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segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Considerações sobre o amor

O amor foi obra posta,
dos dias que o coração sente,
das noites que as horas enganam.
O amor foi altaneiro,
foi quedar o pranto
que a dor engessou no peito.
Uma árvore deixa a sombra
saciar a sede – água que vai –
e a tarde enroscada
nas histórias escritas de pedra...
Cais de sonho, cai e rompe e mim
folhas livres que se atinaram
contra o solo, que, cúmplice, acolhe.
O amor foi subir escadas,
roubar o fruto ainda verde,
esconder a timidez em um abraço,
e deixar um afago dizer que foi saudade,
quando naquele canto
estava apenas um vazio sem nome...
O amor foi sumir desesperadamente
para não ter que prestar contas
tão caras com o sentimento,
que depois cobrou,
que ainda cobra.
O amor foi pescar no recôndito
do sentir um lugar que
pertence apenas a quem
se importou em manter
preenchido...
O amor não foi, o amor ainda é.
Pois o amor é aquela vontade
de mar, aquela que ainda vai
ser inundada com risos,
com abraços, com olhares,
com a única sensação que
faz o amor ser leve e duradouro
como o vento: a liberdade.

sábado, 26 de dezembro de 2009

corre o tempo

...corre o tempo como um vento,
em todo lugar há um mar,
seja de água e espaço,
no mesmo instante eu vejo futuro,
vejo bruto e irreal o passado,

vejo molhado de sal
o gelo voraz desse presente.
corre o tempo, corre agora
como sem limite como um raio
teimoso de sol a invadir minha janela
pela fresta do viver...

agora corre o tempo,
corre lento e célere, corre como
martelo, sino do fim, pino pregado
no solo, tábua angustiada
dessa labuta de vida...

agora, Lílian, corre em mim
a palavra e o verbo, corre,
mas não vai, mas não fica,
corre absurdamente para
dentro de mim, corre como
tálamos nesse bálsamo de sentir...

agora o tempo é um livro aberto
de páginas em branco,
é um infinito que não cabe
na palma da minha mão,
mas cabe dentro do meu
pensamento...

e a palavra está nua,
a poesia está vestida
de segundos,
está vestida
de poeira
e pó...

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

poema branco

Na letra afiada
que o verbo proclama
tão tenra e doce

soa a idade da voz
que é baque.

E um corte verte
idílios garganta
afora:

revela a eternidade
do tempo
que consome,

um sopro na noite,
um grito no infinito

e a palavra
é a folha sem dor
que se desprendeu
do caule.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O que será que me dá?

O que será que me dá
nesse breu de ilusão
como ateu possesso
das minha verdades?
O que será que me dá,
oh sereia do meu mar,
quando o canto teu
vem me salvar?
O que será que me dá
pela noite atoa enluarada
sentir febre de amor,
sentir vontade de amar?
O que será que me dá,
que te deu assim me encantar,
que me fez tão certo divagar
pelos cantos dessa minha ilusão.
O que será que me dá
quando bebo teus versos,
quando encontro-me disperso
como folhas farfalhando ao vento
a minha distração.
O que será que me dá,
não sei, quero apenas ficar
embevecido aqui, pairando como
pluma no ar.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Canção do Brasil

...o meu mar nada contém,
nada além de essencial,
mistura homogêna de água e sal,
um vintém maroto de menino
para inundar nosso astral.
"Minha terra tem palmeiras", já
dizia Gonçalves, onde as meninas
rodopiam matreiras
beliscando sonhos em arvoredos
"Para lá desse quintal"
na voz veludo de Chico Buarque.
Minha terra tem sabiá, papá, naná,
sinhá, cá, bah! E José Paulo Paes
tem paciência e facilita a vida da gente.
Minha terra tem poetas vários,
tem mulher bonita, tem gente acolhida,
tem café torrado, e um pingado na padaria.
Minha terra tem sertão,
tem catapora e amarelão,
"minha terra é cheia de árvores
e gente indo embora", talvez lá fora,
a saudade me convide a beijar meu mar,
a nadar minha terra com poeira e cimento,
com arreio e jumento,
para me fazer lembrar que sou Brasil,
sou tão anil como meu céu, meu mar.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Essa Maria...

Essa ave pequenina que alça vôo,
Que emerge de tantos sorrisos-Maria,
Que faz da água fria um sabor de acordar,
Essa ave pequenina-Maria-poesia
Que se desmantela em nós a cada dia
É um ninho em gravetos bem forrados
De esperança e de magia
Que acalenta e contagia
E plaina o ar das nossas dores
Pondo-se além das nuvens
E montanhas para nos mostrar
Que podemos sim voar
Pelas asas da imaginação
Pelas asas dessa ave-Maria-poesia
Ressurgindo de nós mesmos.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Idiossincrasias (alguma parte)

Sofres, como eu, de um reumatismo cirúrgico causado por uma platina fria que vai corroendo o nervo pela gelidez em açoitamento à carne que teima em se manter morna.
Sofres das dores inversas ao paralelismo, mas duais, antagônicas
entre uma condição idiossincrásica, indissociável que nos acomete nesses tempos modernos. Assim, tornamo-nos eterno humem-mulher-besouro Kafkaniano metamorfoseando a vida para além fronteira das dores observadas em Sartre. Chegamos a um estágio onde o caminho percorrido não oferece a alternativa da volta. Não podemos mais retroceder nem seguir adiante. Um dilema paradoxal isso. Mas é a verdade. Talvez Rimbaud condenasse Verlaine pelo amor que sua liberdade despertasse em si. Talvez o século da luz obscurecesse, como reflexo dos devaneios, do êxtase, da virtude pairada naqueles nobres, e fizesse pouso nesses lobisomens pós-modernos como nós. Mas não podemos retroceder, como assegurei antes, sem nenhum mérito dessa afirmação, mas propositadamente, com o mérito de sentir dilacerando minha carne, como frieira que acomete os dedos dos pés. Mas suspeito de uma causa: toda a glória alcançada com a ciência, todas as descobertas, simplesmente não nos fez melhores. Simplesmente deparamo-nos diante da nossa condição instintiva, animalesca, perda de humanidade. Pessimismo de Schopenhauer pousando em mim? Não creio, pois não sou nem pessimista nem otimista. Sou apenas projeto de poeta. Sigamos, então, assim: poetizando a vida sem limites inspirando sempre por quaisquer motivos e coisas.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

verso particular

quem sabe o grau particular
das coisas não ditas,
quem sabe a ferida branca
da palavra mais muda,
quem sabe a brandeza
da tempestade
mais avassaladora...
agora sou seta e vento,
verso particular
de um instante
que deixou de acontecer...

domingo, 13 de dezembro de 2009

Caleidoscópio

Houve um desejo, e o desejo se fez presente. Houve a fome e a languidez das horas que eu deixei ir embora, tão vazias, tão cinzas, tão nuas. Agora, meu desejo é me vestir de palavras, me vestir de sílabas e versos, desses que o abandono da solicitude e do esmero vaidoso dos súditos mais eficazes e abatidos pela aceitação, meus modelos de criação, mas que eu também abandono, pois não sou o sono esperado dos mortos, nem o cansaço escolhido dos relutantes e rutilantes escravos da forma. Abandonei toda forma, abandonei toda premissa, todo caso mau fado, abandonei o objeto principal do meu valor e me dei conta do quão isolado sou do mundo, das coisas, vestuta arte que ignora a própria sina. Ora, trarei meus objetos, trarei minha história, trarei minha trajetória para mais perto do meu fim, sim, pois meu fim inicia-se quando me aproximo do meu começo iminente. Essa criação é a palavra se desenhando a cada instante, que chega tímida e calada e explode em artifícios de dizer... Ah, mas que esse caminho era mais perigoso, porém preciso. Isso digo, contra a noção que tenho do tempo, pois que sou alheio a todo momento, às querelas que eu quis, às vicissitudes que desejei, e rubro, fui, e rubro voltei, agora para mais perto de mim, onde estive a mercê de não cultivar nesgas sequer, apenas folhas miúdas, ralas em espécie, delgadas em importância... Ah, digo sim, digo que a intempestividade da minha carne sempre esteve sujeita à minha condição de ser... Eu sou alheio, sou esse verso sem ritmo que vai dar sempre em algo espantoso, por não ter significação alguma. Eu sou, nessa linguagem psicológica do ser, disperso e relapso, eu sou fugaz, como uma raposa que foca apenas na possibilidade de roubar o galinheiro. Pois sim, a poesia é meu galinheiro, o verso meu poleiro, a palavra minha saliva que procura o sabor de apenas dizer, sem se ater às relevâncias e significados que poderiam ter...

Candelabros

Deitar fora o tempo no pavilhão
das coisas, no formidável calabouço
das idéias reter a ruína mais obsoleta
e espalhar a colheita dos dias
num vento frio e frágil, que agora
pede passagem para hibernar
nas sombras do amanhã.
Que fez os homens com a chama
e o pavio da liberdade, que iluminava
seus crisântemos, tão amarelos,
suas cristas de castelos,
seus sonhos, seus abomináveis instantes?
Pulsa iminente a rosa púrpura
do amor que as grades já não prendem,
pulsa como grito e dor, pulsa
como sal, tempestade de vácuo
que pousa sobre todos os sentires,
sobre a lágrima mais tênue,
sobre o sorriso mas avexado,
e uma ponte extremando os laços,
e uma cicatriz picando as artérias
do coração das ruas, cidade sem ar,
sem artefato, alamedas nuas,
candelabros e o escuro da noite
fazendo verso com a solidão...
Forjar assim, sem escudo e aço,
a eterna prisão sem máscara,
o aconchego esfarrapado que
comprou um dia o que não tinha lustre,
pois um farol morto é apenas um farol:
eu caminhando absorto pelo netuno
do horizonte sem chão...

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

auto retrato

de tudo serei ausente,
mas dentro do meu coração,
atento como quem sente...
sem o fim que me toma,
sou o caos de mim...
eterno jeito de me fazer
concreto, céu imperfeito
de me desfazer em ruína,
sina do destino
que ainda hei de ser...

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Vermelho

Soube a força imensa que me invade,
olhar as paredes e desejar
um freio para não chegar mais rápido,
pois não estará ali nenhuma estátua
que procuro, apenas muro, que prende.
Fui mais veloz que um alado
e prendi em mim as pegadas,
tecido vermelho, cetim, teu vestido espelho
guardando as lembranças
que ainda não desenhei de rasgar um riso...
Essa ponte guarda um rio profundo,
em cada ponto extremo,
a derradeira promessa e uma árvore madura
tentando achar vida numa ainda semente...
Quem quer que ainda sente,
vence o medo e vira pluma e vento,
mas meu segredo é mesmo não
saber voar... voar...

sábado, 5 de dezembro de 2009

Telhado

Onde estão tuas grades,
tua noite de sede insone?
O teu olhar de fogo crispou cedo
e roeu as armadilhas das manhãs
e guardou nos telhados o gorjeio
pardo das cicatrizes noturnas,
onde, turva e amiúde,
repousou teus suores frios,
esta sentença, esta sentença...
Jogas o anzol – pescas agora –
a cinza e o vento, pescas lá fora,
o breu e o lamento
de um dia sem sol e cimento,
aço e esqueleto, aço e tímpano,
voz gritante, teus braços abertos
colhendo o ar, colhendo as nuvens,
colhendo a garoa morna de sonhos...
Salve a dança, o tiroteio das almas perdidas,
salve a fome e o desperdício,
o fim, o fim, salve o início...
De castelo em castelo edificamos
as ruínas nossas de cada dia,
agora é apagar a fogueira,
cessar o calor das multidões
e esperar o vazio tomar
o rumo certo dessa fuga dos homens,
dessa bolha cega que reflete,
apenas reflete o tudo e o nada...
...ontem eu era criança,
agora, nuvem dissipada...

domingo, 29 de novembro de 2009

Muro

Com a cara cheia de espanto
desceu o muro do mundo
e foi plantar bananeira remando as marés
e seus abissais.
Tinha fruto e tinha pedra,
tinha lona e tinha palco,
tinha o espaço de um asfalto,
tinha a perca de uma espera.
E nessa esfera de vazio
foi parco o estio que se desenhou,
nenhum olho derramou aurora,
nenhuma boca se encheu de adeus,
pois ficou o que tinha ido embora,
e foi-se ausente o desmantelado
martelo de um presente,
que agora eram folhas findas
no rascunho incorrigível da memória.
Com a cara despida de pranto,
a agulha era viés
de costurar retalhos de instantes
que o insone da noite
desenhou de solidão.

