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domingo, 4 de dezembro de 2011

Africanidade

África, rica África,
a fricção da minha
tez desgovernada
que enverniza esse brio
tão atril.

África, jangada estética
na pincelada
e ornamento
no lamento
do teu riso ágio.

África, rica África,
a súa métrica
é ápice
que enovela o meu ser...

Avesso

O avesso de nós é conflitante,
um nó no instante
que confesso
prisão e grito...

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Cativa

Há quanto tempo assola
em seu corpo tão frio
essa mesma esmola
de esfolar o meu cio?

Guarde as cartas na mesa
escolha a navalha
a vida é obesa
pra quem nunca falha

Se o seu quarto é pobre
então não me esqueça
apenas me cobre
dos pés a cabeça
e seja assim:

esse pedaço de mim
como quem não tem nome
esse algo sem fim
que ainda me consome
feito peia da vida

há ainda quem diga
há esse céu de pano
há na minha saliva
o sabor de urtiga
ruminado esse ano

Há a minha hora cativa
de olhar adiante
sem dizer adeus...

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Tarde prematura

Na tarde prematura dos meus
eu vi pender, sem candura,
a cura sem sorte nos braços de Alice.

Agora era um mar de morte,
a vida desinibida,
esmorecida num parque de outrora
de árvore desigual.

Tudo era fatal -
o olhar covarde como porcelana
que ainda arde e fana
em minha íris de cristal.

E ela disse:
- Quem me chama? Quem me chama?

Sob o olhar desconfiado
de estranhos, ela se move
para fora de seu corpo frágil,

estende os braços
e crava, no coração gelado da cidade,
seu espinho de rosa,
seu sorriso despetalado
ao vento

e chora, com o sangrar dos ausentes,
seu grito último de esperança.

domingo, 27 de novembro de 2011

A ceia

É domingo na manhã acordada
da semana - o plágio soberbo
da soberania dos dias.

Trás às pálpebras
a abertura clarividente
da noite de sábado
mal dormida, eremitas
na marcha vespertina
rondando os pés roídos
do chão...

Ao ermo de mim sombreia,
indulgente,
o olhar de vidro,
deitando ao horizonte
a piedade dos que
acordam sem a salvaguarda
das horas.

É domingo na matriz do tempo,
no verbo distorcido,
na palavra lavrada de ócio
e lida, no próprio vício
de publicar os vômitos
do mundo.

E ao badalar do instante
desvirgina a memória
mais infeliz,
e é ruptura na face humana,
buscar no acaso
a solidez da garoa
vertida nessa tez infinita de mim.

domingo, 20 de novembro de 2011

A calçada dos elefantes

Deixou para trás
a calçada,
a pisada firme,
a cabeça de elefante.
Pigarreia agora
o pulmão cansado
e leva embora
o banco gelado
de pedra
que consola
o seu sentar.

Deixou para trás
as notas de rodapé
e configura
no rosto de sol
a rua atrás,
as pegadas,
o próprio caminho.

Deixou para trás
um silêncio
que ficou escondido
na voz rouca
de agora,
o brado,
o lado brio
que carrega
na palma
tão calejada
da mão...

Recreio

Na espraiada do verão
buscar na hora perdida
o recreio
e construir cedo
pedaços de sonho,
cultivar a criança
de amanhã...

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Arremedo

Largo é o tempo que,
sem demora, cobre a nódoa
assentada nas pedras
com a película
da cólera impensada.

Vento lento e desvairado
vem sem arremedo
descortinar
o chão de folhas
que espalhou
com sua ingratidão...

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Une fenetre pour le sourire

Je sais, que juste savoir aimer
Et dans tous les coins de ma journée
Je vois ton sourire me peindre
Comme une aquarelle de sourire

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Entre dois

Ao céu, o infinito.
Ao chão, o limite.
Entre os dois,
o sonho
escapulindo,
de vez em quando,
da cabeça dos homens.

domingo, 30 de outubro de 2011

Trés jolie

Guarde, nas cinzas do tempo,
as lembranças
para lustrar de absurdo
o cimo da saudade e do riso,
da lágrima e da necessidade
de olhar para dentro
de si mesmo.

