Eu tenho mais fé do que esperança.
A palavra é que move o mundo
como lagartixa
que desafia a gravidade
e prega suas pegadas
na verticalidade da existência.
Ouvi que se sustenta
a honradez na palavra.
Cunhá-la no papel é coisa desútil,
como diz Manoel,
o poeta, e o que me criou
com sua língua de falar
com sapos.
O medo de anfíbios e da escuridão
foi sempre mais real
que a teoria da relatividade
de Einstein:
“imaginar é mais importante que saber”.
Não tenho apego com heróis.
Sempre me acheguei
mais aos figurantes
de banco de praça
do que com medalhões
de preencher vazios...
Ainda assim gosto de rachar
a lenha com um machado:
a brasa acesa é que me fascina mais.
domingo, 8 de dezembro de 2013
Citações sobre o nada
O que muda, o centeio do amanhecer,
pessoas correm,
tropeçam no invisível
e um “bom dia” alheio
nem responde.
Correm para onde? Para que?
Pergunta minha ignorância.
Desusam a existência
numa roupa
de vender jornais.
O relógio, a buzina,
despertam memórias
de onde não se sabe onde...
O cão ladrando o nada
é mais real
que meu contracheque
validando
as flores de plástico
que enfeitam meu jardim
de sem tempo.
pessoas correm,
tropeçam no invisível
e um “bom dia” alheio
nem responde.
Correm para onde? Para que?
Pergunta minha ignorância.
Desusam a existência
numa roupa
de vender jornais.
O relógio, a buzina,
despertam memórias
de onde não se sabe onde...
O cão ladrando o nada
é mais real
que meu contracheque
validando
as flores de plástico
que enfeitam meu jardim
de sem tempo.
sábado, 7 de dezembro de 2013
Matéria
Matéria:
palma, assunto, parto.
Esfera que recobre o invisível,
seiva e cobre.
Teia de fios de arame,
tela de cicatriz,
rio partindo o olhar
que a moldura não esconde,
nem mostra.
Matéria:
veia aberta, verte
as ruas de minha alma,
amém, antes
que eu queira morrer
me vem à tona.
Sobretudo,
a veste que me doma,
sobre mim, Netuno
com seus cachos
de água derramando
a mente dos abstratos.
Ergo a língua, soletro:
ma-té-ria.
Mater, êxito de vida
e morte, maternal
abundância de tudo e nada,
breu que acende
a luz dos pirilampos.
Matéria,
existir denuncia
o que é breve:
floco de neve se dissolve
em evo.
palma, assunto, parto.
Esfera que recobre o invisível,
seiva e cobre.
Teia de fios de arame,
tela de cicatriz,
rio partindo o olhar
que a moldura não esconde,
nem mostra.
Matéria:
veia aberta, verte
as ruas de minha alma,
amém, antes
que eu queira morrer
me vem à tona.
Sobretudo,
a veste que me doma,
sobre mim, Netuno
com seus cachos
de água derramando
a mente dos abstratos.
Ergo a língua, soletro:
ma-té-ria.
Mater, êxito de vida
e morte, maternal
abundância de tudo e nada,
breu que acende
a luz dos pirilampos.
Matéria,
existir denuncia
o que é breve:
floco de neve se dissolve
em evo.
domingo, 17 de novembro de 2013
Desinfância
Como dói o tempo em mim,
dói com sua cara de lata,
com seus dentes de cerâmica
roendo meu esqueleto
e deitando minha carne fora.
Dói ver fotografias
e buscar nelas algum
brinquedo ao chão,
esquecido, guardando uma
infância onde hoje
pesco poesia.
O tempo de hoje
esquece as pessoas,
esquece-as guardadas na
busca de coisas úteis.
Espio da janela o silêncio
aprisionado na fadiga do povo
e vejo sapos pulando
entre pernas, grilos
confundindo as buzinas.
Nas mãos do menino
cumprindo sentença
nas grades de casa,
há lápis de cor, folha de papel
e um horizonte espichando
seu olhar para a beleza de ontem.
dói com sua cara de lata,
com seus dentes de cerâmica
roendo meu esqueleto
e deitando minha carne fora.
Dói ver fotografias
e buscar nelas algum
brinquedo ao chão,
esquecido, guardando uma
infância onde hoje
pesco poesia.
O tempo de hoje
esquece as pessoas,
esquece-as guardadas na
busca de coisas úteis.
Espio da janela o silêncio
aprisionado na fadiga do povo
e vejo sapos pulando
entre pernas, grilos
confundindo as buzinas.
Nas mãos do menino
cumprindo sentença
nas grades de casa,
há lápis de cor, folha de papel
e um horizonte espichando
seu olhar para a beleza de ontem.
domingo, 10 de novembro de 2013
Criatura
Escapo dessa sua gruta
vejo um céu de pano
E fosse esse destino sólido
travado e humano
E fosse o desespero
seu tempero forte
para sua lida
Dividir o mesmo espaço
de sagrado e fé
com nervos de aço
Eu sei que vou
eu voo além do tempo
para um lugar
de brinquedo e de vento
A nuvem estampada e leve
preenche o pensamento
Os pés no barro
a mão na lenha
acendendo a vida
A véspera do agora
é esse rebento novo
como uma promessa
Surgindo o futuro:
da parteira pobre,
a nobre criatura.