sábado, 28 de novembro de 2009

Entre terços e medalhas

O dia estava lindo demais para morrer,
mas eu estava com pressa demais para ficar
então fui embora imerso nesse parágrafo torto
absorvendo as ruínas do dia numa bagagem
sem lenço, sem terço, sem medalhas...
Ali, vigora, embaixo do telhado marrom,
um desperdício de tempo
e os lábios espalhando palavras pelo vento
numa quase pressa de não ficar,
numa quase demora de permanecer.
O mesmo vestido florido desnudando
de vez em quando a imaginação matreira.
“Para quê tanta perna meu deus?”
Como face de quem está triste e não chora
como vontade de quem está fora e não entra
é tão certo que preciso do alheio,
que das coisas todas, desses escombros
descarregados em mim,
resta apenas um fim...

domingo, 22 de novembro de 2009

Esmerando

Trouxe dos trôpegos
uma bagagem de viagem.
Trouxe cansado, ato inefável
que o dia calcou com o que foi derramado...
Foram todas as portas abertas,
as velas acesas, o corpo morno
trazendo lembrança guardada num abraço
que o tempo vil deixou distante.
Foi um vento brando, um casulo fechado,
homenagens configuradas
num aperto de mão...
Estava um dia de sol,
estava fugidio o desdém pelo estranho,
tão medonho é esse álbum
de figurinhas tão cinzas, tão transparentes,
e um tapete dormente
deitando a fé mais recíproca
das convenções humanas...
Ali deitado é um cimento frio,
é uma parede molhada, musgo e lixo,
é uma mala envelhecida de tanto carregar...
Ali sentado é um chão de apoio,
é o joio esmerando um pouco de paz...

domingo, 15 de novembro de 2009

Poema revelado

Quem quase chorou
foi lágrima congelada,
um guardar do que poderia ser dito
sem palavras.
Quem quase sorriu
foi uma janela semi aberta
que o dia lá fora deixou de entrar,
e revelar o que era vasto
para além do horizonte...
Quem quase amou,
não foi seta nem vento,
foi apenas um lamento
que o alvo cego da razão
não conseguiu se preencher de mira...
Quem quase ficou
perdeu a hora do aplauso
que o instante tão sem precisão
calcou com a marca do que foi importante.
Quem quase sustentou o olhar
perdeu o segundo mais infinito
de tantas coisas vistas,
tantas palavras ditas,
tanto sentimento revelado,
tanto abraço não dado,
tanto beijo molhado
que o impulso da certeza
desenhou no coração...

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Bandeiras

Talvez a noite mansa
deite o corpo à luz da manhã.
Como quem pede e não é lembrado,
espichou as pernas curtas
pelo fecundo do chão,
e dissipar a sombra triste
para um alumiar de estrelas
com um cobertor de céu.
Cobrir o que era léu
e fazer serão com esse ar de velas:
era quem não tinha abrigo,
vestiu da madrugado, o véu.
Era quem guardava perigo
desses olhos estreitos,
fosse o tempo sem limite
dos teus brinquedos de fuga,
que agora guarda bronca
de parecer ter medo da escuridão.
Tem bandeiras no horizonte
hasteando tanto do que ficou,
tem risos de infantes,
que nenhum lençol já embrulhou...

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Capinzais

A terra densa e seca
lá fora plantando aridez aos olhos úmidos.
Ao meio dia, nem sombra, nem urubus,
apenas lá longe a vista alcança
uma poeira fazendo lambança
e uma boca buscando sede
pelas capoeiras e capinzais, feno estéril.
É que a cumbuca já esvaziou a cacimba
E, lá embaixo, um balde solitário pedindo
o abrigo das manhãs, água fazendo promessa
de voltar pelos lábios silenciosos
da carne agreste, sem jeito,
as pernas finas carregando a pequena criação,
que esmera agora, num canto novo,
uns versos de molhar o coração.
Crispa a pele, tece a voz de anunciação,
hoje, não foi Maria,
nem foi a noite fria que guardou o que era sorte,
foi uma peleja de morte
que arrebatou essa novena,
de quem calava e não pedia pena,
de quem vencia e não era forte,
pois o que era oração, virou pedra,
o que era fé, virou vento,
e o que era lamento já é corpo tombado
no espelho bruto desse cimento.

domingo, 8 de novembro de 2009

A tarde dos elefantes

Estava repleta,
um rosto escaldante
afogou a tarde quente,
olhos de elefante
guardando a memória
dessa gente
enquanto caia
aos seus pés desnudos
a invocação da liberdade
mais flagelada.
Ela estava distante
como um relâmpago
e os bêbados
guardavam
da sua compostura
uma ética descortinada,
sem vício, sem o indício
da virtude em ruptura...
Apenas amainava
suas horas
pescando qualquer abandono
em que a única companhia
era aquela calçada
vazia onde morava
a solidão...

sábado, 7 de novembro de 2009

Fantástico...

eu não sei porque é
que calo esse desespêro
com o qual coloco
trôpego e cambaleante
esse meu bêbado errante
de vestir cálices na noite...
não sei porque açoite
se me faço obstáculo
de sentir cócegas
nesas estrias de rir
um copo cheio
transbordando afeto
e um aperto de mãos
que acabei de receber...
eu sei apenas, cúmplice,
de estar meus lábios
dormentes, minha cama quente
pedindo o abrigo morno
do meu corpo frio...

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Passeio

Tenho em mim toda palavra muda
nos canteiros abstratos da minha vida.
Da esquina absurda do meu descanso
ouço no sótão de me ser sereno
uma canção que fala de pedras...
Foram todas as imagens para
aquela rebeldia dos versos marginais
que sempre escrevi sem saber:
How does it feel? How does it feel?
Eram para bem longe de um tempo
tão estranho, onde o sonho era
apenas caminhar sem a nostalgia
do ontem, sem a proeminência do agora,
sem o equilíbrio da espera de amanhã...
Minhas vestes são sujas desse instante
amarrotado de escombro e caos...
Foram abertas todas as rugas
e a minha pele treme uma bossa
quase nova num rebuliço de som
que acorda nesses acordes justapostos
e esse léxico me perseguindo
como um vômito ruminado
por uma vontade de sempre ir embora
para uma estrada longínqua:
e um rebanho de versos espalhados
pelas relvas afora desse inusitado
passeio humano.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A condolência dos brutos

Tenra essa novidade,
e terá o concreto mais crespo
condolência dos miseráveis
diante de seus farrapos – esses embriões
da eternidade?
Mas não era como antes,
pois a lança transpassa o coração mortal
para além das ribanceiras
nesse abismo incamuflável de vida
e a sede dos bravos, aquela feita de gelo,
tão somente derrete a fúria dos vencidos
com uma lâmina ornando
a tez de espanto e que jaz
como lembrança de um sangue
que fana, doce face sem medo,
doce alma sem fé,
espasmado sentimento
de se fazer cru como uma borracha
vertendo sua lágrima nua e branca
e depois virar cinza, e depois virar pó...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Ode à invenção de ser

O insurgente vazio da espera
é tão vago quanto uma esfera inacabada
que ressuscita no calabouço
do imperfeito alguma forma
de ser apenas abstrata.
É tão cega a certeza,
que qualquer mudança que toma o vento,
tira-nos da convicção de absoluto.
O que faz sentido nessa inconstância toda
é esse culto que temos pelo absurdo...
Absurdo de sermos nada...

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Tomates vermelhos

Aqui, pescando alguma coisa na internet,
entre canivetes e sonhos,
diáspora da razão,
calcando o instante com bytes necessários...
Termina o limite de tudo, finda – pois era
um dia de sol, choveu tempestades
e bateu na minha janela uma letra marrom,
um sino sem tom, forte e branco
como qualquer flanco sem sabor.
La fora era tudo verdade,
aqui dentro, alguma saudade sem tato,
algum fato imprimido e um estilete
encostado na garganta pedindo sede...
Na rede, era fausto e fauno – tomates vermelhos
e um espelho invisível retratando
o mesmo ponteiro do relógio
que girava nas salas várias do mundo...

domingo, 1 de novembro de 2009

Pirâmide de faces acesas

Ainda sou essas sobras de poeira
assentadas no chão,
o vento irrompendo contra
as pernas quase nuas
da mulher descendo a ladeira
e um vestido estampado
resvalando a pele,
revelando uma beleza dançante
ao quebrar dos quadris...
Ainda sou essas arestas de tempo
espalhadas pelas horas vadias,
um cálice postado à mesa,
dois olhares sustentados
pelos cotovelos numa pirâmide
de faces acesas pela luz da paixão...

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

novembro

tampouco vestido de palavras,
veio a mudez calar meus versos.
tampouco o ensaio perdido
que rabiscou cócegas em me coração
foi apenas tudo que deixei falar...
horas tolas que o tempo
não molda, que o momento assola
pirâmide de enleio, hoje cedo,
masturbando minha sonolência
com bocejo e preguiça.
agora é arregaçar as mangas,
curtir a estação chorosa
em gotas de orvalho e desejar
novembro abrir em flores
nesse meu sorriso...

terça-feira, 27 de outubro de 2009

cacos de telha

deixei para mais tarde
meus cacos de telha,
o bilhete amassado
que eu não terminei,
aqueles desalinhos
que eram peleja
de revelar
qualquer parte minha
desse enleio
de amor... deixei...
...qualquer parte
esquecida ao cais
do instante,
pois mais do que antes
é ingrato o meu sono
que me consente
dormir ao revés de sonhar...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Oco

Desembrulhou com cuidado
a saudade que eu guardei,
foi um encontro descuidado,
na acuidade que eu não sei.
Hoje despertou o mar na aurora
do teu encanto de verso,
pois confesso agora
o fim do meu olhar disperso,
esqueço essa rima de teima:
vou lançar no cais aberto
ao longe, o que em mim queima:
essa vontade de estar mais perto.
Sou trôpego e o vento varre
teus cabelos aos lençóis de areia
tamborilando canções que jazem
tardes distantes, horas que antes
eu não pude gritar, horas que antes
eram açude, oco cortante,
horas que antes eram vazio,
pois sou como frio que necessita calor,
sou como palavra que necessita calar.

domingo, 25 de outubro de 2009

Fome

Dos dias tristes
eu quero a fome absurda
e estrangulada de sorrir...
Eu quero a fome de inventar
paradoxos para tudo
que é absolutamente estranho,
pois minhas tripas contorcem
e abnegam do que eu não vomito,
pois cômico é todo o saber,
triste é toda a certeza,
essa correnteza insensata
defumando a vida
como um incenso que queima
e afasta toda insurreição,
toda rudeza para longe desse fim...
A minha mania mais evidente,
desculpem-me,
é a de enxergar nessa fome
a fé que eu não tenho...
Eu quero comer a fome
imensa do mundo
e me fartar de desespero...

Um blues

Essa tarde é um blues
repicando soul nesse suor cansado,
sol chorando saudade de ontem,
aquele mormaço enxugando
calado o soluço covarde
que deixei para trás...
Depois veio um riso em nuvem
para cobrir o que ficou de lado:
aquela vontade de esquecer
que eu não estive por aqui.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Evanescência

Da noite ausente,
trouxe comigo a bandeira do pó que eu não fui:
sestro imaginário de coibir minhas exatidões,
eu, torpe e fantasia, gauche sem nome,
infame que adestra o bater de asas
desse mundo anil.
Ganho canções – disse-me toda voz
continente ao que calo – venço,
pois, do infortúnio do saber, sei apenas o que minto
descaradamente, sou ébano e entorpecimento...
Diriam que sublimo do tanger do dia
o absoluto do absurdo, surto imperfeito de me ser.
Ora, não desejo o póstumo do riso,
nem o subterfúgio do abrigo que colho.
Permaneço atento às oscilações
de cada face que contemplo às chagas do vento.
Esse guizo incoerente latejando a têmpora
do meu viver, é cada detalhe que busco,
é cada entalhe fosco, brusco germinar das horas,
que semeio com esses olhos vorazes
a me espreitar a alma mais antiga,
a me fazer fuligem dessa pobre carne que fenece
ao tom mágico desse esvanecer como fumaça ao léu...

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Sem limite

Sobre a mesa,
um prato raso de espera,
qualquer palavra solta
para preencher a boca
com o que há de verbo...
Sobre a folha,
um rabisco se desenhou,
foi o instante que eu quis,
fugir desse dia gris
qualquer letra miúda
para soletrar essa graça
de fabricar poesia.
Sobre o céu,
foram reticências que
ficaram ao acaso
do poema que se
desmanchou ,
um rapto de sonho
que o meu tamanho
sem fronteira
não preencheu de ilusão.

domingo, 18 de outubro de 2009

Café da manhã

Sobre a mesa,
um prato raso de espera,
xícara quente de café com leite
e um vazio prestes a ser
preenchido por fatias de pão.
Aqui, comemora-se
o silêncio e a esperança morna
de caber ali,
naquele instante guardado,
teu riso leve de companhia...

sábado, 17 de outubro de 2009

Reticências...