Guarde instantes, abraços.
Construa laços precisos.

Mas não guarde arestas
do que não é útil,
nem conserve pensamentos
ruins e alheios
ao brilho dos seus olhos.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

fotografia

na láctea razão
aptidão
de ser beleza
com um olhar
escondido
que ninguém viu
e ainda assim
foi captada
na delgada
teimosia
de uma lente
desfocada

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Sala de ver jornal

Sou um homem performático
na incongruência de me ser
com um ar de visionário
sobrevoando intergalático
o esvoaçado sentimento nú

e agora tão profilático
um tanto estético
hoje lunático
e cibernético
possuindo a inversão
do verso paralelo

considerando o elo
que me fez nascer...

Sou um homem tão disléxico
disperso tudo que disfarço
com a sensação do léxico
que engrenou a roda
de comunicar

Comum é tudo ato sóbrio
comer um enlatado mórbido
com meu andar de ébrio
na sala, enfim, de ver jornal

e entre o seu sal
me escorrer soluçando
a solução de não morrer
calado com meu lado grito

pois não omito a coragem
que me faz viver

sábado, 15 de outubro de 2011

Viés

Não se remenda com trapos
os pedaços arrancados à deriva do dia,
um grito calado - um sussurro,
o próprio silêncio.

Não se remenda a hora esquecida
na labuta, a própria luta
fenecida na guerra.
A própria morte...

Não se costura em fiapos
a dor, um brilho amputado
dos olhos, o instante,
a própria sorte.

Ao preâmbulo da noite, sob o teto
da claridade, esquecemos
pedaços de nós jogados.
E são encantos e tantos
os orvalhos derramados do verniz de existir.

Ao quedar da hora,
as pupilas das estrelas
piscarão seu último sorrir
e tantos fiapos para trás
de singrar o que é sopro e viés
nessa sina de ser gente.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Tréguas

Quem faz esse lugar
de ninguém?

Quem acumula
perícias na
alma de um armazém,
arma do destino,
carma descabido
que me faz refém?

Eu sou desinibido,
um desatino
que jaz na memória
que encarna agora
a glória de ainda
estar lá fora

buscando tréguas
pra sobreviver.

domingo, 2 de outubro de 2011

Lavoura verniz

Erguer a pedra, dilacerar todo fragmento,
a fraqueza, o medo, a sem razão de continuar...

Apontar os olhos ao infinito alvo,
ápice segredo de atingir.

São mãos que trabalham, suores de ontem,
de hoje, de amanhã - E singir os tempos
dentro de um fim: a hora do alcance,

o verbo, o romance, libido é ofício.

Não trarás ao relento os vícios,
nem resquícios de amputadas horas que vagaram
ao chão, os passos invisíveis -

paredes ocas, tijolos e lacunas.

Balança na íris o guerreiro e a guerra,
o prisioneiro da tua gana de terra,
e chuva, e vento, e nuvem.

E é vernissage, lavoura verniz,
bagagem de quem diz no silêncio de uma marquise
o preâmbulo de construir verdades
no sedimento de um olhar - e é fé,

esperança de quem dorme, e é luz
no travesseiro de quem acorda...

- Os homens constroem realidades
e são apenas sonho no palpável instante
de existir.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Cáustico

Entre as frestas do mundo,
os gritos profundos
são pedras nas arestas
tristes, nos conflitos -
oblíquos caminhos
da razão de ser...

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Poema nú

As duas sortes que encontrei
transgridem agora a regra
que criou o mundo...

Eu era um elefante
que carregava meu próprio peso,
o silêncio que fabrico
é uma questão de sobriedade.

O branco que vejo na rua,
o olho ébrio da noite,
causam espanto aos acordados...

Súplicas, súplicas - Eu não era ateu,
a fé que me guarda está
estigmatizada na cicatriz
das minhas mãos - são relevos,
trabalho, o ócio não me consome.