Eu sei que estou
na cruz de um sentimento
de armas que sou
Na chama de uma vela
revelar a gente
com sua espera
Entre as cercas de um quintal
desnudar a fome
e sair sem eira.
Eu sei que eu vou
na luz de um lamento
anunciar que existo
que sou de carne
vejo um céu de pano
E fosse esse destino sólido
travado e humano
E fosse o desespero
seu tempero forte
para sua lida
Dividir o mesmo espaço
de sagrado e fé
com nervos de aço
Eu sei que vou
eu voo além do tempo
para um lugar
de brinquedo e de vento
A nuvem estampada e leve
preenche o pensamento
Os pés no barro
a mão na lenha
acendendo a vida
A véspera do agora
é esse rebento novo
como uma promessa
Surgindo o futuro:
da parteira pobre,
a nobre criatura.
Eu sei que estou
na cruz de um sentimento
de armas que sou
Na chama de uma vela
revelar a gente
com sua espera
Entre as cercas de um quintal
desnudar a fome
e sair sem eira.
Eu sei que eu vou
na luz de um lamento
anunciar que existo
que sou de carne
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Do improviso
Para quem ta na rua
a poesia chora e se firma
derrama a verdade crua
que revela toda cisma
o medo, a falta de salário
vem à tona o riso do bruto
o desafio é vocabulário
sob o teto desse viaduto
é a poesia que liberta
o hip hop, a rima como faca
que corta, eis a minha oferta
de arte, que fixa como estaca...
domingo, 22 de setembro de 2013
Num clique
A fome posta
servida em bandeja
A vida exposta
como dentadura
órfã de sorriso
a boca repleta de silêncios
servida em bandeja
A vida exposta
como dentadura
órfã de sorriso
a boca repleta de silêncios
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
Vaga-lume
A esperança
voando intermitente
buscando
no breu da noite
uma trilha
que leve ao amanhecer
voando intermitente
buscando
no breu da noite
uma trilha
que leve ao amanhecer
terça-feira, 3 de setembro de 2013
O silêncio das coisas
Há um tempo,
deitei minha esperança na rua e,
vestido de banco com meu nome inscrito
em letras recortadas de jornal,
cravei meu endereço
no destino das coisas.
Há um tempo,
vi meu cotidiano se diluindo
em pequenos gravetos
e a existência pedindo abrigo em minha carne:
- neguei!
Há um tempo,
as horas doloridas duram sem cor,
sem lápis, sem palavras
e as dobradiças enferrujadas
abrem janelas
significando horizontes para meus olhos
vestidos de catarata e silêncios da cidade.
Há um tempo,
minha boca houve frase alguma,
meu nariz enxerga cheiro algum,
meus ouvidos sentem luz nenhuma
e da centelha da cor
salivo o gosto do tempo
com seu tamanho indefinido
vestindo meu rosto de vincos
e minha cabeça de insanidade.
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
Ponto de vista
Vista do alto, a imensidão de baixo parece estática, mas ao
contrário é uma profusão de carros abrindo trincheiras no asfalto desenhando
labirintos pelas ruas e avenidas abastadas de tanta vida vestida de máquina. Pelas
calçadas é tanto pé desenhando pegadas invisíveis deixando à mostra uma cortina
colorida feita de gente que transita pra lá e pra cá a todo instante. Assim como
para quem observa apenas de uma janela lá do alto não vê a grande beleza de
quem está embaixo e observa o esplendor de um voo a imaginar pirilampos abrindo
tuneis nas nuvens pela noite que cai. A beleza e as possibilidades são pontos
de vista de quem sabe enxergar.
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Coisas de ontem, crônica de hoje (O fazedor de coisas – Márcio Ahimsa)
Quando eu era menino olhava para o chão e imaginava um
imenso buraco. Espremia os olhos e me via na miopia do amanhã usando óculos em
pequenas armações de arame. Essa era a minha resposta para o futuro. O que eu
queria ser quando crescer. Queria ser, acima de tudo, fazedor de coisas. Dessas
coisas todas, a maior era poder resolver os problemas, espantar os medos com a
coragem que aprendi aos poucos pelas ruas de paralelepípedo da minha cidade.
Ali, com poucas ruas e tomada de morros cobertos de relva por todos os lados e
banhada por um rio, eu tinha certeza que era o centro do mundo. Meu mundo foi
sempre assim: uma vastidão imensa partindo apenas de um pequeno ponto de vista,
que era o que eu enxergava para além do meu quintal sem cercado. E era um mundo
imenso. Meu pai carpinteiro me trouxe meu segundo presente mais precioso: um
caminhãozinho de madeira que ele mesmo fizera quando trabalhava fazendo as
armações de ripa para colocar o telhado da escola aonde, depois, eu viria a
descobrir as primeiras letras. E, como a ocasião é quem faz, nesse caso, o
fazedor de coisas, eu passei a construir meus próprios brinquedos.