Teço a noite calma dentro de mim,
um delírio consome essa febre de amar,
agora – todo ser capricho –
em lufadas e adorno,
que eu me risco como um espelho
prestes a ser quebrado,
dura semelhança de mim
camuflando meu riso triste
em pequenos cristais de fim...
Sou torpe, entorpecimento
de calar apenas o que não sinto,
pois, delgado e leve,
sou víscera desses meus tormentos
donde rasgo meu verbo
num tempo de sutil instante,
têmpora de agora morando
apenas o que termina em reticências...
Minha vida começa onde
termina meu dia. Parágrafo final
de estabelecer meu pranto de espera,
doce e terna madrugada,
meu samba das horas mais tortas,
tombo meu jardim ao baque profícuo
desse encanto que me convida
sempre para dançar...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

desvelo

ao querer,
espero... voltar para mim tudo
que foi em vão,
a poesia em retalhos no desvelo
da minha palavra rústica
atinando com o espaço e o tempo,
essa lambança de verbos,
essa hemorragia de versos.
cumpro primeiro em descalçar
meus pés, andar ao largo
do desespero, fazer tempero
de destroços, para alimentar
meu ócio de espera.
no confim desses vocábulos
é onde mora minha solicitude,
é onde mora minha solidão.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

À revelia

Trouxe,
dos campos abertos de batalha,
a dose certa de coragem
para vencer minha covardia,
esse desatinado medo de amar
onde fui, à revelia do meu desespero,
uma tempestade insurgente
de mansidão,
lago de calmaria da minha entrega
esperando esse tempo
assentar em mim com algum
resvalo desse amor inteiro.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Pelo sereno

Em minha ruína diária,
trago a força ambivalente
do meu sótão de tristezas,
asperezas essas que
indignificam meus restos,
meu entremeio de acolá.
Pela acuidade das horas,
verseja áspide e indolente,
o ritmo sem cálculo que já foi meu fim
e, agora, tão puro e – quando minto –
sinto tão somente um rol
espargido num fim absurdo...
Há um casulo de idéias
arando meu arauto
de confinamento,
pois minha alcova, ó cetro
que devora minha mão,
é armadura amarga
que consola-me em tenras
horas da minha madrugada
sem orvalho.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Porvir

Se agora preencho todo caos
que em mim há,
é porque não sei adivinhar
as órbitas inefáveis desse porvir,
pois todo dia eu morro
uma tarde de inverno,
todo dia eu nasço dessas pedras
que maculam meus pés.
Se agora sou zás pretérito
de um fim de ladeira,
é porque minha pressa
já não me faz mais ir adiante
do meu presente,
tão sôfrego, tão célere
de calar apenas aquilo que
não sei dizer, não por falta de palavras,
por falta do que sentir.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Dia após dia

Mais dia menos dia,
quando todas as coisas ficarem para trás,
quando toda a ferrugem carcomer
esses ossos de ofícios meus,
quando toda palavra findar de meus versos...
Mais dia menos dia,
quando todos os pequenos
brinquedos forem pisados
pela estrada tão longínqua,
quando todas as portas
de espelhos reluzentes
estiverem fechadas,
quando toda calçada não for
mais de ladrilhos ornando
meu passar, nem mais levar meus pés
para o abismo da solidão,
descobrirei, talvez,
que o amor era meu melhor caminho.
Descubro então, que me cubro
sempre de palavras
para revelar meu coração.

domingo, 4 de outubro de 2009

Desembarque

No labor das horas
vive e destroça o punho cego,
punho cerrado, apanhado e trôpego...
Vive e destroça toda rima e toda joça,
minha cadeira de palhoça,
moça desenhando riso
sobre um manto de silêncio,
meu pêndulo esquece agora
que à tona vem em mim,
roliços, esses eriçados pelos,
elos de uma estação medrosa...
Esqueço em mim um zelo
que se manifesta,
esqueço em mim uma canção,
esqueço em mim a madrugada fria
onde costurei meus sonhos
com tua ânsia de pressa.
Procuro calar a calma,
procuro falar a alma
dessa pele nua, desse dia cru...
Prefiro teu aperto quando
despertas em mim
lembranças dessa ternura
que ainda não tive.
Aqui se vive pedra quando
se permite inundar de nuvens.
Agora as palavras dançam em
mim quase uma estação de desembarque,
porque espero um abraço
que ainda está guardado
em teus braços.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Alfarrábio

Vestindo o meu traje sobejo
desço a ladeira vazia
da minha rua povoada de estranhos,
tão estranhos esses silêncios
que gritam em minha alma, solidão.
A minha voz é um esgarço
que abre trincheira em meu imo:
lanço mão do que me desprende
a alma nesse meu desvelo,
trago num verbo oblíquo
esse aço incorrigível de me ser.
Deixo para trás a volúpia
do pó que não fui...
Deixo para trás essa hemorragia
de palavras que traçam
minhas trilhas,
traçam meu viver.
O que ainda não tive, nem doce,
nem fel, espalho pelos cumes
do mundo, e do amor,
faço cortina para pendurar
na janela absoluta do meu coração.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Meu instante

Aborrece-me a alma quando não falo
minhas incongruências, quando não desperto
um grito mudo nesse surto absurdo
de meus escândalos guardados
em papel toalha e que jogo fora
como tralha que não quero.
Mas, aborrece-me mais ainda
a falta que eu sinto de palavras
que ainda não inventei,
daquelas que são pedras guardadas
no caminho.
Aborrece-me o amor como peça
fundamental desse quebra cabeça
e, célere como um raio, liga e desliga
meu coração que respira
respingos de sonhar...
Aborrece-me não deitar meu dorso
sobre o encanto que deixei
reservado como surpresa
para me fazer rir, assim,
de repente, quando eu falar
de meu instante...

domingo, 27 de setembro de 2009

Centelhas

Meu desejo é terminar o dia
fugindo das horas,
deixar cair sobre mim
as esquinas da vida
que foi onde pude observar
minhas centelhas de viver.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

sem equilíbrio

Salva agora, fugidia e tenaz,
a minha pressa de ir embora...
Quando quiser visitar as palavras
que foram boca e dente,
que foram língua e palato,
quando quiser visitar as palavras
que foram drágeas nesse seleiro
de pratos vazios, abobadados
diante do mistério,
que agora escapuliu veloz,
me deixe rascunhos do que não disse,
pois a viagem foi distante
e os versos ainda não escritos
tolheram-me risos
nesses gritos tão cortantes...
Foi um beco, uma noite tão amante,
um corpo nesse esguio de madrugada,
a minha sede derramada,
a calçada espreitando
e ela sorrindo um delírio
por esse pobre meliante.
Quando quiser visitar as palavras,
dessas sem história,
sem parágrafo e ponto final,
quando quiser visitar as palavras,
desnude de jornal, dessas tão insones
que me ferem, o pensamento insolente
detestando o que é veludo,
o que é véu, o que é léu...
O mim leigo, trôpego verseiro,
uma rima sem equilíbrio:
menestrel.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Viaduto

De tarde é chegar em casa,
um alívio de espera,
beber a sede que o dia secou
e escorraçar do corpo
a rua que ficou pesada
de tanto assunto,
de tão alheio que é o instante
misturado de ausências.
Depois, é comer um pouco
de silêncio ouvindo uma canção
destoando aquelas vozes
surdas que um viaduto
espalhou em meu coração.

sábado, 19 de setembro de 2009

A velha fôrma

Ser escravo desses vazios, a panela cheia,
a alma triste e tudo escapulindo
e o homem parado diante da parede...
O que posso dizer dessa sede esticada
como uma rede conectada por abismos?
O movimento balançando
uma vontade de preguiça para fugir
da morte anunciada...
E pensa consigo mesmo:
onde termina a base de sustentação
nesse alçapão armado por mim?
Por fim, se marcha os olhos para baixo,
as mãos esticadas, continentes,
datilografando uma mensagem
para fugir desses paralelos...
Por cima da mesa uma fatia de bolo
orna, toda pomposa, aquela velha forma
e, abaixo, os encanecidos aplausos
cumprimentando mais um ano
que acaba de ser deixado para trás...
Mas a prece é de que este seja igual,
mais igual que o primeiro
que há muito foi inventado.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Debalde

Banhou-me cedo tua sede morna
quando teus lábios me tocaram
pela leveza da tarde
espalhando em mim
teu riso fotografado repetindo em minha
memória esse alumbramento de amar.
Foi quando passou, e o vento cúmplice,
a velar teu caminhar pela areia,
que eu descobri que estou aqui,
pois toda vez é mania de agora
catar gravetos, juntar pecinhas
do nosso quintal e,
balançando no varal,
aquele espaço vazio
que tu ainda não preencheu:
fazer recorte no horizonte
e desenhar uma fonte de saudade.
Estou um grito de oceano,
estou pano dobrado
para me despir de desengano.

domingo, 13 de setembro de 2009

Marouço

Já criou uma banda de rock
o mensageiro repleto de herói,
desses que nem o tempo destrói,
desses que nem a ferrugem corrói
com seu turbante de elefante voraz.
Já crio um cenário novo,
esse guerreiro veloz,
cena de papel crepom
marcando o tempo com uma
sede de agora.
Essa sua mania de menestrel
foi um carrossel
de imagens que trás de outrora
seu instante viagem para
um léu sem respostas.
Já escreveu uma canção nova
nesse horizonte de céu,
foi um escarcéu do amor
que a própria sorte provou
com um sabor de coragem.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Arcabouço

Eu tive um lapso de tempo
e ali estava guardado tudo que era só meu:
eu amei tudo que tinha amado,
eu sorri tudo que era risonho,
fui um berço estranho
e fuga de não querer
onde passei meus instantes
colhendo encantamento.
Agora o momento me pertence,
pois eu quero amar o que é distante,
meu corpo cambaleante
é um cálice derramado de mim,
sou vento forasteiro
nessa terra tamanha
de caçar ilusões pelo labirinto do sentir.
Tuas mãos estavam sobre meus ombros
e o segredo que eu senti
está guardado em teu coração,
pois meu olhar não desvia
nem te perde de vista
pelo arcabouço do salão.

Fronteira

Porque eu saio soçobrando sussurro,
e a cadeira é trégua,
uma minerva delicada derramando meu olhar
para além do seu passeio,
garbo minha boca, saliva-me cedo,
pois de manhã, eu busco no indefinido
desse contorno, um toque suave
de seus delírios.
Meu olhar atravessado
busca cortar paralelos
desses castelos desmoronados.
Meu olhar inquietante busca agora
a fronteira aberta do seu encanto,
busca o que está cego
e guardado num canto de segredo.

domingo, 6 de setembro de 2009

Manhã de setembro

Das pressas que eu tenho,
é deixar o sol baixar,
fazer desses confetes
uma ciranda de tarde.
Colher desse esmo
um banco e praça
para compor minha paisagem,
para ornar esse fado
de cotidiano.
Das pressas que eu tenho,
é talhar algodão
com meus sonhos de nuvem,
soprar o meu distante
para um instante
que me pertence,
para ser folha que cai
nessa manhã de setembro.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Tempo estranho

Eu aprendi o tempo estreito
do meu dia, quando me sorvi de abandono.
Achei defeito nessa nomenclatura imprecisa
de falar de amor, pois eu me ardo
e não sei dizer o que eu sinto.
Essas faces distantes distam rumos
e eu prumo – bêbado cambaleante –
consumo teimosia.
Eu aprendi o tempo estranho
do meu dia, quando me abstive de engano.
Agora rasgo meus fracassos
e espalho-os ao vento
para me fazer lento nessa colcha preterida
que me fere.
Eu prefiro a esfera elusiva
que me transfere para uma órbita
que alude à minha inquietude de me ser.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

De telha e giz

Hoje, desejei fazer um poema
com uma pincelada minha, apenas minha.
Mas a tinta estava fresca,
o guache estava seco,
o giz estava opaco, ainda que
desenhasse solidão.
Hoje, desejei compilar meus riscos,
pois, nesse rascunho ilegível,
escrevi minhas histórias,
adaptei minha timidez
para uma fantasia de quase dizer.
Hoje, por mais que eu tentasse,
nada veio, nem o verso sem meandros,
nem a estrofe em rima branca,
nem a palavra tão vazia.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Traços e papéis