Eu tenho fome de de tudo,
tenho fome do mundo, tenho,
absoluto, certeza que visto
uma roupa que não é minha...

domingo, 18 de setembro de 2011

em dias assim

ao meio dia eu faço,
e antes,
um caminho pra rua
onde o passo
é distante,
um grito conflitante
na ira sua
de cansaço...

à tarde,
é crepúsculo
onde ofusco
as linhas tortas
de horizonte,
arrebol de ontem
que desembaço
em linhas tesas
que me equilibro...

à noite,
o céu invade
o berço dos homens
e chama de covarde
quem não teve
hora pra sonhar.

é breve espera
a manhã que
me acorda,
deitar no semblante
o meu dia de sol
e guardar na janela
o instante
que assisto
em dias de chuva...

domingo, 11 de setembro de 2011

O vira lata

O latido do cão
é uma forma de solidão
que desconheço...
Livre, a rua a aberta,
dois olhos pagam o preço
de uma razão:
fugir pela avenida
sem nenhum tropeço,
a lingua pra fora
reconhecendo a vida -
cigana - embora,
uma cadeia cheia de lida,
cheia de chão
para descobrir o rastro
de algum poste
que ainda não recebeu
a visita de um abandonado...

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Pedras

De quando em quando,
surgirão, no caminho,
as grandes pedras...

A alquimia das coisas -
difíceis estratégias
de vencer obstáculos.

Mas o tecelão não se dobra
diante do pano rústico,

é um céu acústico dizendo
poemas sem sobras -
repletas obras de um vencedor.


Sim, pedras são pesos,
são arestas que devem
ser jogadas fora...

Abrir caminho é virtude
de quem sabe onde quer chegar.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Equivalente

Ser equivalente é estar onde as coisas acontecem, mesmo que tenha andado muito mais para estar. Ou seja, não é teoria filosófica, nem artifício de vencedor. Ex: há duas pessoas predestinadas a chegar em certo degrau da vida. Porém, uma ganhou de início, não importa a causa, um bônus de 400 degraus para largar na frente. A outra partiu do marco zero e conseguiu chegar no mesmo degrau. Agora confundo a cabeça de todos: Quem é mais vencedor nessa história? Não sei, só sei que sou equivalente.

descalço

vai ter uma festa
que eu não danço

vou ficar parado
descalço

apenas lambanço
os dedos no chão
jogando fora

um percalço

para deixar a vida
entrar pela
sola nua dos pés

Antes que eu perceba

Antes que eu perceba,
se esconda de mim,
para que não seja
cedo demais para errar,
para que não seja
tarde demais para acertar...

domingo, 4 de setembro de 2011

Cristina

na crista de amar,
íntegra natureza
de me fazer sonhar...

fertilizante

entre a telha
e a dor
o céu é humus
que fertiliza
a flor,
verde em sua
ternura...
vermelha
em sua cor...

sábado, 3 de setembro de 2011

conhaque

debruço-me no olvido,
atos e tempestades.
suplicam as vertentes
e moram lágrimas
nas pedras, ruas vazias,
na calçada, alma nua
vestindo a fantasia
de um delírio...
era conhaque.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Setembro

Estive a dor no passado,
aturo depois que não sou no futuro.

Mas agora, me lembro,
estamos em setembro...

Preciso acordar, trabalhar,
ganhar e perder e ganhar
e depois voltar para casa e...

Estive aprendendo... E me lembro,
estamos em setembro.

É hora de dormir, depois sonhar...

domingo, 28 de agosto de 2011

Na alvorada

Esses trilhos meus,
cânions encontrados
nos rastros que deixei.
Permaneço atento -
endereço do meu alento,
tanta labuta,
lambança astuta
dos dias verdes que encontrei.
Hoje tenho o tempo
que procuro, tenho
puro meu elixir,
azeite que me limpa
as artérias - e vivo
com um sonho que desembrulho
na alvorada de te olhar...

sábado, 27 de agosto de 2011

Primeiro os homens dormem,
no advento de um refúgio,
acordam entre escombros:
reconstruir a vida
é tarefa de
quem sonhou realidade...