Caminhõezinhos de carroceria de madeira e a cabine feita de lata de óleo. Os pneus
de borracha de chinelas havaianas velhas que catava em terrenos baldios. Por
volta das seis horas da tarde, eu via toda aquela meninada vindo da escola com
seus cadernos de brochura por debaixo do braço, ora ensacolados com embalagem
de arroz, ora com embornal feito de pano. Eu já tinha sete anos de idade.
Perguntava para minha mãe porque eu também não estava na escola como as outras
crianças. Ela respondia que eu era muito pequenino. E era mesmo. Mas insisti
muito e ela me matriculou e assim me ingressei com oito anos de idade na
primeira série. Na hora do recreio a meninada sempre fazendo suas estripulias.
Eu era aquém àquilo tudo. Não gostava. Encantava-me mesmo era a biblioteca da
escola e seu imenso acervo, que depois ficou pequeno para mim. Li quase todos
os livros. Quando chegava
à minha casa, primeiro fazia a lição. Depois sim, brincava com meus amiguinhos
da rua. Minha avó preta, dona Quelé , sempre contava histórias de lobisomem,
saci e mula sem cabeça. Eu ficava com um medo danado, mas não me furtava a
escutá-las. Era mais forte do que eu o encantamento que me causavam. Depois,
lendo mais ainda, descobri que eram lendas criadas pelo imaginário popular de
gente muito antiga. À beira do terreiro é que as horas passavam depois do
jantar, olhando as estrelas e ouvindo o coaxar dos sapos que se hospedavam no
fundo do quintal de casa, que era meio brejado. O fogão de casa era de lenha
que a gente mesmo buscava nas matas aos arredores da cidade. As trilhas cheias de
carrapicho eram os labirintos que me ensinavam sempre a descobrir que havia uma
saída. Na miséria minha de cada dia, descobri todas as riquezas que hoje
cultivo no âmago da minha alma. Eu era feliz. Era como um passarinho que podia
explorar o mundo sem nenhum medo. As ruas não tinham muros, a porta de casa
estava sempre aberta. O fogão era de barro, e na sala tinha a mesa com cadeiras
de madeiras que meu pai mesmo fazia e, que hoje, valem uma fortuna: móveis
rústicos. E tudo que antes era
considerado pobre, hoje é ornamento caro nos maiores stands de decoração. Acho
que é por isso que conservo minha alma com a mesma essência daquelas coisas
todas. Minha mãe tinha uma horta. Eu também tinha uma. As pessoas da época
davam o maior valor para os enlatados e coisa e tal. E hoje tem muita gente
ganhando dinheiro com produto orgânico. Merda de vaca dava um nojo, mas hoje é
esterco de primeira qualidade para o cultivo de hortaliças que enfeitam as
melhores bancadas de supermercado. Acho que é por isso que sou tão resistente às
unanimidades. Alheio a tudo que envolve opinião pública e que abarca o
pensamento de multidões como se o ser humano pudesse ser resumido apenas numa
única forma de pensar. Não gosto de ideais, gosto de ideias distintas. Lá no
meu infinito particular, no meu não tão distante tempo de outrora, ainda
menino, vejo o mundo como uma mão e um boneco de fantoche onde a primeira pode
ser resumida na vontade de construir a face de um povo com base no interesse de
seu manipulador e o segundo é esse povo que age conforme move a mão. Eu nunca
fui inocente. E hoje muito menos ainda. Agora, em meio à selva de pedra no
gigantismo da megalópole, eu inventor de pequenos arranjos que desenho na minha
imaginação para driblar os muros e os cercados da modernidade, continuo
imaginando o imenso buraco à minha frente e tentando descobrir qual será a
armação para os óculos quer irei usar para saltá-lo. Eu sou fazedor de coisas,
afinal obstáculos nunca me foram tão grandes diante da minha capacidade de
criar máquinas para demoli-los. Por isso estou aqui hoje, ileso, sem rupturas
no meu coração, sem cicatrizes na minha pele, apenas as mãos cheias de calos
por construir portas para eu entrar e sair à hora que eu bem quiser.
domingo, 4 de agosto de 2013
Evidência
Na rua a espraiada de um tempo de cão...
Ao longe o mugido de um agora esquecido
ressoando a tristeza de dia sem pão.
São trincheiras e frestas de um livro lido.
A poeira já calcou nos pés dos seus marujos
a hora sem rumo que de dia desola,
as mãos de barro com seus dedos sujos
dissuadindo a fome de miséria e esmola.
Ferrugens, rodas de moinho, carro de boi...
Condolências para além desse asfalto,
a estrada rachada de pedregulho que se foi
colhendo saudade nessa cerca que salto.
Os sonhos que se escapam das mãos
Como bodoque atirando pedras na distância
Retrocede o prelúdio dos ventos sãos
que amarram a palavra engolindo sua ânsia.
