Uma vida acontecia ali, não se sabe o rincão das coisas tristes, nem o rumorejar da palavra em riste, mas sim, acontecia. Talvez a tua mão cheia de calos, talvez aquele ar brejeiro das capoeiras, aqueles capinzais varrendo de vento o ar, e o mormaço que ainda existe pela ladeira ofegante que galgou em seus passos de poeira. Aquela nuvem pintando a tarde gris e esfacelada. E aquele riso amarelo. Ia subindo aqueles degraus morro acima, ladrilhados de paralelepípedos e um barro roto de verão ressecado pelo sol. Paredes entrelaçadas de cipó, taipa e teto de palha.
Acontecia... E a vida era molhada. Os olhos marejados. O esqueleto preenchido com aquela pele em ébano, banhada de muito esmero e de sol, lida incondicional que confina o olhar para o horizonte que morria todo dia atrás das campinas. O boçal da noite se abria vertendo pirilampos além do quintal. Vertia a mornez com a aguçada atenção nas histórias contadas aos sons de grilos e sapos. A boca esboçava palavras, tépidas palavras vestidas de astúcia e verdade.
Amiúde, ninguém reinventa a vida, nem a acontecida, nem a que espreita o calcanhar pelado e que se sustenta nuns pés vestidos de alpercatas. Nem se tranca com taramelas o horizonte que se esconde atrás do olhar que fica a admirar o que está lá longe. Mas quando passava, empurrando o jumento com uma teimosia inocente, ficava sempre a impressão de simpatia. O velho sem rabuja, o animal sem atenção, apenas as orelhas empinavam, ora sim, ora não, para dar sinal de compreensão.
GRANDES FAVELAS - meu novo romance
Há 4 dias
4 comentários:
"não se tranca com tramelas o horizonte" porque ele é todo imensidão. Bela prosa, amigo.
beijo
Um banho de poesia sobre os nossos olhos, a descriam perfeita de todas as figuras que compõem a história é fantástica.
Amei o teu blog!
oi, entrei no seu blog sem querer...quero ter um e o nome que tinha escolhido era " tecendo palavras" não vou é claro.
Adorei...voce tece muito bem as palavras um verdadeiro artesão.
beijos
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