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Certos encontros

Hoje, irremediavelmente,
eu digo que amo.
Pois amor hoje tem cheiro,
tem pele, tem nome.
Mora em meu olhar
como um perfume que
se alastra na memória
à busca de saudade...
Hoje, falta apenas dois dias
para que seja inefável
o que não me engano:
essa certeza de olhar
nos olhos e me ver refletido
como duas esferas brilhando
distante norteando
meu rumo.
Há certos encontros,
certos caminhos que se cruzam
para o infinito
e é perfeita a direção...
Quando se caminha junto.

domingo, 24 de julho de 2011

Perfume

O ápice sem fim
é quando exala
na centelha do meu costume
seu gosto de noite
provocando em mim
um sabor que não fala:
seu corpo é meu perfume,
um açoite
que me desestrutura
a parte
da procura
que encontrei...

quarta-feira, 20 de julho de 2011

descomplique-se

descongele
algum motivo,
elo descabido,
introduções...
epígrafes
sem citações,
apenas
a eventualidade
de uma demora
pontuada
com retiências...

terça-feira, 19 de julho de 2011

o que não se desintegra

quando criança
guardava meu sorriso
despistava minha íris
no pequeno lago imaginário

que construía na poça
de água acumulada da chuva

desbravei vários mundos
nunca navegados pela cabeça
dos crescidos

e de chapéu de soldado
a barco de papel
eu fiz um céu em desmedida

agora, despeço-me de ontem,
o barquinho desintegrado
e a mesma chuva ainda cai

e desenho com sobras
daqueles inventos
o teto do sonho
onde quero alcançar

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Fogo

Enquanto, distante,
a rua infinita separa nossos quintais,
esse perímetro de amor em sintonia
é um estar perto
como quem toca, um detalhe
de querer hoje mais que ontem,
amanhã mais que agora,
pois equilíbrio
é a única razão de amar...
Senão, fogo que não arde
é um engano covarde
que está longe do nosso olhar,
pois crepita como chama
que não acaba...
Somos vento, alimento que incendeia,
folha e graveto,
sem veto no nosso olhar que nos atinge...

sábado, 9 de julho de 2011

O tempo das andorinhas...

Não reclamava do grande alarde
que os ventos revoados causavam -
tímpanos atentos - à sua vida...

As andorinhas selvagens pousaram
seus anseios e esqueceram seus medos
pelo horizonte da tarde passada.

De toda algazarra, ficou o silêncio
mais puro escrito pelo verniz
dos seus olhos, onde me reconheço
nesse agora, num amanhã distante...

sábado, 2 de julho de 2011

No farol

Na súbita incompreensão
de sermos dois,
eu não deixei para depois
de nos compreender em um...
Naquele farol,
o embate foi só um susto
que meu coração sempre
teve por querer estar
no teu colo, intocável...
No asfalto ainda frio
ficaram os resquícios
desse meu medo de não chegar.
Agora, aliviado, rio
como um garoto por saber
que o vento vai me levar,
cúmplice, para a morada
desse meu riso inacabado.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Igual

No silêncio de duas vozes
apenas o grito de dois corpos.
Do lado de lá e de cá,
a tênue manifestação
de se preencher - olfato
percebendo na respiração,
o sublime de sentir
sem nenhuma palavra
esse enlevo de nós dois...

domingo, 26 de junho de 2011

Poema de amanhã

Onde estava esse encanto,
que agora rio, que agora mora
no meu olhar um amanhã no mundo?

Eu procurei pela procissão do dias,
no olho do entardecer, a sua graça.
E vi, na prece de minhas lágrimas,
esse sentir profundo...

E clamando aos montes, ao solitário
verniz que brotou da alvorada,
esse instante, que antes, dizia nada,
somente espera e esmero de existir.

Mas eis que, ao delgado toque
que premedita um futuro, meu eu
desperta a avidez de seus olhos nús
na verde procura de um sonho...

E tamanho é o que se passa, uma tempestade
fazendo revoada aos dias e noites
formando a dança que se revela
num segredo tão singular.