A chuva fere esse chão de enredo,
fere como neve que chora a alma da inocência.
Carroça de carregar coragem e dissipar cedo
o medo de deixar para trás essa evidência.
domingo, 14 de julho de 2013
Autopsicografia pós moderna II
Trago no bolsos
festas de ontem,
a lembrança doendo nos ossos do
tempo
como osteoporose
que trinca o agora com a vida
gasta.
Meus ombros, minha sola,
meus bottons de prender
lembretes
se misturam com a ferrugem
de meu riso
e la longe, num horizonte
imaginário,
traço as linhas
do meu caminho rodeado
de objetos, e tato - e gente -
e velharias
que conservei intactas
aqui, na algibeira do meu
presente,
para me fazer saber
que não sou nuvem dissipada,
mas o extrato dessas coisas
todas,
ainda que perecível aos
movimentos
de rotação e translação da
terra,
mas sedimentado
pela integridade do que me fiz
em carne e história.
Verdade
“Procuro um olhar perdido que
me encontre...”
E pela floresta dos seus olhos
me cubro,
e me encontro de achar você,
e me perco de estar na
completude
de nós.
E estar achado ou perdido
é um ponto de vista
da distância entre o meu abraço
e o seu corpo entregue.
Num enlaço a sós,
sôfrego imaginar
de desatar os nós
do nosso eu particular.
É no seu alheio que vislumbro
o eu que encontro
a cada vez que descubro que eu sou
seu...
quarta-feira, 12 de junho de 2013
Poema de amor
Meu bem, quero-te antes, zen,
sem os truques e maquiagem
que te cobrem a pele.
quero-te incompleta,
sem o carmim de um batom,
para apreciar melhor teu beijo.
Sem o rímel que te ralça os cílios
para que a luz desvele teu olhar
e revele o fogo crispante da paixão
que se acende em mim.
Quero-te livre e solta
quando andas de chinelas trocadas
pela casa como se amanhã não existisse.
Quero-te assim
tão completamente linda
se reconhecendo em minha voz,
em meu tato, em minha vida.
Quero-te incompleta
mas repleta de mim,
pois eu já estou de ti
perdidamente íntegro
em amor e cumplicidade .
sem os truques e maquiagem
que te cobrem a pele.
quero-te incompleta,
sem o carmim de um batom,
para apreciar melhor teu beijo.
Sem o rímel que te ralça os cílios
para que a luz desvele teu olhar
e revele o fogo crispante da paixão
que se acende em mim.
Quero-te livre e solta
quando andas de chinelas trocadas
pela casa como se amanhã não existisse.
Quero-te assim
tão completamente linda
se reconhecendo em minha voz,
em meu tato, em minha vida.
Quero-te incompleta
mas repleta de mim,
pois eu já estou de ti
perdidamente íntegro
em amor e cumplicidade .
estribilho de uma nota só
...quando fores uma ponte, essa esticada diante do dia, diante da noite, quando fores uma ponte, desmontes então a canção que ainda não consegui ouvir e seja esse estribilho de uma nota só ressoando em meu coração...
terça-feira, 11 de junho de 2013
A infância do porvir
Sou um desacato
e mínguo a margem de mim.
Sou de um prato raso
sobras de um vazio,
pausa, silêncio e fim.
Sou de uma navalha
lâmina cega,
o barro crispado
nas mãos de um oleiro,
a taquara cruzada,
o vime envergado
que forma o cesto.
Sou graveto ao chão
testemunhando
as sombras da solidão,
o crepúsculo
num preâmbulo de amanhecer.
Sou prosa e rima,
desvalia morando
sina e abandono
calcando instante
num riso escondido no lábio
de alguma criança.
Entre pausa
Quede no grito
entre súplica e a temperança,
átimo de verdades
entre a fresta e o horizonte.
Quede inconstante:
risos, a púrpura do agora,
átomo de esvaziar medos.
Quede cedo
nos atalhos de seus fantasmas,
clínica de envaidecer coragem
e ruma plácido
para longe de seus escombros.
O tempo da tertúlia
Partes agora para essa parte que é minha,
essa morada irrestrita,
onde fica guardada a vontade de estar,
seja cerne, âmago, nesse preâmbalo de ser,
essa parte que finda sem razão para uma leitura,
mais ou menos ótica, de ser espaço aberto e vazio,
prestes a receber, sempre,
sem qualquer tolhimento,
a beleza das coisas simples.
essa morada irrestrita,
onde fica guardada a vontade de estar,
seja cerne, âmago, nesse preâmbalo de ser,
essa parte que finda sem razão para uma leitura,
mais ou menos ótica, de ser espaço aberto e vazio,
prestes a receber, sempre,
sem qualquer tolhimento,
a beleza das coisas simples.
domingo, 9 de junho de 2013
Contrução
O dono do
boteco varrendo a rua deixando alta a ilusão de fabricar com poeira um panorama
quase solitário da calçada. Os cães vigiam o passar e espantam a existência que
sobrevoa teimosa fazendo órbita pela cabeça em sentido. O moleque empina a pipa
olhando para o céu preenchido de brincadeira. O pai o beijou numa quase
religião. O rosto com um bronze de sol. O olhar com uma prata de lua. E a complacência
mútua da despedida. No balcão o copo americano preenchido de coragem. A garganta
seca agradece: Deus lhe pague!