É uma coisa que não tem fim,
a pétala que abre branda,
a bruma que o vôo levanta,
um sorriso bem perto de mim.
E, de tudo o que não finda,
há o sublime em fita vermelha,
singelo como um caco de telha
com um rodopio de bailarina.
É uma coisa assim tamanha
essa dança de menestréis,
vou traçar a minha manhã
enroscando-me em seus papéis.

domingo, 30 de agosto de 2009

Fim de semana

Para quê deixar a porta aberta?
A porta aperta, sentinela do caos, vítima indiscreta,
os valores tais quais
deixei espalhados pelo chão... Nítido chão.
E quando desembrulhou aquela película que me fechava,
eu era um tule, rótulo de entulho fechado, baixo e inóspito
com aquelas dobradiças enferrujadas. Eu era leve...
Agora, rojão prestes a falhar, uma tábua dissecada
até a última gota, seiva que fana, finda sobre
meus galhos estatelados,
rijos, úmido chão.
Está gravada aqui, nesse filme em preto em branco,
rodando como uma fotografia estática na parede,
essa sede que não passa, aquele sorriso amarelo,
essa vontade de esquecer... esquecer... esquecer.
Quê que é isso? Essa preguiça quase profana?
É mais um fim de semana que acaba de acabar.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

para perder o descontrole

Quero perder o descontrole, cerrar os dentes, mastigar a palavra como quem mastiga um silêncio abrupto. Amanhã eu estava um surto de mesquinharias com a minha cara virada pro alto... Era algo assustador quando ontem eu estarei feliz com minha volta daquele passeio: lá eu fiquei parado, era um sarro, corri, corri, corri... Ah, estava longe de ir, pois a cadela de bolinhas tinha uma pinta bem quadrada na íris esquerda do seu lado direito do focinho. Bicho tranqüilo, ainda mais que a Bernadete, aquele moleque caçula filha do senhor Berenice tinha a mania de caminhar de ponta cabeça, com as mãos espalmadas no chão, plantando bananeira. Mas, assim... É que o dia hoje, pela manhazinha, vai nascer bem quando o sol se por, com janela, essa sim, sempre escancarada com suas vidraças mostrando a paisagem do lado de dentro. Será uma casa bonita, com barriga de lampião acesa o dia inteiro, e o cadarço do sapato amarrando os dedos dos pés, para não deixar fugir a normalidade do caminhar. Depois, é catar esponjas e inflar aquela saudade daquele dia, sabe, depois de amanhã, quando eu belisquei, bem de leve, seus lábios de vento...

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

à tona

das coisas que aprendi
foi que o acaso me fez caso,
desse vaso descoberto,
uma chama acesa
nessa livre abertura
minha que me estremece.
agora é formidável
desembainhar o aço,
torpe disfarce de condolências,
que a noite é cágado cercado,
que o dia é látego escorraçado
de lembranças ruídas,
que a verossimilhança
é uma dança incólume de devaneios,
e esse recreio de verbos
corre as tardes num ocre esmaecido.
tudo turva o tubo do tempo
e um incenso de âmbar
trás à tona
essa lona miserável de viver.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Poeminha multifacetado

Cega e obsoleta
é a tez escura
da ignorância,
como uma letra
redundante
de preguiça
que finda
em meu cansaço...
E esses versos
marginais
que aqui calam,
repetem
não o poema,
mas o poeta
em suas
multifaces
de poesia.

domingo, 23 de agosto de 2009

Indulta

Cedo-me agora,
embora cedo,
sou flecha,
torpe de mim veloz
entorpecente e atroz
como um beijo
que me foi negado.
Nesse veneno
navego,
eu pequeno,
lábio de um fim forjado,
onde me inundo,
tua boca indulta,
me incita
na doce preguiça
de teu caminhar,
minha fúria adulta
escapando ávida
nessa lascívia
de teu olhar.

sábado, 22 de agosto de 2009

Tímido retalho de chão

Um bobo de galocha
a boca seca,
a perna posta
perdendo uma aposta
de soneca...

Ela dormindo as horas
como uma boneca
porque amanhã
irá embora
seu riso infantil.

- Ei, tem um envelope!
E aquelas coisas de ontem
ficaram guardadas
como um galope
que ficou marcado no asfalto.

Pois tem mais canção,
tem o som uivante
de um mero cão
lambendo
a preguiça dos passantes.

E era lambança
tudo aquilo quebrado,
um sábado morno
como uma pétala
sonolenta de inverno.

Mas ainda tem
o fim das contas
a prestar lembranças
com o futuro.

Um dia duro,
átrio e impuro
como um furo
impenetrável.

E eu aquecendo
meus verbos
como um esqueleto
coberto de palavras,

pois aquelas botas
eram novas,
e o pano que enfeitou

suas roupas pequenas
era um tímido
retalho de chão.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

De que tamanho é meu sentir?

De que tamanho é o meu desespero nesse áspero eu, talhado em pedaços, áspero tempero, tragado dos meus passos, eu mascavo, doce e fel, liquidez dissolvida em meus cubos sólidos?

De que tamanho sou com você, um sonho somado, sou sem você, um tecido rasgado, sou sem você, um riso quebrado, sou com você, um lago inundado de imensidão?

De que tamanho sou, meu bem, nesse longe de nós, aqui, tempestade invasiva, eu a sós, esses nós em mim, em você, como ápice de um elo impregnante de verbo, de ser verbo, reverberando a razão de nos sermos?

De que tamanho sou uma manhã tão cedo, a respirar esses orvalhos seus de madrugada, esses lençóis guardados de sua ausência, aqui, meu tímido rio correndo a face, eu mero acaso de estar pedaço, um solto sem voz, estar envolto de seu abraço?

De que tamanho sou palhaço para me rir um aço de estar aqui, de estar você em minha presença, de ser essa anuência de validar meu riso nesse porvir?

Da imensidão de amar

Não se reconhece nela
a solidão que o tempo trás,
içar as âncoras
dessa languidez de amar...
Não se reconhece nela
o que soçobra cálida
a boca em avidez,
fugir ao súbito de amar...
Não se reconhece nela
a ninfa iminente de seu desejo,
nem traquejo sorte,
derramamento de amar...
Se reconhece nela a fúria,
alumbramento que espalha
meu corpo líquido
em sua solidez de amar.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Neons

Estava mesmo precisando som
para bailar meus pés
no prateado da noite...
Foi uma confusão tamanha
quando, imerso em introspecção,
quebrei as lâmpadas neons
do meu silêncio, e, destilando
meu veneno numa xícara de café,
degustei esse agridoce
em meus lábios secos – fui um delgado
de explosão por minuto,
fui um insulto a proeminência
e, meus áureos me banharam,
meus olhos sorriram
aquele compasso num estribilho de nós:
eu estava aba, você contorno
no entorno da nossa lambança
de nos tropeçarmos
nesse auto-relevo
desse nosso elo veloz.

tijolo

guardou a bola
numa sacola de risos
que as tuas pernas curtas
conseguiu espalhar
num campo aberto de sonhos
abriu agora
um livro coberto de encantos
que os teus dedos miúdos
conseguiu folhear
num universo perfeito
pois teus medos desfeitos
são folhas em branco
prontas para receber
um pouco de coragem...
pois teu mundo invisível
é um dente de leite
é um querer em tijolo
nesse alicerce de abraço

tablado

dessas paredes sem reboco
colho um pouco de tropeço
que essa tua delicadeza aumenta
com o que esqueço de mim caído ao chão.
quero teu lábio cortante
picando de poesia minha pele crua
onde renuncio ao verde enrugado
da pétala em aspereza
para criar uma minúcia do meu riso.
quero um cio extravagante
dessa minha inspiração de tecer
para apetecer minhas inquietações
em asfalto quebrado de lâmina cega.
quero essa forma ameaçada de tempo
e cultivar meus inventos
de ser rascunho de te sentir
nessa iminente história de poesia
banhada com chuva de passos soltos
nesse tablado de inverno morno.

da flor que eu senti

será que ela vem
pernas de pano, braços de vento,
coração de flor?
hoje, minha pele esteve por um triz,
quis me debandar para outras calçadas,
dessas que recebem tapete de vento,
dessas em que o pensamento
é uma lufada de mar
onde o sal é um sol sorrindo poesia...
ah, será que ela vem
sem meandros, com teus toques sutis?
aqui minha pele é verniz
lustrado por intensidade de tuas mãos...
se eu fosse verso de teu luar,
eu estaria nuvem branca dispersa
em teus risos como um verso
de teu amor transbordado,
de teu sorrir calado.

sábado, 15 de agosto de 2009

Dessas texturas

Porque na vida não me canso
de me apresentar ao que é concreto...
Isso porque sou discreto e acho
um mundo abstrato
esse absurdo de maus tratos
com esses silêncios meus,
com esses sentires de selva.
Porque eu não me canso
de lembrar do meu reino
onde achei ser abrigo aquele riso
escandaloso disfarçado
de fotografia que ficou guardada em mim.
Porque achei saudade
guardada num abraço
de outros braços,
porque eu fui um rascunho
dessas texturas
que não te tocam mais...
É porque escondo
meus segredos nessa minha timidez...
É porque tive um sonho
e acordei chorando:
vi plantada nos meus medos
a tua ausência.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Calçadas...

Dessas indulgências,
faço cômodo fechado
para guardar tropeços,
guardar os endereços errados
que passaram distantes
de um número qualquer.
Dessas ausências,
faço janelas abertas
para fugir indiferenças,
para rasgar minhas mesmices
de temperar suas faltas de temperança.
Meu destino é porta aberta
de dias longos nessas
obras inacabadas de mim
que deixam poeiras espalhadas
por essas calçadas
tão pisadas por seus pés.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Um Cálice de vinho tinto de liberdade

“Como beber dessa bebida amarga” – Cálice!
Cale-se a voz acintosa do covarde
que, sem face e sem nome,
num prelúdio de outros tempos,
revela-se agora vil e estúpida.
“Tragar a dor engolir a labuta” – Cálice!
Cale-se a voz “invisível” e implícita
da opressão, que desce o látego
em nossas costas, para fazer-nos mudo
nesse mero mundo de ambições...
“Mesmo calada a boca resta o peito” – Cálice!
Cale-se tu, migalha insignificante desse teu AI5
insensato de ideais mortos, pois tu
não sabes a cor do sangue que já foi
derramado em todos os textos, em todas as letras,
em toda palavra que um dia, tentastes calar.
“É difícil acordar calado, mas na calada da noite
Eu permaneço atento, para a qualquer momento
ver emergir em todas as pessoas” um cálice novo
de novos alentos, de vinho tinto de luta,
nessa nossa escuta imaculada de um novo tempo
que faz se ouvir e falar na voz de uma arte nova,
nessa nova aurora de gritar.
Cálice! – sim, cale-se tu!!!!

Vagão do infinito

nesses trilhos da vida
embarco ao meio
pelo vagão do infinito
em viagem com
passagem só de ida
pela procura dos sorrisos
que ainda não senti
nesse canto calado de mim

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Milena

Pelas bordas desses rochedos firmes
ornam nesse entremeio
vasto campo de lírios,
que trás, pelo sublime do tempo,
uma pincelada de perfume,
de beleza, ternura e amizade,
que as horas não deixaram para trás.
Agora, é pétala sutil que enrijece a alma,
é um riso intenso que já foi desenhado
pelo abrandar de tantas lutas,
é uma certeza repleta
nesse esmero de te ser
apenas flor, apenas orvalho morno
que cai com a promessa
de novo amanhecer.

Doce abundância

Nessa doce abundância,
redunda em mim
uma teimosia de alado:
que todas essas folhas
transparentes se incendeiem
de tua sutileza
e queimem em mim,
labaredas de teus versos
ornando meus olhos
de teu encanto.
Essas palavras me molham
de sabor no degelo
de minha pele.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Sombras de amanhã

No dormir das horas
ficam as páginas amarelecidas
dos pequenos instantes...
No badalar do tempo,
em moldura,
fica a lembrança
em preto e branco
da fotografia desbotada
e pendurada na parede
da memória.
No tanger dos dias,
a distância é um convite
de futuro,
o passado, um leque
de equilíbrio
que cadencia
o tic tac do nosso relógio
com essas sombras
de amanhã...