Eu estava aqui, e estavas aí também.
Em cada canto uma espera, em cada
encontro o desalento - Mas, agora,
no canteiro da paciência

a suma presença revelada de não deixar
partir. Sim, somos a idade do porvir,
o sublime de sermos a cor feliz
de um estar junto, velejar no barco

um mar de possibilidades pois,
sem o tolhimento de um desencontro,
somos o infinito na seiva de um sorrir...

sábado, 25 de junho de 2011

Crisma

Não há em mim agora, pranto
se somos dois elos, vestígio
de um tempo em mim, no entanto
o grito, indomável silêncio...

...que mero toque de um vício,
ao trago inconsciente do verbo,
é o sinal deixando um resquício
que fana em nós o vil acerbo.

Somos ontem, amanhã, agora -
o flerte que não foi impedido
ao vento, folha solta e graveto...

Somos o sublime, essa libido
que cercea-nos nessa metáfora
de amar em desmedida sem veto.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Espera

Quando o instante seguinte
é um vazio, é quando sinto frio.
E para me calar, a madrugada
do meu sorrir é uma espera
que só termina quando me diz: cheguei.
Porque devagar meus olhos aguardam
o sinal abrindo as portas
desse palco...
É um sorriso desacortinado
que renasce para mais um amanhã...

domingo, 19 de junho de 2011

Somos

Certo é o caminho,
recreio de outro tempo onde há um
invento de nós onde
somos a suma essência,
tentativa voraz de sonhar juntos
indício de um novo amanhã
nessa peça ao vento:
amor, um silêncio de dois olhares.

sábado, 18 de junho de 2011

Alumbramento

A resposta não está
na forma como tem se revelado,
a cada dia, uma forma nova de sorrir.
A resposta está
em como antigos anseios,
que antes eram uma iquietude sem fim,
se apresentam tão fascinantes
assim, desenhando em minha face
uma nova aurora
que deita no berço de um sonho
e deperta...
Correr atrás do por do sol,
ou ficar num alumbramento
acompanhando a lua invadir o dia,
pode até ser coisa de maluco,
mas a sanidade dos loucos não
pode ser vista por olhos comuns,
e sim, por quem deixou todas as convicções
de lado, deixou de olhar apenas para
o que está fundido com a correria do dia
e sentiu, assim, simplesmente o encanto
se revelar...

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Prisma

Há dias guardo comigo
a fotografia desse instante,
que, ainda por ser revelar,
é o prisma da saudade
que se desabrocha em mim
dia após dia...

terça-feira, 14 de junho de 2011

endereço

eu não tenho culpa
se ando meio absorto
seu meu coração torto
não precisa de desculpa
para ser abrigo

eu não sou errado
eu sou rapaz direito
e o meu defeito
é estar do lado
de quem me quer amigo

eu sorrio em cada instante
como quem tem apreço
e, assim, sou endereço
de quem está distante
e, sem pressa, está comigo.

domingo, 12 de junho de 2011

Amor

O amor, este de além agora
e que, em desmedida,
eu procurei sem demora,
é infinito grão de enterna vida.

No instante, amor real
é o sonho que nos toma -
de dois a soma
do que não é igual.

E, tão logo o toque
esperado - o beijo
que, lento, não sufoque
e nos misture... eu vejo.

A inquietude, ouvir a voz
e em riso dormir tão tarde.
Somos aqui, em nós,
o amor, chama que nos arde.

tão perto

tão perto que não disfarço o olhar,
minha face é alvo fácil
de me aproximar,
tátil desejo de ficar
tatuado na íris de me enxergar...

e era longe você lá fora,
agora aqui, é uma pressa de não acabar,
é quando os imperfeitos se combinam
que duas partes viram uma...

pequena centelha ligando
um riso noutro canto
onde a boca sorri sem motivo.

entrega

a arte nos integra,
íntegra parte de entrega,
e é vida e é amor
que nos carrega...

sexta-feira, 10 de junho de 2011

garoa

agora
garoa
lá fora
a grão
cair
orvalho
de ir
embora

quinta-feira, 9 de junho de 2011

tanto tempo...

vamos envelhecer
sem ver o tempo passar
ter como companheiros
um velho sofá
a janela rangendo
as dobradiças do tempo
guardando o horizonte
que ficou pregado
nuns olhos de criança
brincando la fora
e o quadro pendurado
na parede deixando
amarela a fé
que ainda tenho na vida

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Saudade

A saudade é uma idade
que não me deixa mais velho,
mas me deixa pronto
para me amadurecer num abraço.

terça-feira, 7 de junho de 2011

O que ficou pra trás

Resguardo a face ainda lúcida,
o homem manchado em nódoas de ontem.