O embornal se sustentando no ombro vestido de camisa marrom. A marmita fria que vai saciar o vazio do estomago ao meio dia. A mulher que ficou para desembaralhar o tempo e deixar a sua hora de dormir mais tranquila. Pela manhã, um prato com cuscuz, uma xícara de café e seu amor guardado apertando o peito. Um olhar de afago. A rua comprida levando seus pés vestidos de sandálias. A calça curta se desculpando pela falta de pano.
Olhou para
aquele céu vestido de edifícios. Seu ofício de fabricar o aconchego alheio. La embaixo
o precipício. A corda roída sustentando o andaime calejado de seu corpo frágil.
A janela sem cortina, seu vão de tristeza testemunhando a queda. O vento
cortando a pele e amaciando o susto. Era sábado sem importância e o chão de
grama verde recebendo seu grito pela tarde de outono. Era cinza o dia. A gente
pasma. O murmúrio e, sem exigir nada, apenas as folhas caindo da árvore para
fazer companhia numa cumplicidade de silêncio e fim.
quinta-feira, 6 de junho de 2013
lembranças de fevereiro
de repente, tudo é um caos.
a insurreição remota de um dia
longínquo pousa como um estandarte,
reverência sem palmas
ao palco calado dos olhos.
e aquela beleza fria
que causava algum rumor à pele,
que eriçava os pelos
mais tímidos do corpo,
talvez saltasse do calabouço
da memória e viesse à tona
como uma bela embarcação
que a mudez dos lábios,
que a falta de respostas
daquele telegrama alheio
e a paisagem sem janela
daquele olhar esmeralda de vidro
naufragou num verão qualquer
de fevereiro.
a insurreição remota de um dia
longínquo pousa como um estandarte,
reverência sem palmas
ao palco calado dos olhos.
e aquela beleza fria
que causava algum rumor à pele,
que eriçava os pelos
mais tímidos do corpo,
talvez saltasse do calabouço
da memória e viesse à tona
como uma bela embarcação
que a mudez dos lábios,
que a falta de respostas
daquele telegrama alheio
e a paisagem sem janela
daquele olhar esmeralda de vidro
naufragou num verão qualquer
de fevereiro.
domingo, 2 de junho de 2013
Panis Angelicus
Há qualquer coisa deselegante
sem a importância do nexo
que anda pela rua...
O beco que esconde a malícia
no gingado da malandragem
do gueto.
Há qualquer enfeite de lantejoulas
ornamentando a véspera
de uma quaresma.
A alegria de uma gente
sem premissa de interesse
nem pauta para embasar o riso.
Há qualquer coisa triste
que embeleza mais que
o melindre de uma culpa.
O sujeito de mãos sujas
que limpa sua honra levando
o pão pelo mérito do trabalho.
Há qualquer salário
financiando o direito de muita gente
a viver muito com pouco.
O desgosto salgado com suor
e o brinquedo fabricado
em folhas velhas de jornal.
Há qualquer criança
nos fazendo lembrar
que o futuro ainda não chegou...
quinta-feira, 30 de maio de 2013
Não existe amor em SP
Sob os fluidos
da noite, sob a lágrima da lua encoberta pelo véu de nuvem e poeira, poluição,
cinzas de madeira, soluço, solução diluída numa garrafa de cachaça, a cidade é
um pileque, uma calçada abrigando a desesperança e a criança que não conheceu o
aconchego de um lar.
Não existe
amor meu bem, existe a deselegância da mulher imersa em sua solidão. A podridão
de um cartão postal que trás o sangue esmaltado de verão a verão ornamentando a
tez grená de um cidadão imigrante. À míngua o milho deixado para trás, a palha,
o sabugo, verdes tempos na lembrança banhada de cansaço e o seco dos dias.
Não existe
amor na capital de pedra, dos homens de HP, não existe a fraude dos honestos,
nem a hipocrisia que calcula o milhão por metro de cada quadrado dos Jardins. Não
existe a fome na comida desperdiçada dos restaurantes e hotéis, nem a
delicadeza na flanela que risca o vidro dos carros sem a recepção de seus
donos. Anfitriões são os cães de suas ladeiras lambendo a desgraça da gente que
morre ao léu nos calçadões das feiras de crack.
Sob a têmpora
das horas pulsa a sede dos humanos. A terra regada de concreto, a laje
abrigando a feijoada do sábado. O rap, o funk , o samba competindo com a batida
da moto sem escapamento estalando a alegria do garoto da favela. As minas
rebolando seu encanto revelando a beleza de seu corpo pela dança e um gingado
que trás em seus becos a africanidade do gueto.