Cabine

no noturno das estações,
adormecem,
com seus olhos de vento,
os sonhos meninos
que ainda não vieram,
pois, pernas bambas,
dão os primeiros passos
rumo ao vagão
do infinito
da nossa espera...

domingo, 9 de agosto de 2009

Paráfrase do Amor e-mail

O amor não são palavras,
nem pedras, nem lascas, nem madeira,
nem madeixa pendendo aos olhos.
O amor não é furacão, mas vento brando.
O amor não é ilusão metamorfoseada por fome,
por dilaceração da carne,
por difusão do bem quisto.
O amor é um isto pós-moderno
recluso no recôndito do coração
selvagem do poeta sem milagres de cura.
O amor não é procura, nem achado,
nem fissura de sentimentos,
nem célere lapso de homogeneidade.
O amor é uma saudade duradoura
que finda apenas num riso breve e infinito.
É uma asa de colibri batendo mil vezes
por segundo em domínio de um equilíbrio.
O amor é um istmo que liga os grandes contingentes,
que possibilita sermos partes
antagônicas de uma mesma parte.
O amor é saciedade do próprio espírito,
é uma seta inviolada de uma flecha
em que a ferida não dói, mas sim, é riso pleno.
Pois o que é dado como amor,
como alvo involuntário do amor,
não surte nenhum efeito de reclamação,
por este, de repente, voar com os pardais.
Então, o amor é um eterno horizonte
que acolhe em sua paisagem,
a beleza da liberdade.

Singularidade

Eu quero tua beleza discreta
para me fazer cócegas no coração...
Quero tua pose de dança,
tua reverência de aplauso,
para morar riso em meus lábios.
Quero tua leveza de folha
para as sutilezas minhas
de poesia que não finda,
pois tua silhueta é poema,
tua boca é letra,
teus cabelos versos sem rima,
teus olhos alumbramento
que derramam em avidez
por singularidade.
Eu quero um rodopio,
teus braços como pluma no ar,
para ser fotografia em meu pensamento
e sussurrar teu hálito virgem
em minhas inquietudes
de me ser...

A letra cega

Vem a alma nua e cheia de paráfrase
cindir o véu enrugado de teus dias
e, solta e nesse alúvio de verbo,
escancarar tua beleza crua...
Vem teus pés descalços
no desvelo te tua graça
caminhar rubores de areia fina,
um anuviamento de idéias
nessas ruínas minhas de costurar
palavras ao léu, ao amor,
storge de nós dois,
ceifando essa estrutura
de pequenos fiapos da minha vaidade.
Vem, serena e branda,
cingir minha letra, capturar meu ego,
e fazer-me cego tecelão
de versos ornados de ti,
que dança em mim, uma canção
de orvalho, um passo
nesse compasso de nós...

sábado, 8 de agosto de 2009

Cárcere de vento

Dessas prisões minhas,
tinha ela o lábio doce duma sombra alfandegária,
mania estreita de arrebatamento,
onde eu mais sou córrego seco,
onde sugo minhas pedras dissabores...
Vontades, arredias tempestades...
Tinha ela o olhar cortante,
um látego que dissolve minha carne trêmula,
deito meu corpo sobre o sonâmbulo da noite,
sou açoite de pelos eriçados.
A minha dor lambuzada de ternura
vinha leve como fiapos de fruta madura,
agora que eu estava sujo de aurora,
agora que eu era para lá do meu cercado,
limpei minhas mãos com a textura
do seu corpo quase nu,
bebi da sua sede quase morna,
fundi-me com sua boca quase ávida
nesse cárcere quase vento, quase asa de voar.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

passamanaria

No frenesi de ontem,
deitado ao chão,
meus óculos virados,
uma cortina cheia de vergonha
cobria a nudez da casa com solidão.
Na antevéspera, um acaso de risos,
onde as marionetes tranqüilas
debruçavam seu silêncio na janela,
ela passou num
estremecimento sem fim
pintando de piada,
aquela sua vida sem graça,
onde fizera bordar com tua dança,
pequenos botões dourados
num ornamento de passamanaria
para ilustrar de dia
sua tela em branco de espera.

A memória do garçom

“Putz, passamos da estação!” Essa era a sensação após desembarcarmos na Estação Trianon-Masp, em plena Avenida Paulista para um happy hour de meio de semana, quarta-feira, para ser mais exato. Segundo minha bússola interna de botequeiro casual, deveríamos ter descido na Estação Brigadeiro, que fica mais próxima do espaço cultural Haroldo de Campos, mais conhecido como “Casa das Rosas”, que era o ponto de referência para o boteco do Márcio. Pasmem, o nome do garçom também era Márcio. Ora, será que os Márcios possuem uma leve tendência a desenvolver suas aptidões voltadas para o lado boêmio da vida? Não confundamos, ele, o Márcio, estava a trabalho, nós (esse nós eu ainda não identifiquei aqui) estávamos de bobeira, dando seqüência de uma botecagem iniciada na Vila Mariana, onde estivéramos antes.
Mas juro, minha intenção não era sair pela cidade, apesar de que nada implica para mim, já que estou em pleno gozo de minhas férias, primeira semana, e ainda não havia feito nenhum programinha desse tipo. Mas, para relaxar, segundo convite auspicioso do meu amigo Adê e seu irmão Ivâ, (se fossem russos, diria que o patronímico dos dois era (nildo), pois ambos possuem essa terminação, mas é uma abreviação que cabe apenas aos amigos, como assim me considero...) resolvemos dar uma esticada. Concordei, afinal, tivera eu um lapso de estresse num cartório momentos antes, num processo de reconhecimento de firma, e essas burocracias todas e, normais. Então, vamos lá...
Ah, putz... mais um (putz). Pior que descemos e, a passos largos, fomos andando de volta, rumo ao boteco. Mas o putz era pelo fato dos meus dois amigos estarem apertados (desejo argüindo na bolsa de suas bexigas de se explodir num mictório qualquer). E você? Podem me perguntar! Ah, agora eu os pego, não bebo, apenas suco e refrigerante, rs. Peguei vocês. Eu estava tranqüilo quanto a essa sensação desagradável de querer (mijar) a qualquer custo. Sou botequeiro, sou boêmio, mas não consumo bebidas alcoólicas, pelo menos nessa minha fase da vida. Mas já consumi em outros tempos.
Bem, ok, vamos ao que interessa. Chegamos lá, o Márcio, nosso conhecido já foi logo dizendo:
- Vão ter que esperar, o bar (boteco) está lotado e não há mais mesa. Mas aguardem um instante somente, que já tem três (mesas) sendo desocupadas.
Decidimos que iríamos esperar e assim o fizemos. Nosso bom garçom não era dado a mentiras e, logo, surgiu com uma mesa. Foi quando ficamos a contemplar seu trabalho entre um gole de cerveja, a minha sem álcool, e uma beliscada num tira gosto. O rapaz era ágio por demais, diria minha mãe. Sozinho, atendia cerca de vinte mesas sem perder a conta dos pedidos. E ia para lá, e vinha para cá, com uma bandeja numa mão, garrafa na outra, quando não era a famosa porção de batata frita, ou com um x-salada cortado em quatro partes, ou com uma lata de refrigerante, além de se preocupar em limpar alguma mesa que acabara de se desocupar para outros clientes que estavam na espera.
- Caraca Adê, esse cara é foda! Atende todo mundo sozinho e não perde o rebolado, nem esquece nada, nem confunde as mesas!
- Ah, ele é bom mesmo! Respondeu meu amigo.
Esboçamos uma conversa acerca da valorização do trabalho, sobre distribuição de renda, essas coisas, e ficamos a bebericar admirando os transeuntes, melhor dizendo, as transeuntes passarem com suas belezas deselegantes de roupa de trabalho e postura de mulheres bem sucedidas (só postura, pois sabemos que o ambiente de trabalho da maioria dos escritórios requer esse tipo de refinamento na vestimenta, além do mais, sabemos que todos estão na batalha pelo ganha pão).
Lá pelas nove e tanto da noite, resolvemos fechar a conta. Antes porém, havíamos pedido a saideira. E ficamos aguardando. Foi quando começamos a duvidar da destreza do nosso querido garçom.
- Será que ele se esqueceu das nossas cervejas? Perguntei com cara de incredulidade.
- Acho que sim. Respondeu o Ivâ, com a cabeça.
Mas, tal qual não foi a nossa surpresa, lá vinha ele com uma garrafa na mão, a lata de cerveja sem álcool na outra, dando atenção para um cliente que o esbarrou no meio do caminho. Ficamos parados, de boca aberta. Pois tínhamos certeza de que ele havia se esquecido. Mas, triunfante. Entregou-nos nossa bebida, e, com um sorriso, disse:
- Pensaram que eu havia me esquecido?
E, com outro sorriso pediu desculpas e trouxe a nossa conta, não se esquecendo de dizer também sobre a caixinha do garçom, que fizemos questão de deixar, pela memória e ótimo atendimento de um profissional tão entregue àquilo que faz e tão desvalorizado diante de alguns clientes idiotas que acham que possuem o rei na barriga. E saímos satisfeitos pela noite ganha, não pela bebedeira, mas pela felicidade de sabermos que há tantas pessoas dignas no mundo.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Daquilo que não é meu, mas que eu senti.

Hoje, há algo de triste dentro de mim,
há uma lágrima querendo se fazer densa,
há algo tão real quanto uma pedra,
há algo tão pertinaz, tão convincente,
uma palavra cega e cortante
rumorejando em meu âmago: não sou quem sou?
Serei eu uma lâmina cortante que fere,
um lampejo desconexo que vem e traga
a memória numa lembrança
desagradável ao pensamento?
Hoje, acordei breve como um pequeno raio de sol
que adentra pela fresta teimosa
da minha janela velha de ferrolhos enferrujados,
e meu desejo era sorrir mais brando
numa demora mais contumaz.
Mas há uma lágrima em mim se desenhando,
lenta, arredia, sinuosa e sem aviso prévio de chegada.
Alguma coisa se quebrou em minha alma,
alguma coisa se mostrou clara e evidente:
não sou tão leve quanto uma pluma,
nem profundo, nem fundo, nem raso
nesse caminho de acasos... Não.
Hoje descobri que uma pergunta pode ser uma afirmação,
e que o que não penso pode ser o que penso,
pois meu sentir não importa, nem a porta se abre
contente para um abraço de entrada,
que termina num riso, ah... Distante.
Hoje, eu quis ser aprendiz, quis sim,
ser uma mola flexível que balança
os humores humanos para lá e para cá,
sem traçar nenhuma fronteira para se sentir bem...
Quis. Mas consegui o inflexível, consegui ser tragado
pelo desconforto de não saber mais quem sou,
nem saber se minhas palavras
são tão minhas quanto penso serem.
Ah, queria ser essa vara inquebrável
de fibra inquebrável, para não me quebrar
em pedaços e sair por aí
distante de mim mesmo.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Diário de um moribundo

Vestiu algum dia teu manto escuro,
O poeta arredio, em encruzilhadas nefastas de desprazeres?
Vestiu tuas misérias, tuas interjeições, vestiu o âmago indecente
Da nobreza insípida, da verdade tragada de tuas glândulas
Despojadas, glândulas secas, glândulas dissabores,
Essas fictícias lembranças de tua carne trêmula,
De tua boca salivante, de teu dorso errante
De cavalgadas estranhas, onde tuas entranhas
Arranharam uma cólica indigna de teu riso?
Ah, poeta moribundo... Vestistes de poema,
Vestistes de poesia, de poeta, para disfarçar tua transparência?
Acaso fizestes isso, oh poeta de um infinito
Vão aberto nesse teu vácuo recém descoberto,
Dessa tua boca ávida e seca, dessa tua palavra reticente,
Que agora mente, sente, invente?? !!!
Descobristes que não podes sair por aí a plantar palavras
Em pedras inertes, nem podes jogar ao vento
A semente da tua vontade, pois que sábios são os
Ouvidos que ouvem apenas o som harmonioso da mentira,
Sábios os olhos que lêem apenas a beleza camuflada
Num mimetismo pintado pelo próprio ego.
Tu, poeta, não desejas o belo, não desejas a verdade
Vestida de riso, nem abnegas de tuas crenças, essa doença
Incurável de tuas incertezas, essa desgraça vil de tua vicissitude.
Tu não te desprendes dessa tua palavra leve, desse peso obsoleto,
Não te desprendes de amizade, oh, ínfimo bobo e tolo!
Acreditas acaso em poeira cósmica transformada em nuvem de sonho?
Poeta, teu pecado é ser poeta, tua desgraça é acreditar além dos olhos,
Tua sentença é cometer um crime não previsto no código penal
Dos homens... Então, poeta, flutue tuas cartas, tuas mensagens,
Teus poemas pelo mar afora e distante da ilusão, e viva...
Pois tua vida é um floco de algodão jogado ao vento,
E vai dar nalguma poesia sem destino, vai dar nalgum cansaço,
Nalguma tristeza, nalgum abraço, nalgum riso
Que ainda não foi desenhado pelas mãos indecorosas dos homens...