Desisti da pressa - azáfama
que tolheu meu riso,
a tesa tez,
o olhar abandonando uma criança.

Recuso vestir a roupa branca,
a paz é arco íris,
e se amor não comove
não move em mim mais devoção.

Eu tenho tudo que preciso:
um violão com uma corda quebrada,
uma pauta em branco
esperando a próxima palavra...

Eu tenho meus distantes,
as folhas fazendo chover orvalhos
nesses olhos meus, eu tenho...

...quem não me esperou,
quem se despediu antes mesmo de chegar.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Fruta do Conde

A madrugada é uma recem conhecida
que bateu na porta da minha noite
onde não se faz nada
além de abrir estrada para ficar...

Na retina do dia desperto
sem esquecer o que me espera:
conjugar o verbo no plural
para diminuir as distâncias,

procurar em mim, no onde
um sabor de fruta do conde
para enriquecer o paladar do meu riso.

A órbita do instante é uma esfera
imensa, é massa, uniforme
na consistência de calar meu grito.

domingo, 5 de junho de 2011

O que combina

Teus olhos virgens,
floresta imensa,
cidade distante, onde
desde já, me repouso
é um infinito instante,
minha viagem e meu pouso,
me pergunta sem direção:
- Qual idade você tem:
- Eu tenho a idade
que seus olhos vêem.
- qual idade vê em mim?
- A que combina com a minha...

sábado, 4 de junho de 2011

América

Ame, rica
composição de estar bem,
acirrada métrica
nos balaios deste zen...
Gatos inoportunos
pelos túneis da noite.
Um grito noturno,
infortúnio e açoite
onde prevalece
a rima vagabunda
que margeia os dias
desse poeta que aceita
o senão dessa estrada
sem chão...
Aproveito o verso gauche
de Bolaño e Drummond
e na tortura dos dias
me desintegro.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

poema broto

arregalando os olhos,
uma boca infinita
engolindo toda a curiosidade
do mundo...
no fundo,
uma pequena semente
germinando
embrulhada num
chumaço de
esponja de aço,
o balde fazendo sala.
de arrabalde apenas
a mão intrusa
tateando com espanto
o pequeno broto fecundado.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

ausência

nenhum sinal
de vista faz guardar
esse olhar histérico...

fazer sala com as cortinas
de sobreaviso,
eufóricas esperas
pelo improviso.

num desespero,
voltar às núpcias de ontem,
vestir de pijama
o despertar de uma ausência...

amarelos

seus dentes amarelos
são pequenos elos
que descobri
quando minha boca fechada
tentava me aprisionar.
agora, incontinente,
apresso-me para
buscar essas perdas
que deixou
amarradas num adeus...

cidadão comum

deitado de busto para o mundo,
minha pátria é uma fotografia em branco
esperando se revelar
numa rua inesperada...

quarta-feira, 1 de junho de 2011

vassouras

morrem as crianças,
de tanto chorar,
e moram em toda rua.

as pernas tropeçam os montes,
esses vestígios de vigiar
o que não tem a esconder,

e são cimos de ponta cabeça
hierarquizando os tantos
esperando numa fome

a chance de ainda acordar:

a boca arregalada,
os olhos sem freio, ugalhos alheios
num arroio sem meio
de continuar...

varrem as calçadas,
vassouras sem cerdas,
almas vestindo de chão
essas perdas de amanhã.

linear

na tentativa fugaz
de eu me ser,
quem faz,
oblíquo,
um bom rapaz
de sesmaria
é a pequena
nota de rodapé
inscrita
na pauta em branco
do meu riso,
em meu olhar
atravessado
observando
as torturas
do mundo...
linear é minha
sede de tijolo
de me emparedar
no tudo
e me cercar
de sonho...

terça-feira, 31 de maio de 2011

Janela aberta

Esconder a tristeza
que tem num rosto feliz.