O menino, a
menina correndo descalços pela rua desviando-se dos carros que passam, outros
estacionados na calçada, correndo atrás da bola. A pelada do fim de semana no
campinho de futebol. O marido jogando baralho no boteco da rua. A mulher
comentando o fim da novela das nove.
Não existe
amor pelas avenidas de trânsito infernal. Os motoboys, os perueiros, os ônibus
e os carros disputando o mesmo espaço. O jovem sacia a sede num calor de 32
graus vendendo água nos faróis. A superlotação dos trens e dos metrôs a partir
das seis.
Não existe
amor em SP. Existe a osmose das pessoas de querer trabalhar. Aqui se ganha o
pão. Aqui se fabrica a janta com o que sobrou do almoço. E toda sexta feira é
santa, é dia internacional da cerveja, da caipirinha e onde a camaradagem se
encontra para bebericar o fim de semana.
Em SP, o amor
é um campo de fé hospitaleira onde quem conhece alguém de verdade, é vizinho, é
do lar, é tratado como rei. Aqui não há lugar para “traíra”, nem “paga pau”,
nem “sapo” que fala besteira, nem “talarico” de fim de festa. Aqui é o lugar da
descoberta, onde o preto é que faz a fama, do Largo do Paissandu ao Grajaú, passando
pelo Samba da vela, desmilinguando a favela pela palavra de cada poeta, da rua,
da paz que cultiva em cada espaço. Cidade de poesia e aço.
domingo, 19 de maio de 2013
Poesia de amanhecer
Asas que captam do vento
o equilíbrio para voar
atmosferas,
o dia isento de dores.
Ver rolar as horas como esferas
que ecoam fomes.
Dilatam febres: altas, largas
e rasas.
domingo, 12 de maio de 2013
Receita de ser mãe
Ser mãe trás qualquer consequência
séria para que o universo não seja mais o mesmo.
Quando uma mãe nasce
a natureza toda se transforma,
não só a que reside eu seu corpo pequeno,
mas a que está em toda sua volta.
Ser mãe é condescender com a vida
as estações do tempo,
é ser a semeadura e a colheita,
um campo de flores na primavera,
um bosque de amores na mão direita.
Ser mãe é cantar o futuro através do vento
e espalhar pelo brio do dia
a ternura e a fé e ainda ser mais querida.
Ser mãe é ser um abraço e estar envolta
pelo aconchego de um olhar mais pleno.
Ser mãe é ser a forma
do barro ungido na tez de uma face,
é ser o amor, a paz e a essência.
sexta-feira, 10 de maio de 2013
Canção de ninar (para meu pai)
Foi assim...
Um olhar tímido de sorriso levado,
que deixou cercado em redor de sua vida
as muitas estórias de estripulias.
E de derrubar touro
e amansar burro brabo,
pela força de seus braços e pela convicção de suas
mãos, construiu mais que edificações,
construiu a solidez de um caráter
e ganhou o mérito de ser grande
nesse percurso de viver...
Qualquer dia atrás foi apenas um olhar
me dizendo coisas tão completas
e que queria ficar. E ficou.
Pai, sempre dizia que não queria ficar no escuro...
Mas não ficará jamais, pois a luz da nossa vida,
que veio de você, estará sempre voltada para seus olhos,
assim como não estará sozinho,
pois ao seu redor estarão todas as estrelas
do infinito para que seja repleto
o seu lugar.
Sabe que dentro de mim estará sempre aquecido
pois meu coração é seu abrigo mais tenaz.
Acho que não preciso falar de amor para você
e nem você para mim,
pois sempre nos entendemos muito bem
através do brilho dos nossos olhos
e das muitas vezes que nos abraçamos
sem ao menos nos tocar...
Ah! Antes que eu me esqueça...
Obrigado por ter me deixado a maior riqueza do mundo:
o respeito pelas pessoas, o caráter,
esse sentimento de desapego pelo que é vil
e esse jeito de cultivar com muito esmero
as coisas mais simples da vida...
Ou seja, me deixou tudo que preciso para viver...
sexta-feira, 22 de março de 2013
Lá vem o menino!
Lá vem o menino com uma missão
com um chinelo de dedo
e uma luva na mão.
Ele fez o destino com o barro
e o chão da sua infância,
o menino de ânsia,
e essa corda onde amarro
versos e costuro o pão
com a fome que hei de comer.
Lá vem o menino com a ventura
de um sorriso
com a procura que ainda preciso
para, de fato, me encontrar.
Ele tem uma bola de gude
e a poeira de sua urgência,
o cimo de uma ladeira,
la embaixo a sua estrutura
ainda pequena, ainda crua,
segurando essa imensa
vontade irrompida.
Lá vem o menino de pernas curtas,
coração grande,
para conquistar os degraus
de cada dia,
sem tirar da cabeça
a teimosia de carregar junto, o sonho.
segunda-feira, 18 de março de 2013
Manicure
Pintar unha é uma arte,
que se parte no tempo
e se compunha...