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Comentário roubado

Palavras são pássaros,
pequenos alados que voam pela imaginação.
Palavras são agulhas
que furam nossa intuição,
são pequenos retalhos
prontos para se juntarem
numa colcha imensa de possibilidades.
Palavras são cóleras,
são afetos, palavras são imãs
que atraem versos, que atraem poesia.
As palavras margeiam
o rio infinito dos sentimentos,
que vão dar num oceano
de verdades e mentiras.
"As palavras não são boas nem más,
são mimetismos perfeitos
na boca de qualquer falador",
ou nos nas mãos de qualquer
aspirante a escritor.
As palavras são pequenas pétalas
que caem das roseiras
e vem dar num tapete inevitável
que convida nossos pés
a caminharem numa
eterna busca por contexto.
Nos convida a ser um texto
inacabado que sempre
termina em reticência...

verso confesso

era frio,
mas queimava
aqui dentro
um vazio
que inundava
meu peito
de excessos
agora
sou esse verso
confesso
de solidão

domingo, 2 de agosto de 2009

Paisagem morta

Tempo, tempo velho e rotineiro,
tempo parado que me faz cansado,
que me faz lento e passageiro
sem movimento de minhas horas.
Esse tempo é paisagem morta
onde se move apenas o vento
e meus pés buscando asas para voar.
Esse tempo é um braseiro aberto,
é uma âncora esquecida,
um galho quebrado que se desprendeu
de sua árvore frondosa
e suga, agora, parasita e inerte,
meu corpo e meu ar.
Esse tempo é uma ferrugem
carcomendo lembranças de amanhã,
é tempestade sem raios,
sem trovões, derramando apenas
uma chuva de lágrimas
e se dissipando, pouco a pouco,
numa nuvem de sonho.
Esse tempo é um medo medonho
e se faz existir apenas
numa breve ilusão.
Tempo, tempo estranho,
tempo mal trato,
que me faz trapo
nessa sua teimosia tão veloz,
tão devagar de me correr
em pedra e areia,
em pele e osso, sangue, boca
e coração.
Esse tempo é uma chaminé
aberta expelindo
a sombra de vida
que um dia existira
numa árvore,
agora, desse meu corpo,
em forma de fumaça.

Verniz de luar

Às vezes saio à procura de estrelas,
pois sou poeta do infinito.
e no imenso vazio das coisas
gosto de morar um amor
que recolho em cada riso,
que descubro por aí
cintilante e reticente
como um verniz de luar,
como um canteiro de encanto.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

sem prévia

amar o vazio
é amar
a possibilidade
de infinito.
amar o absurdo
é amar um surto
para o próximo
encanto
que está guardado
num sorriso
sem prévia
de chegada.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

de repente...

de repente,
é apenas um vulto súbito
essa teimosia de viver...
de repente,
é escangalhar as pernas
para o ar e ficar observando
as folhas balançarem.
de repente,
qualquer lamento
não trás de volta
o rio imenso que ficou
para trás.
de repente,
esse rio é mesmo
um eterno curso
que afronta as tempestades,
que desloca as pedras
tão inertes
e vai dar num oceano
de descobertas.
de repente,
acordamos e percebemos
que as águas que já rolaram
transformaram
para sempre
a paisagem do nosso viver:
nos fizeram
a própria paisagem.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

calçada vazia

pequenas migalhas,
essas sobras nossas,
enchem de vida um corpo abandono,
espírito zanzeando
e dormindo uma calçada fria.
esses níqueis esquecidos
no fundo da bolsa
são o pão lembrado por um estômago
vazio ou o entorpecimento
do pensamento,
vaga solidão
afogada num copo de cachaça.
esses trapos de ontem
já são a solução de aquecer
o corpo em calafrio
ou tapar a vergonha
da dignidade somente morta
aos olhos vazios e alheios
que somente enxergam
repúdio...
aqui se constrói castelos
com teto de papelão
e piso de vento
numa base bem rígida de negligência.

terça-feira, 28 de julho de 2009

na janela

nunca me esquecerei
de teu rosto na janela
apoiando sobre as mãos
um pouco de desolação...
pois a rua estava deserta
e trazia um aroma de estrada
que ruminava uma distância
como faróis ao longe – piscando,
piscando uma vontade
de abraço...

Crepúsculo de saudade

O lençol de areia fina
cobria os pés da menina
que jogava folhas ao vento
e bebia uma manhã
de lembranças salgadas
com cheiro de mar...
Depois a chuva cai
e lava tudo em correnteza
ficando apenas
um tom alaranjado
de um crepúsculo
de fim de tarde:
um horizonte
tristonho de saudade.

domingo, 26 de julho de 2009

Entre a letra e palavra

À procura da letra,
sai afobada pela coleta,
a palavra nua
sem tecido de sol e de seda
vestida de lua.
À procura da palavra,
sai a frase, o verso em desencanto
metalingüístico e vestido de branco
fazendo do som
uma harmonia escrava.
A letra é obsoleta ou não...
É fálica na boca da história.
A palavra é metafórica
e tempestuosa no verso do poeta.
É prosa descritiva,
é narrativa filosófica,
é prosopopéia e inferência,
é paródia e paráfrase.
A letra é universal,
a palavra é um sal de possibilidades
que veste todas as coisas
e se faz existir existindo
simultaneamente
com o inefável.
Eu moro entre a letra e a palavra
para me vestir de texto
e ser um descontexto
na minha poesia
sem eira absoluta
de qualquer magia,
pois esta se faz nos olhos
e sabores daqueles
que me lêem em desalinho.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

De um ponto a outro

A lavadeira descendo a ladeira
carrega um balde e uma trouxa nas mãos.
A costureira fiando a agulha,
viés de minúcia que assegura a virtude.
Verte agora esses olhos nítidos,
verte seus sabores de aurora.
Agora é um ir embora para outros quintais.
A lavadeira circundando o brejo,
a costureira cingindo o pano,
é pão adormecido em forma de fome,
é talher vencido desse velho aço,
é beber desse antigo disfarce.
Vai vestir a sua roupa bem limpa,
vai sentir esse tecido tão branco.
Ah - esses carnavais de brilhantes -
tecem delongas nesses nossos aís.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Epístola

São desvairados esses homens loucos
Que, com um pouco de magia,
Fazem a vida parecer mais bela...
São figuras anônimas esses homens tolos
Que extinguem a máscara,
Que jogam fora os excessos
E trazem à tona seus vestígios de lucidez,
Levam embora seus ornamentos
E se vestem de humanidade...
Esses homens são operários
E edificam a possibilidade do sonho
Esquecido em nossa memória.
Hoje conto história,
Amanhã sou letra esquecida
E os homens permanecem mãos e trabalho,
Permanecem estiagem de vento
E um tempo em pradaria se abre
Por um vale de novos capítulos:
O homem é matriz de início e fim
Que finda em si mesmo pelas mãos
E pelo suor, agora agridoce em sua boca.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

O menino que distribuía sorrisos

As mãos na janela – olhou distante as faces ausentes...
E um povaréu lá fora fugindo da espera,
é tanta sombra emaranhada na canseira alheia.
O menino vislumbra, alumbramento
de olhos, pisca-pisca vaga-lume de reflexo,
é aperto de gente, é lamento e cansaço...
Sorri para a velha um sorriso falhado,
aponta espantado um brinquedo dos homens grandes:
máquina de ferro comendo o asfalto.
Sorri às flores do canteiro isolado,
é fumaça que se espalha em poeira
pelo vidro, o menino encantado...
Desenha um sorriso empoeirado e oferece
aos que ficam para trás – hoje é dia de viajar as tristezas
e colher desses olhos faiscantes
um sorriso estrada que não termina...

terça-feira, 21 de julho de 2009

sem endereço

vai-se embora o asfalto longo,
um tombo desfeito por um levantar astuto.
vai-se embora a ira, desola o corpo,
cai a esmola em miséria,
séria risonha, face de aço e mirra...
não fica nem saudade nem preço,
nem endereço nem lamento...
não cabe no bolso o desespero,
não sai apressado o soluço...
vai-se embora... eu fuço, muco satisfeito,
um defeito em arreio e arroio,
cadastrando as placas de direção...
fica agora garoa morna
batendo revolução em músculo ansioso.
fica o cão laborioso do homem sentado,
um banco e praça, uma retina apagada.
fica um braço e musgo, uma vontade de cama,
ébrio desabrochar de um faz de conta
que aflora... e cutuca os sonhos
que ficaram afogados
num trago de cigarro de fumo e palha...

segunda-feira, 20 de julho de 2009

esmiuçados minutos

da varanda se vê o tempo lá fora,
templo alheio, charlatão e gigolô,
que é fuga dos rostos tristes
onde avançam apressados, os pés.
para dentro, é um cheiro quente de café
resvalando nas paredes
e vindo dar em sossego
das horas mortas que Maria faz vida
sendo uma pele enrugada e sem maquiagem.
do quintal se sente os sonhos
apressados em escapar além dos paletós
ou que ficam escondidos numa bolsa
preta em tom brilhante,
que guarda os brilhantes das senhoras
com sorriso esmaecido.
para dentro uma porta convida para entrar
esses esmiuçados minutos
com uma vontade devagar de não sair,
somente desnudar a roupa suja
e ser José e Maria em pele,
osso, carne e coração.

domingo, 19 de julho de 2009

íntimo vazio

no meio do vazio
conheço esse enredo
que me laça – esmoreço –
pois a lança cega
me transpassa o peito
como arvoredo
balançando suas preces
sobre o vento.
aqui, intimo vazio,
sou uma solidão
que espanta esse tormento
e padeço pagando
um preço:sou supremo
e prisioneiro,
um silêncio
a espreita
de me conceber
em tempestade.
noite ilustrada, súbito vazio,
sou um choro
de estrela
derramando seus orvalhos
sobre o incandescente
da madrugada
utilizando meu lenço
de desespero
para temperar
minha sede de vácuo.

sábado, 18 de julho de 2009

bilhetes

eu quero estar aqui,
prender a atmosfera em meu peito
e ver que meu defeito
é não saber sair despercebido,
pois deixo algum recado
dobrado nesses bilhetes
que amassaram pela demora
súbita de abrir...

sexta-feira, 17 de julho de 2009

pequenos papéis

é porque sou um interlúdio
em semente, eterno,
que vivo sempre depois
de amanhã, antes de hoje,
depois de agora.
é porque sou sempre poesia
que respiro lufadas de vento
em meu calcanhar,
onde encontro sempre seus pés
a me fazer passos na alma,
a me desenhar risos no horizonte
esperando uma fonte
nova de amor...
é porque sou prosa,
de vez em quando,
que rabisco futuros de amanhecer
desenhado orvalhos
de lágrimas em meus
pequenos papéis de me ser...
é porque sou poeta que vivo
além do túmulo
de não calar minha voz
para dizer que sou sempre
um absurdo sem fim...

brochura

procuro aprender os riscos e as melancolias
evitando algumas estrias finas
que ela – a vida – pode me causar.
procuro, insone, dormir um muro inatingível,
para, depois, deitada minha vontade,
reduzir-me apenas a cansaço,
sem essa súbita culpa de não sonhar realidades.
procuro deixar minhas mãos sempre abertas
para me doar em alguns silêncios
de cumplicidade absoluta,
para dizer adeus dessa miséria minha
de caminhar espinhos em caminhos largos,
para receber alguma nobreza
colhida nesses risos desenhados em cadernos
de brochura e pintados com algum giz
de iminente sonhar.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

retina

encarar os olhos
é, das minhas coisas,
aquilo que mais gosto
de fazer:
pescar as ilusões
que se espalharam
e descobrir
que quem pisca
é covarde ou tem um pouco
de timidez
e revela essas querelas humanas
essas verdades
que os livros
de justiça escondem...

quarta-feira, 15 de julho de 2009

caixinha mágica

pela manhã sou preguiça,
um despertar em bocejo
quando ainda seria esperança
de entardecer
pela tarde sou timidez,
um acanhamento profundo
de sorrir para o mundo
sem parecer tão fraco
de dia, sou ilha de mim
de noite, um sonho sem fim

domingo, 12 de julho de 2009

A bailarina feliz

Dançou a tua sina
como menina feliz
que fez da bailarina
um sorriso com um risco de giz...
Dançou tão pequenina,
a sapatilha veloz,
com plié, espacate, purpurina
e ouvir da sua dança, uma voz.
Passé, dévelopé, padeburré...
e gira seu encanto
num jazz, num balet original,
um lago de sorrisos e aplausos,
os pés, a ponta, o giro
e a reverência colhendo a magia
da menina aprendiz,
colhendo ternura,
da bailarina feliz...
Dançou a tua sina...
Dançou a bailarina...

