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domingo, 30 de setembro de 2012

Sem tempo

Correr atrás do tempo
é vedar os olhos
parar os instantes
que a pressa não deixa ver.

E se não ficar nem remorso
nem saudade,

é porque nem mesmo
percebestes, na calçada,

a nudez dos pés cheios de bolhas
que te sustentaram
no que sempre chamastes
de: vida.

domingo, 9 de setembro de 2012

Saudade piche

A estrada é ponto de encontro
de chegada e ida
que amadurece saudade
sem deixar lembrança

sábado, 1 de setembro de 2012

O Ethos, a Vida, o Tempo e o Amor na poesia de Maria Vilani

Por Márcio Ahimsa

Tenho em mãos uma pequena peça constituída de muitas outras pequenas e grandiosas peças. Estendidas sob a perpendicular e aguçada curiosidade dos meus olhos, essas folhas caídas da beleza de algum outono, vieram pousar na minha alma e causar riso no meu coração. Assim foi a impressão primeira que tive dos versos que li dessa poeta de grandeza maior, Maria Vilani. Pensei: demais!

Mas demais mesmo. Tanto que devorei o livro em duas horas, a fio, ininterruptamente, com algumas leves pausas para anotações. Queria fazer uma resenha. Comecei a escolher poemas, mas eram tantos. Tantos quanto é tanta a ternura de Maria, como é tanta a gana de Vilani. Aí veio Milton Nascimento é disse de Maria: “mas é preciso ter força, é preciso ter raça”, “Maria Maria mistura a dor e a alegria”. E a resenha foi deixada de lado. Não sei mais o que quero escrever. Vou deixar as minhas percepções dizerem enquanto meus dedos digitam o que abaixo vier.

A poesia de Maria Vilani é um “Varal” teso onde pesca no horizonte da vida os versos que o dia comum pode oferecer, entre batalhas, entre amores vivenciados, entre o sentimento maior de ser mulher, de ser filha, de ser mãe e esposa.

A urgência pela vida é uma temática recorrente. Poemas como “Brevidade da vida” e “Trânsito da vida” trás um alerta: em meio a buzinas e a pressa, devemos tomar consciência de que a vida é perecível. É a necessidade de desmaterialização das coisas, pelo simples fato de serem coisas, para se presentificar no instante, como algo palpável. Em “Varal”, que é título do livro, o eu-lírico assim diz: “As roupas velhas, relíquias de um passado, que não volta mais, arranquei-as uma a uma, e as atirei no lixo do presente” como quem implora: deixemos tudo de lado, vivamos, simplesmente.

Dessa maneira, a vida sendo o viés que dará o tom na poética de Maria Vilani, a rebeldia da menina terna vem à tona em “Nações Unidas” que é uma ode ao homem que trabalha, que é embrutecido pela máquina e torna-se, num mimetismo quase perfeito, a própria máquina. Estamos todos unidos na privação da vida em prol do trabalho. Homem que enferruja a própria sorte, dia após dia, para viver. Assim, mata a alma pela morte do corpo.

Resiliente diante das circunstâncias, obra e poeta se confundem, como podemos ver em “Carta para o além”, que é um poema biográfico e fala da imagem e importância da construção familiar para se construir um caráter, se construir uma pessoa. Não quero falar da perda, pois essa recorrência aqui é inútil, uma vez que a menina sempre confiou seu destino pelos ensinamentos sempre presentes que tivera do pai. A emoção que a leitura do poema passa é uma catarse. Não cabe explicação, apenas sentir.

Desse modo, diante da transitoriedade da vida obsoleta – a poesia cria raízes no asfalto e traça a caminhada imperceptível do ser diante da voracidade da cidade urbana. Nesse palco, tendo como cortina a janela da vida, eis que o cotidiano devora a carne do homem e da mulher pela fome de construir consumo. No fim, acaba por construir a peleja, que constrói a morte do corpo, que mutila o coração de sentimento e decepa a alma de amor.

Se a poesia de Maria Vilani é forte, ao mesmo tempo é delicada como o delgado sopro do vento numa tarde de primavera. Em “Agenda”, a construção poética é de um lirismo autônomo, em que falam os versos: “sou tão tua, quanto minha, nunca fui suficientemente minha, porque nunca fui totalmente tua”. Mas não nos deixemos enganar pela delicadeza. Esse poema é de um embate único com a própria razão de ser ou não ser poeta. O eu poético se digladiando com o eu comum. Nessa luta, talvez, a poeta se revela pela face de uma mulher, ávida pela busca de um amor. Revela-se na incondicionalidade das coisas, na saudade selvagem da infância, no elo sedimentado no corpo e na alma aprendida com o que é simples e essencial.

É nessa busca incansável para alcançar o semideus na semiótica de ser poeta e ao mesmo tempo ser perecível ao tempo, que vejo uma mulher que pedala numa rua vazia e busca no espectro das coisas o significado de viver, de amar, de morrer, mas sem se relegar à condição de deusa, que cria o amor, que infringe a dor, que se renasce como fênix no inexorável sentido de viver.

Em sua poesia, o tempo é o inquisidor da vida. Podemos sentir o palpitar a cada segundo e a ideia de finitude. Mas num “Sonho vaporoso” a indagação pelo prelúdio do dia busca um instante pela vanguarda de ser humana, transitar e impelir em si mesma a chaga contínua de ser poeta, viajar pelo espaço sideral e encontrar o nada e no nada se fazer carne e aço.

Então “Ser poeta é voar ao infinito com os pés sujos de barro”. Essa definição desmistifica o poeta e o torna lápide subjugando sua existência que se desmancha como folha de papel em branco na transparência quase assassina da água. Ser poeta é poder dar a chance de morrer e

nascer todos os dias com o sofrimento. “Negam-nos o direito sublime de sofrer”, no poema “Alienam-nos”, pois sofrer é beber um cálice amargo de morte e o tornar em vida. Tolher o sofrimento é ruminar uma existência fabricada por máquinas, que nada sofrem, apenas se corroem na tentativa cruel de ser aço.

Então somos humanos, e existe o amor, e existimos pelo sexo como em “cogumelo gigante”. E somos finitos, mas somos jovens. “Se você é jovem, não se esqueça que a juventude é transitória, não construa castelos na areia, construa um mundo onde você possa habitar, se você é jovem, cuide para nunca envelhecer”.

Assim, nesse conflito constante entre a brevidade do tempo e a constância da vida, entre a delicadeza da pétala e a acidez do espinho, entre a dor da saudade e a comiseração de viver para alcançar o amanhã, entre a inocência da menina de oito anos e a juventude na sabedoria da mulher de sessenta, que encontramos encanto pelas bordas e ternura comprimida e pendurada na graça de um livro distribuindo poesia pelos olhos de quem lê nesse pequeno relicário, chamado “Varal” de Maria Vilani.

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