Beleza que se dissolve
em descarte,
vaidade que se completa
em testemunha.
sábado, 16 de março de 2013
Fragmentos de um tempo rude
Ela apertou o passo. Desesperada, a rua convergida de gente. Para trás a poeira fina e orgânica baixando pela calçada cheia de lixo. O vestido balançando sob a fluidez do vento morno de fim de verão. Cidade gris. As pernas resistindo à pressão do corpo pesado pelo cansaço. Adiante, um calçadão como alça de acesso ao viaduto repleto. Os degraus parecendo gomos piramidais, intransponíveis.
Vencera, exausta. O alambrado em balaustre, como sacada, dando vista para um horizonte hipnotizante. Parou. Recostou sobre a coluna. Pasmada, ficou a observar a montanha de prédios a nortear o panorama dos seus olhos. Por um instante, a supremacia do tempo deixou de ser importante. E tantas coisas desimportantes vindo à tona pelo revés da memória há pouco suprimida pela pressa. Melancolia...
Com as mãos trêmulas remexe a bolsa que guarda com tanto esmero embaixo dos braços. Retira um pequeno porta retrato, azul, onde contém duas fotografias. Uma delas revela o semblante sorridente de uma moça na aurora da vida. A outra trás o rosto de um moço sereno e também iluminado pela áurea da juventude. Aperta a mão contra o peito sobre um pingente em forma de coração pendurado em seu pescoço. Compartimentado como um bálsamo, guarda a pequena imagem da filha, agora crescida.
Isabelle crescera como crescem os crisântemos, linda e alegre. Mas sem a presença do pai, que deixou a ambas quando caiu de um andaime, quando construía os mesmos prédios que despontam ao longe. Edifício: pedra e nuvem. Helena chora.
Quem mora o conforto de um apartamento não sabe o peso da sofreguidão com que foi erguido. Assim como as chaminés que guardam a dor de uma árvore morta ao ser queimada. Nem a desesperada tentativa de respirar, fora d`água, de um peixe que acabara de fisgar a isca.
Assim são as perdas que soam ao coração como as mais avassaladoras tentativas de assassinato dos seres. Resolve seguir adiante.
Para trás ficam as lembranças. A rua repleta e solitária. Senhoras que choram com placas de desaparecidos. Mendigos deitados ao relento de um banco ornamentado por um chafariz que jorra e chora a miséria dos dias. Ficam os ladrilhos que guardam o corpo dos cães famintos a espreitar as migalhas dos benfeitores e os pombos arrulhando a podridão urbana da modernidade. Helena não para nem sorri. Apenas carrega consigo a reminiscência das horas. E o cheiro das alfazemas e o ocre da tarde.
Chega à casa, despe-se. A água caindo sobre seu corpo lavando a canseira e os restos da rua que ficara. Impregnada na pele, a peripécia do palhaço, que tentava exaustivamente arrancar o riso das crianças. E a lágrima dos desamparados.
Limpa e crua corre para a varanda onde acolhe num abraço, a filha Isabelle que ainda revela as pernas em tropeço quando esboçava os pequenos passos que a levariam para a imensidão de amor de ser filha e mulher.
Ambas se confortam e se completam e as quimeras da vida se dissipam pelo entardecer...
sábado, 9 de março de 2013
Quase poema
A minha palavra está pouca
como a rua que se encurta de vista
e pássaros sem galhos para pousar.
Meu verso está pouco
sem carência de vírgula
para pausar meus instantes como horizonte
espremido que se revela apenas em fotografia.
Está pouco o dia sem azáfamas
e a solidão das calçadas flamejantes
de tantos lugares que ali moram
com outros endereços para partir.
A minha rima está inculta, pobre
como pombos que arrulham
a fome bicando migalhas pelo chão, redundantes.
Busco, sem êxito,
a poesia limpa das prateleiras,
mas a encontro pouca nos olhos secos
do cão faminto
e no abrigo sem parede revestido de gente.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
O fim do mundo
Eu vi, esticadas, miúdas sob a textura
irremediável, opaca, amarela, que
grunhe pelas pontas dos meus dedos,
que resfria meu espírito
pela gastura do tato – do jornal em prantos –
as letras em frase perene,
com a notícia
do fim do mundo.
A banca, o banco, a praça...
A primeira onde abarcam os perdidos
que se alimentam da descoberta
do segredo de não estar só.
O segundo, o anfitrião onde guarda o repouso
do vivo, que é morto,
onde recolhe da noite solitária,
o morto, que é vivo
e abre o espírito episcopal da humanidade
onde tudo se pertence, se distancia.
A terceira é a gênese do mundo,
onde a vida se extrai de uma lembrança e de um fim.
Onde as ruas se encontram e se despedem
e crianças guardam o choro
e embalsamam um grito de alegria
pela relva macia e descuidada.
Um cachorro não toma ciência do fim
quando seu latido escolhe
assustar o silêncio,
nem quando mudo, grunhindo amarguras
de abandono e frio.
Um cachorro é órfão de gente,
de existência e finitude.