Tudo que me basta

Soltei as pipas do meu sonho
rumo a um vento leve
e na neve branca do meu riso
fui uma esquina demorada
onde me surpreendi
menino calado
caçando minhas aventuras
num faz de contas real
que aprendi a transformar
em ilusão...
E isso é tudo que me basta
para bailar alegre
todas essas danças...
É tudo que me basta
para me fazer ser
apenas uma alça
que me alcança
pendurada numa esperança
de criança feliz.

Pequenas feridas

Deixo-me levar por versos estreitos,
esses pleitos meus
que me vestem em ritmo e poesia...
Deixo-me levar por palavras vastas
que expõem nessas lascas minhas
pequenas feridas que se acabam em plenitude.

sábado, 11 de julho de 2009

Fim de tarde

Agora, pegou seu guardanapo,
limpou o seu prato
com um pequeno trapo
e deixou à revelia uma fome
que não mais some em solidão.
Agora, ela é fera,
nessa esfera singela
que domina seus atos
emaranhando cadarços em sapatos,
seus pés descalços...
– Uma flor é uma beleza
quase viva e quase morta
diante de um espelho quebrado...
Agora ela é ilusão – a bailarina feliz
que já quis ser apenas um triz
de viver, apenas um riso de fim de tarde,
que agora arde em lembrança
numa distância quase covarde.

Coração indelével

Quereria o poeta ser um osso,
tosco, descarnado, fosso de dores,
pétreas angústias dizimadas
por sua convicção – sua antemão de amar,
reles fio de esperança numa lambança
quase imatura de coração juvenil,
numa aurora quase morna de prelúdio de verão?
Sim, quereria... Quereria morrer
aos botes secos da mais sinuosa serpente,
e viver a certeza mais onírica
dos súbitos viajantes de estrelas,
para, numa mensagem rasgada à luz branda
e incandescente do tempo,
verificar algumas linhas mal traçadas
de um amor confesso, um amor indelével
e rígido como pedra solitária ao céu,
ao vento, ao tormento da eternidade absoluta?
Sim, quereria... Quereria o poeta ser apenas
uma trégua de sua luta intensa,
de sua busca imensa nessa nascente
de vida propagada em pequenos orvalhos?
Sim, quereria... Assim como quereria dormir
sob a luz desses olhos,
velado pelo brilho terno e pueril do amor,
riso e desprendido, momento de extrema
solidão e plenitude, uma eternidade escondida
num segundo, por se saber amado,
ah, dado universal que corrompe as certezas,
essas correntezas inevitáveis
de se ver preso nessas
armadilhas cruas do amor.
Sim, quereria... Sim, digo e quero...
Sim, espero por menor esmero que seja,
assim rumo errante, rumo pedante,
o poeta carne, osso e coração
vestido por uma alma de ilusão sem fim...
Sim...

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Poço de nós

E afogo esses egos,
Cegos morcegos voadores
E voa – dores – orifícios meus,
Coliseus em destroços, cole,
seus desmentidos troços nesses alvoroços.
E me apego sem dor, prego a dor,
Pregador de promessas,
Essas promíscuas lambanças
Lambendo minhas danças,
Lanças ofuscadas, ofício de cada um...
Um ramalhete é um bilhete,
Estilete cego que corta a emoção,
Novamente destroço...
Destila o veneno necessário,
Esse comissário de bordo
Vem pleno de nós, anos a sós,
Retribuindo uma gentileza meramente
Poço de nós mesmos – esses bêbados cambaleantes:
Beba do cálice antes, cale-se, sangue
Vermelho, mangue de espelhos vazios.

Da maravilha das coisas

Ah, esse ópio meu, esse nervo ótico
remexendo meu olhar para coisas belas!
Aqui, dessa janela, o encontro é entre
as pessoas que andam e a paisagem parada...
Dessa alma escancarada vê-se o horizonte
apreciando perscrutares ao longe,
viés de engano que sonda essas fronteiras nossas,
dizendo – que maravilha!
Essa maravilha nunca saiu daqui, peito acanhado,
nem meu nem teu...
Essa maravilha se revela apenas
quando a permitimos se revelar.
E a maravilha indissociável, inerente,
imutável, que há em cada um,
também não muda... Nunca.
Muda apenas os olhos alheios
a que tanto damos atenção
e que validamos sempre a beleza e a ruína
que eles nos mostram.
Dê olhares a teus olhos, vista a beleza de nudez
e transparência e seja apenas sorriso,
pois não se pode furtar o que de fato nos pertence.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

arte vetusta

essas velharias minhas
são algumas texturas que sinto
na derme da minha alma como areia fina
caindo por entre as frestas desses dedos meus.
essa arte vetusta,
súbito cárcere meu,
onde alimento minhas lacunas,
onde arranco versos e pesco palavras,
é onde vence minha força,
enforco minha luta, gana absoluta.
dessas velhas páginas amareladas
carcomidas pelas traças,
donde um dia foi traçado um saber,
colho meus adágios mais singelos
e faço estágios de poesia desmanchada
em sintaxes várias...
sintaxes desvairadas...

quarta-feira, 8 de julho de 2009

concretudes

hoje preciso de colírios para enxergar meus riscos...
descobri que os homens pertencem a uma categoria
nova – uma nova forma de ilusão – uma novo jeito de solidão...
hoje meus delírios são alguns cílios batendo pestanas abaixo,
acima procurando um foco disforme, onde me alucino toda vez.
essa carne estrangeira minha de cada dia se esbarra
e se impregna em meu corpo, meu perfume de escopo
escapando às minhas chinelas... ah, meu cansaço!
hoje a descoberta certa foi um cenário novo:
plantei alguns lírios no asfalto desmedido do meu viver
e colhi pétalas de sonho no alvorecer eterno dos meus dias
ainda que esse homem precise de realidades
para externar suas concretudes, seus absurdos sem fim.

terça-feira, 7 de julho de 2009

fim alheio

...é desperdício descomunal
esse vício lícito de viver sombras de amores.
é desperdício esse indício
de adivinhar pensamentos,
morangos silvestres desenhados,
uma face vermelha,
nesse olhar espelhado de um riso bobo.
é desperdício todo resquício
de mim largado ao vento –
solidificado por meus excessos – meus esmeros de viver.
uma palavra é uma larva
que metamorfoseia essa poesia turva dentro de mim...
uma palavra é meu fim, é meu surto,
é meu pranto, é meu manto
que me cobre em noites frias.
é desperdício jogar fora
todas essas aparas que caem de minhas arestas,
pois estas me ligam em transfusão
de viver uma vida desenhada
em estrofes de poemas inacabados...
todo desperdício é sempre um início de mim,
pois começo sempre num fim alheio
onde moro quase sempre despercebido...

Digressões da palavra

Diga e fale essas incongruências
Na palavra nua.
Diga e proclame teus verbos pretéritos
De um ontem inventado,
Toda vírgula e ponto,
Essas digressões ao fado,
Esse halo desgastado por dizer...
Toda letra miúda, amiúde no tempo,
Todo verso estreito, rima destoada,
Diga... Invente sua palavra – esse embaraço
De cordas bambas – lambanças.
Grite a palavra num momento sublime
E a conclua em reticências...

domingo, 5 de julho de 2009

Cancela

Árvores, galhos, balançando...
Ipê, coqueiro alto,
Um sonho bem perto do asfalto
E a menina, sorriso ao vento, brincando.

Tem caminhos da roça,
Tem pipoca vermelha,
Um balançar de carroça
E tem caco de telha.

Tem pavão, mil olhos abertos...
Tem viola e canção,
O silêncio dos desertos
Quebrado por uma voz de ancião.

Tem a boca, paladar, bolo de milho,
Tem balão, bandeirinha e cancela.
Tem o sabor derretendo em polvilho.
Tem um segredo que aqui se revela:

Hoje, meu sótão de sonhos se abriu...
Fui um menino de cidade e mato,
Despi meu corpo num rio
Para escancarar meu riso tão nato.

sábado, 4 de julho de 2009

Adido

Morrem as palavras,
os versos...
Morrem os dias
no dormir das horas.
Lá fora - janela descortinada -
vive uma vontade de ir embora.
Morrem os silêncios,
vivem os gritos...
Morrem os lenços lacrimados...
Vivem os olhos esperançados,
morrem meus medos malditos.
Aqui, se morre agora,
mais que um sonho desmedido,
morre-se o sonhador
em poesia de adido.
Aqui, não finjo,
vivo a intensidade da minha dor...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Alvorecer

A segunda metade do ano dada pela primeira década do século,
Obsoleto, irrisórios pensamentos alçando vôo rumo ao inimaginável.
Nessas primeiras horas da manhã, um corpo já doído desperta e comemora

A folga almejada, suores fadados às suplicas de descanso...
Mas que hei de fazer? Mil desejos retraídos acomete o espírito de solidões,
Essas prisões inevitáveis onde repousa a causa de um viver todo.

Uma senhora que tanto fez, de lavadeira à preparadora de confetes, ao passo de uma
Longa labuta, hoje escuta a voz chorosa da falta do que fazer,
Pois que tanto sonhou em lividez, que tanto almejou de mansidão do corpo,
Que, máquina que não gira suas engrenagens, reclama à ferrugem,

Essa que carcome os ossos, essa que aniquila de uma prisão mais insensata
De uma liberdade assentada na palma da mão.

Mas não é disso que reclamo, nem conclamo aos indultos das vozes cegas
Que tanto guiaram pela marcha obscura do viver...
Não pestanejo nem evidencio minhas lamúrias, nem busco o vão e o vácuo
Capítulo tecido em letras brancas que um vento leve sussurrou num dia
Quente de janeiro. Não...

Mas eis que estou a sonhar um passeio rumo ao concreto, rumo ao abstrato
Que tanto construo em manufatura. E pesco mesmo alguns silêncios
Que meu corpo não desejou falar, pois, aqui, dolorido, é essa pequena dor
De uma tendinite que me vem visitar de vez em quando, diz que estou bebido dessa tal ferrugem.

Ah, antes tudo! Um tudo submerso em fantasias nessas orgias minhas de cada dia – onde
Meu espelho é mesmo aquela reflexão de nada refletindo uma história criada ao caos
Do acaso de viver. Pois que viver é um acaso, pois que amar é um caso criado de

Eternas buscas, é um raso riso oriental onde as pétalas de papoula se abrem discretas.
Aqui, concluo minha manhã de inverno frio: desejo mesmo um vapor morno em meio
À neblina fria da madrugada, para evidenciar meus erros, meu eu destacado pela poeira
De viver – onde as


estrelas choram suas noites tristes, onde o corpo reconquiste,
Com algumas manobras, a tez risonha do alvorecer.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Excessos

Há certas súplicas de agora, que, irremediavelmente,
Cogitam com a textura dos excessos, flertam com a medida certa.
O corpo, laico, suspende ânsias para além do necessário,
Copo derramado de inutilidades.
Despenque esses excessos tal qual pneu velho rodando
Ladeira abaixo, despenque o vírus alfa ofensivo
Rumo ao zen sem fim, esculache as baboseiras,
As mamadeiras vis em meio ao invisível cercado inominável
Que cobre o homem com esplendores de ilusão.
Os excessos me são fúteis, imutáveis como roda
Girando imaginando uma continuidade descontínua.
Para quê te vestes com roupas vermelhas
Quando teu corpo precisa se vestir de transparência?
A vida é um poema inacabado que precisa apenas
De alguns verbos para continuar em poeisa.

domingo, 28 de junho de 2009

Infinito

Não se submete à razão alguma essa súbita inércia de estar aqui,
Febril, intranqüilo, bebendo goles secos de cada dia.
Ontem, eu era uma lápide de hoje, um estojo
Guardando uma maquiagem transparente para sussurrar o futuro.
Hoje, sou ébrio vestindo a solidez mesquinha de um sóbrio pálido
Que caminha vestindo seus passos de sombras que ainda não se propagaram...
Nesse vértice irremediável, soluço quase um segundo de paz,
Pois de algum lado vem uma parte de mim,
Vem correndo, vem a passos curtos, vem surrupiando
A minha percepção que tenho de alguns voláteis espaços
Que se desenham em cada camada de sonho, cristal.
Cada bolha de sabão é mais forte que um universo inteiro,
Cada partícula segura uma força extrema que vem de dentro para fora
E de fora para dentro: nisso se resume toda uma força voraz
Que está dentro das capacidades humanas...
O mais frágil tornando-se o mais forte, apenas um paradoxo,
Ao que eu saboreio mais o que está fora de mim, do que o que está dentro.
Não há nada mais importante ou menos importante,
Tudo é uma mesma massa uniforme, uma mistura de sorrir e chorar,
De cantar e ouvir, de abraçar e permanecer quieto n`algum lugar,
Solidão do infinito, escuro da alma, prisão e liberdade,
Pensar e ruminar pensamentos, abstrair a ilusão de ser gente.
Dizemos adeus quase sempre desejando que não seja adeus,
E sim, volta. No fim, tudo volta, tudo vai, tudo fica, inesperadamente...

