça da gente que
morre ao léu nos calçadões das feiras de crack.
Sob a têmpora
das horas pulsa a sede dos humanos. A terra regada de concreto, a laje
abrigando a feijoada do sábado. O rap, o funk , o samba competindo com a batida
da moto sem escapamento estalando a alegria do garoto da favela. As minas
rebolando seu encanto revelando a beleza de seu corpo pela dança e um gingado
que trás em seus becos a africanidade do gueto.
O menino, a
menina correndo descalços pela rua desviando-se dos carros que passam, outros
estacionados na calçada, correndo atrás da bola. A pelada do fim de semana no
campinho de futebol. O marido jogando baralho no boteco da rua. A mulher
comentando o fim da novela das nove.
Não existe
amor pelas avenidas de trânsito infernal. Os motoboys, os perueiros, os ônibus
e os carros disputando o mesmo espaço. O jovem sacia a sede num calor de 32
graus vendendo água nos faróis. A superlotação dos trens e dos metrôs a partir
das seis.
Não existe
amor em SP. Existe a osmose das pessoas de querer trabalhar. Aqui se ganha o
pão. Aqui se fabrica a janta com o que sobrou do almoço. E toda sexta feira é
santa, é dia internacional da cerveja, da caipirinha e onde a camaradagem se
encontra para bebericar o fim de semana.
Em SP, o amor
é um campo de fé hospitaleira onde quem conhece alguém de verdade, é vizinho, é
do lar, é tratado como rei. Aqui não há lugar para “traíra”, nem “paga pau”,
nem “sapo” que fala besteira, nem “talarico” de fim de festa. Aqui é o lugar da
descoberta, onde o preto é que faz a fama, do Largo do Paissandu ao Grajaú, passando
pelo Samba da vela, desmilinguando a favela pela palavra de cada poeta, da rua,
da paz que cultiva em cada espaço. Cidade de poesia e aço.
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