Mas sente a morte que se aproxima,
não a sua, mas a do seu algoz,
ou senhor – ou coisa alguma – ou tudo.
O mundo já acabou quando a flor
pendeu a última pétala pela avenida,
caiu silente pelo asfalto
com sua branquidão de paz,
com sua vermelhidão de dor,
com sua escassa tonalidade de azul.
A flor cinza dos tempos.
Eu vi, pelos varais do mundo,
pequenos embrulhos esticados,
cartões postais dos países
que erradicaram as fronteiras,
eu vi estandartes de muitas pátrias
estendidos à unidade do povo.
Queríamos jardins,
caminhamos pelas pedras, em vão,
da liberdade.
Hoje, morre o mundo com seu rancor,
o mundo que extrai da vida
a porcelana de um sorriso, que é só dente,
mas que não sabe da fotografia
de um regato descendo a colina,
o mundo vestindo sua máscara de gente,
a roupa que segreda do corpo
o vento que é gratuito,
os pés que se escondem do chão
que um dia será abrigo e fim...
Hoje, o fim mesmo é só recurso
para vender jornal
e o fim morto e posto – onde degredo,
ao acordar cedo para a razão
e chegar tarde para repousar
meu verde brio
no travesseiro de um sonho.
domingo, 20 de janeiro de 2013
Calafate
Nau trôpega de mar e rio
submersa às ancoras, palavra, porto vazio
que acha, ágata de agora e palo seco, graveto
obsecado em cair como pêndulo ao chão.
Soa agora como grito no submisso mundo, veto,
ondas de Alentejo, onde vejo – são -
os brejos trigais
dessa minha cobiça de alcançar além.
Tua boca, tua sílaba mordaz, teu escudo
de sobretudo cavando versos
na moringa de água, benta água que verte virgem
da terra em cio.
Quebra em mim um coração,
único, silente, como forma de alcançar o brio
que o céu vestido de arrebol
arremessou contra minha pele.
Hoje, seco o vento com a trombeta que ressoa
rude, como pedra que deixou a delicadeza
esfarelada em poeira, amiúde, pétala e madeira
espelhando na tarde o ocre de não se afundar
como noite que subestima, como voz que não se cala,
como dia que não revolta,
a dor, o ópio, o calo, a vertigem
dos pés sem direção seguindo nus pela areia...
segunda-feira, 7 de janeiro de 2013
Nascimento
Tambor de Minas Gerais
que alcança zunindo no tempo,
fuzila o lamento: é o trem, é o trem de tantos ais.
Me lança pelas esquinas, inventos de cordas vocais.
É o Milton, rubro no nome,
negro com fome de fole, sanfona, acorde
de sinfonia harmônica,
morde a sílaba, aprisiona o som que comunica
com a alma e liberta o corpo
para falar o que a boca esconde na timidez.
Dedos tecendo a prece,
Apresse a oração, meu filho!
Que eu jogo milho no terreiro para saciar
a agrura, cio de desventura,
lambuzar a mão com fruta madura
de colher quintal com violão...
Que esquenta a fogueira,
moendo a cana e ofertando um dízimo
para dizer a Deus que não é santo,
nem triste, apenas conserva
um traço sagrado de ser Nascimento.
- E Rio, rio de amar o mar que ficou para trás
e que o esconde agora atrás das montanhas
nos traços de Minas Gerais.
domingo, 6 de janeiro de 2013
Amarelo
Esse tempo que incendeia o espaço, parco espaço que dissimulo
como casulo, paço de uma atmosfera real
que o momento fere, esfera que cumpre sua anatomia
num ritmo que me desenvolve por dentro.
Ele corre o seu ventre, descobre pelas entranhas
algo estranho, carrossel que me ganha
e lança-me pelas arestas vivas e que entorpece:
febre de um malandro com seus meandros de palhaço.
Ah, moça das noites afora, que o dia escolhe
para morrer seus lamentos, agora, tormentos
que colhem flores pela fresta aberta de um crepúsculo...
Ah rotina, istmo de alegria e tristeza
que leva embora, manhas e manhãs de tantos ais!
Com seus carnavais e cataventos,
com suas navalhas e pierrôs, pavios de velas
que o agora apagou com suas novelas,
desalentos de instantes: são tantos, são prantos,
quebrantos de aquarelas mortas.
Amarelo, seiva e descompostura
que, ao toque febril da terra, me costura e ara.
Amarelo, doce aurora que, ao arder do dia,
fenece como folha murcha ao sopro suave de outono.
Esse tempo que desenho é um agora
cheio de vento e areias espalhadas para construir castelos
pelas mãos pobres de um sonhador:
caçador de realidades que chega e vai embora.
sexta-feira, 4 de janeiro de 2013
arco iris
pétala e pólen, folhas e vento,
que, sobre o orvalho que cai
pela manhã, é arco iris
preso em varal
esticando o horizonte da minha vida
como um sorriso que não se desprende,
nem finda,
nem mesmo que meu corpo pereça,
diante da saudade que jaz em mim:
beleza sem princípio,
nem fim de ser feliz.
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