Acuidade

Sou uma varanda de espera,
Sala acuada,
Na lucidez de um silêncio,
Que me venhas visitar num abraço,
Que me venhas encontrar num sorriso...
Acuidade dos meus dias.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Açude

Meu corpo é hélice de sopros distantes,
aqui, nesse dilúvio de antes, meus pés navegantes
boiaram uma espera que não chega.
Meu sonho de suflê
desmanchando minha procura, nuvem cinza desintegrada...
Agora é rubra minha verdade de saciar, um gole seco.
Ah, me cura! Cura-me dessa loucura!
Brusca e inesperada!
Meu menino acuado - meu pequeno construtor -
leve para tuas mãos esses calos confeitados
de tanta vida em desmesura.
Ah, que eu esqueço, por um instante,
a dicotomia impregnada de me ser eu rude,
de me ser açude em tempos de deserto.

terça-feira, 23 de junho de 2009

A pressa

O homem sentado lendo as horas em letras miúdas,
amiúde desatento, um fio descompassado...
Quando houver desperdício,
o que já foi um ofício não cabe mais dentro do amanhã,
pois há sede nessas vozes, há canções de vento
pedindo passagem para sussurros de trovão
para quando essas sombras em carvão de ontem
pintar os sorrisos amarelos das crianças invisíveis
e trazer novas mensagens de silêncio.
No esconderijo do medo mora um monstro pavoroso,
um segredo transparente pedindo acolhida
para fugir do frio.
O homem sentado lendo sua sentença
em letras garrafais - agora é fugir ou ficar,
pois a estrada tem pressa de chegar...

domingo, 21 de junho de 2009

Feno

Qual novilho, ruminando as horas,
voa lento o alento
que bebe essas rugas,
essas linhas do agora,
onde a vida é uma senhora sentada
à beira do destino?...
Aqui, qualquer menino
colhe um sorriso,
escolhe um guizo
e sai em cambalhota
chacoalhando os infortúnios
e espantando a demora.
Aqui, tal qual feno,
a casca madura da felicidade
é se permitir ser mastigado
e tragado pelo viver.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Esmero...

Correr as cordas,
os braços arranhados,
destroçar a aflição e beber o suor,
a força subjugada...
Aqui, outro mundo se comunica,
as vozes galhofam e deita a pele, suma fé.
O coração, átrio, é bobina, um filme stretch,
que guarda, que envolve num invólucro,
válvula escapando às tempestades,
retraindo as garoas que escorreram
face abaixo, um Nilo distante...
Os bagos, fartos bagos debulhados,
grãos silentes silenciando os olhos,
fartando a boca - seiva doce - ingá maduro.
Aqui, a pele escamada é couro curtido,
voa nua a alma
que a nuvem de silêncio semeou caminho afora.
Aqui, submerso em sonhos,
caminham uns pés vestidos de cansaço,
cheios de esperança de chegar,
esmero...

domingo, 14 de junho de 2009

Interregno

Resume os dias passando a alma pelo viés das auroras,
ora cala o verso, ora fala seu mundo disperso
e uma brandura cai-lhe às mãos:
sustenidos vestidos de realeza.
Agora, que minhas mãos conhecem o segredo
de novas invenções, embrulham-se
ao papel amassado – meu anfitrião – sumo doce
escorrendo pelos lábios, sede.
Qualquer linha revela uma súplica de amor,
um amor deixado ao revés, à deriva,
e vem bater nessas ondas de vento
onde o lamento não é mais por falta de procurar,
e sim, por falta de receber.
Quero estagnar minha procura
e fiar minhas horas em pensar o amor
como uma despedida, pois esta,
é iminente aos meliantes
que desprezam a mesquinhez da vida
ilustrada em ornamentos e alegorias.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

O valor da amizade

Hoje sou um deserto de gritos,
um alado de brados
que os becos de mim consagraram.
Hoje sou os meus cantos
perdidos pelos encantos que me sorriem
as criaturas.
Hoje sou a doçura disfarçada
numa ternura que colhi de abraços.
Hoje sou minhas arestas
procurando frestas para sorrir
com meu olhar calado,
pois dentro de mim,
explodem artifícios em festa...
Pois dentro de mim,
carrego o verniz que se lustrou
pelo que me é caro:
o valor da amizade.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Meu pequeno bacuri

Quero um gesto que se distribui
Por todas as mãos...
Quero um objeto que simbolize todas as pessoas,
Quero a dança, o corpo leve, num compasso,
Maxixe, baião, samba, xote, forró dos milagres
Balançando as sutilezas que
Enobrece essa gente tão rica.
Quero a música, tambor do meu tom,
Quero o som impregnado de violão,
Aquele choro de viola, aquela entrada de cuíca
Imiscuindo nossa razão, quero a sanfona,
Quero o tantã e o tão afro marcador berimbau
Que desafia o cara de pau a rodar
Em seu gingado, dança, arte e luta,
Que espanta a labuta, que instiga o coração a pulsar,
Tum, Tum, Tum...
Quero um sotaque diferente, quero a palavra falada,
Quero a possibilidade dessa verdade,
Tão inerente à minha gente,
Validando minha autêntica identidade,
Minha realidade em junção com minha gente,
Nossa gente, bailado, vestimenta, um guri,
Curumim, menino e moleque, pequeno bacuri
Ensaiando seus primeiros passos em direção de meu Brasil.

terça-feira, 9 de junho de 2009

O Ponto e a Vírgula

O verso ficou confuso
zonzo como um parafuso
pois o ponto agora para
aquele verbo que só dispara
o coração da vírgula que,
numa breve pausa,
deseja continuar em poesia.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Pequeno embrulho

O sorriso desenha uma imagem
que se reconhece no coração
e prevalece sem razão
como uma beleza gratuita
de guardar sempre
num pequeno embrulho de querer

domingo, 7 de junho de 2009

Tapeçaria

Toda vez chega procurando,
arranhando desassossego pelos cantos.
Agora deita sua pressa em ir embora
atirando pela janela algum olhar de desencontro
onde seu sabor é mesmo
um vestido rodado, despistando o pensamento
para além de um querer.
Mas, é ficar sentada observando
as figuras que se desenham num riso de amanhã,
que mais gosta de fazer.
Uma nota de rodapé: a beleza não precisa de ornamentos.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Noite íntima

A única nobreza experienciada,
a virtude trazida à tona,
ou a vicissitude outorgada pelo vício do ébrio,
são as que destinam a ele,
pois este, eterno palhaço e vil,
pelo subterfúgio da moralidade,
que o condena incessantemente,
será sempre a própria morte findada em si mesma,
quando os aplausos calarão,
não só o seu tombamento,
mas o de todos os virtuosos e nobres,
numa canção de noite íntima.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O futuro

O futuro já está maduro nas mãos
escorregando o desgosto como um caroço mal chupado;
agora espera em fiapos secos,
brotar em alguma terra fértil de sensatez,
qualquer promessa para sorrir,
qualquer sonho para ser descascado
e ser mastigado por todos os dentes
nesses galhos de árvore frondosa chamada Brasil.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Desatinos de um homem molhado

A gota, seca, queria sair, a boca,
Saliva servente sorvendo a saudade com uma demora quase gelada.
Agora é orvalho, doce bolha atulhando os desejos,
Como carcerário da verdade de estar aqui.
A tez embriagada, o vértice intranqüilo,
Esperando visita de derramar em liquidez,
Água, mágoa, lasca de árvore derramando em âmbar,
Sândalo de amor morando vontade,
Lambuzando a hora de esperar...
Que deite num corpo cansado uma preguiça,
E mande embora essa mornez,
E molhe de ânimo qualquer embriaguez,
Pois estou aqui sóbrio e sentindo frio,
Água morna de chuveiro me caindo à pele, o corpo trêmulo,
Meus pelos eriçados de me aquecer.

domingo, 31 de maio de 2009

Meus silêncios

O silêncio me é um chão
onde brinco meus arranhões,
onde empino meus sonhos
e alço vôo pelas asas das minhas canções de vento.
Da poeira deitada, faço cama,
e misturo meu pijama com coisas antigas
que ficaram num encardido
desses imensos que não consegui desbotar
pelo esquecimento.
Ah, esses meus silêncios gritam em mim!
Gritam e se espalham em eco
jogando xaveco nessas palavras mudas
que vestem, de vez em quando,
uma bermuda de liberdade.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Quase nada

Quase nada é sair sozinho
e um menino vestindo pijama
procurando cama para dormir.
Quase nada é um quase frio
despindo o corpo de calor,
um quase abandono pela dor
em pranto de partir.
Quase nada é quase tudo
quando mudo
revelo a palavra pelos cantos
do meu sorriso quase largo
quando meus olhos tristes
resolvem chorar.

domingo, 24 de maio de 2009

A semeadura

A beleza é certa que os olhos hão de procurá-la
e qualquer história inventada
é concretizada pela necessidade de mentira de cada um.
No fim, permanece apenas
a verdade do caráter que cada um plantou
pela semeadura da vida.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Candeeiro

E de querer uma casa simplesinha
é que eu fui amassando o barro e,
numa forma, moldando os adobes que edificaram meu lar.
Antes foi um forno a lenha
que presenteei minha mãe para os festejos juninos
aos 10 de idade.
E veio bolo de fubá, e veio biscoito de polvilho
ou fécula de mandioca
e o sabor era mesmo de criança feliz soltando
bombinhas de São João correndo sobre
o olhar da lua e a proteção das estrelas.
As paredes estão mesmo firmes e fica uma janela
sempre aberta que, de vez em quando,
é guardada por taramelas quando a noite cai
e o candeeiro vem alumiar a sala com histórias de saci.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Segunda feira

Ontem, a noite estava sono,
madrugada branda
e o sonho espalhado em pano esticado, lençol:
meu corpo deitado reclamando descanso.
Um ziguezague de pensamentos,
a TV muda mendigando atenção
e, sem alento nem pressa,
o sono fugiu, a TV sorriu
e uma xícara de chá me fez companhia...
acordei antes mesmo de sonhar
que hoje era segunda,
dia de feira onde se descobre sorrisos.

domingo, 17 de maio de 2009

Uso X Excluso

A palha se espalha pamonha afora,
mungunzá de milho, doce fubá amolecido.
A palha se abre, telhado de oca,
a boca pitando um cigarro empalhado.
A palha entre tralhas é arte,
as mãos toscas entre vãos
trabalhando os fiapos destrinchados
entrecruzando os fios em tecido.
A palha tece um fim:
é o que foi feito de não abandono.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Sobre as inconsistências do ser

Em meio a mil frases brilhantes
não há uma que justifique o caos que
um simples descobrir em sorriso e lágrima
pode causar por estar aqui, agora e adiante no tempo.
Pois que sou perecível como carvão que já fora broto
e sou ainda mais a luz que se expandira
pelas bordas de uma estrela que não existe mais:
aquele centro concentrado de brilho não era eu,
eu era o que ainda sou: um segredo prestes a ser revelado.

Cubos mágicos

A fábula é que as vozes vinham do coração,
uma oração convertida em milagre...
É que de dia, pelo prólogo da caduquice,
se faz mais tênue e veloz
que um cavalgar de alados,
onde, sentados, os meninos brincam
com seus cubos mágicos
e despertam a avidez para as tardes de amarelinhas.
Nessas linhas, meu depoimento
é complemento de ontem à tarde,
quando meu pião se equilibrou
mesmo aqui, na palma da minha mão.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Aqui (para começar a semana)

Cobrir a rosa com um sorriso
é encher o dia de pétalas de viver,
dedilhar os dedos na canção do amanhã
que o agora somente pretende
irrigar de abraço e encontro,
com esse elo desmedido de querer,
estar e permanecer amigo.

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