O homem acorda cedo, a madrugada espreitando seus passos.
Veste uma calça surrada, um sapato de couro, o homem da manhã com um talismã nas mãos,
e visita com os olhos outros olhos de vidro que o acompanham pela sombra baixa.
Eu não tenho o sereno do seu rosto, eu não tenho a fé imaculada do seu coração.
O homem teso do dia que vai embora para a sua morte.
É preciso morrer duas ou três vezes ao dia, para que a vida surta efeito, para que a noite dolorida e perigosa não abrigue os fantasmas do meio dia que assolam a cabeça do homem da manhã.
Não haveria sorte alguma, não fosse as mãos segurando o estandarte pela tarde que cai. Do outro lado da rua, choram as meninas e suas crias, choram também Maria e Bernadete.
O homem é uma estátua com duas mãos erguidas ao céu. E na sua fama, na cordilheira que se abriu aos olhos marejados, assume sua condição de pedra e mármore.
Agora não há o asfalto calcinando seus pés e a presunção que o arrebata diante do mundo, é um castelo feito de folhas espalhadas: ao menor vento alçam voo, como também é o sonho de Maria, como também é a tarde que cai.
O arrebol se desenhou, nuvens espalhadas e sol se escondendo atrás dos edifícios, porém o homem se lembra que na penumbra, a dor não é percebida, pois não há o lume dos dias, nem a vela ainda acesa.
Desconhece que o riso seja feito em sua boca. Ainda que todos seus dentes tenham caído, ainda que na aurora, engatinhou chorando para os braços alheios e estranhos que o acolheram, ainda não sentiu. Era apenas febre.
Mas a noite é feita de estrelas, e a cabana reflete os raios pratas da lua, é quando o homem volta para casa, é quando se dá conta de que o dia nem existiu. As portas todas fechadas, alguma janela entreaberta bisbilhiotando entre frestas esse passar tamanho.
domingo, 27 de fevereiro de 2011
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3 comentários:
Gostei do escrito.
abraços
"É preciso morrer duas ou três vezes ao dia, para que a vida surta efeito,"
Que triste. Viver pode ser tão exaustivo, que dói!
Sempre tem as estrelas...
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