Porque era tamanha
aquela sina de estar junto,
todo o instante
que se desenhou.

E escolheu a face
mais transparente para brilhar
aquele fio - são córregos
abrindo canions
janela abaixo.

Agora era igual
como um ontem que virá
depois da porta - entreaberta -
que semeou um sinal

para buscar, pela manhã,
a chance dessa certeza

invadir minha vida
porque, assim, eu tanto quis.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

coisa de ontem

repara que em mim
não para o pulsar do meu coração...
depara com o inusitado,
pois amar é coisa de ontem...

domingo, 29 de maio de 2011

onde não mora amor

em calar,
sozinho,
é um breu
que não
escolho
na turva
janela
onde não
mora
amor
nesses olhos
de sem
mar

o silêncio dos inocentes

num país se tolhe tudo.
todo o vento
ao céu, o alento
em tom vermelho.
lá fora, lembranças e escombros,
bandeira sem espelho
derramando orvalhos no chão.
aqui, se pune com um calar
e segue impune
quem silencia a retina de quem viu...

A promessa

A porta fechou-se sozinha, por suplício, por recomendação do vento que trazia o inverno para a sala, que infestada por um aroma de incenso, ornamentava a lembrança, talvez com remorso, talvez por solidão. Deu de ombros por saber que, mais dia menos dia, voltaria a abri-la com sua teimosia de calma. Antes, era tomado por grande comoção, mas já não cria mais na remissão da culpa que imaginava, nunca tivera.

Horácio percebia que precisava continuar. Em casa, entregue à comiseração dos seus atos, desatou a rir, incrédulo. Inquieto, passou a desfolhar o caderno onde guardava anotações importantes. Calçou um tênis preto, dobrou uma folha em branco e a guardou no bolso. Tomou o rumo da rua. A estação ferroviária o recebeu com entusiasmo. Abarrotada de gente, a fila de comprar o bilhete parecia interminável. No velho centro, desembarca espremido entre as gentes de todos os destinos. A banca de jornal trazia alguns noticiários que ficavam pendurados para vender ou propagar os acontecimentos. Uma prostituta com uma blusa em decote deixava os peitos à mostra, convidando para o trabalho de fim de tarde. Uma parede de banco era o ponto escolhido. O homem percebia tudo sem interesse. Já tivera sua alma vendida, não venderia seu corpo por prazer. A mulher talvez vendesse, pois ainda tinha alma. O sebo logo adiante...

Alguns livros de sociologia moderna, literatura africana e poesia brasileira. Enfiava a cabeça entre as prateleiras apertando os olhos através das lentes pelos títulos miúdos. “Na cinza das horas”, de Manuel Bandeira, divide com ele o momento que atravessa. Leva esse e mais outros de poesia. Resolve voltar de ônibus. Via Ana através da janela, as vidraças embaçadas dos prédios refletiam um sol vermelho. Acabara de lembrar que em abril tudo era maravilhoso. E depois, como sempre acontecia em suas histórias, inexplicavelmente, tudo ficava turvo. O olhar sempre fito num ponto invisível que fixava com obstinação. Pensava: “não quero mais saber disso”.

Entre um verso e outro, a vida ia passando. E já se passaram seis anos e outros viriam. Apenas Ana não passava e isso era um gole que saciava a sede ou degolava o coração, que não sabia viver de imprevistos. Queria, talvez, alguma certeza para continuar. Mas não sabia se era ilusão ou a luz do carma que lhe caía mais uma vez, indolente.

as palavras

nenhuma delas,
chão estilhaçado, vento descoberto,
descalça os pés,
desatento - o verso sem tempo
de chegar sem rumo...

verso destilado

a tez embriagada da noite
é um breu que consumo
tendo como acompanhante
um verso destilado de prazer...

poema à parte

uma parte de mim é verso
a outra é desvario.

sábado, 28 de maio de 2011

marés

em meus olhos derramados
bóiam as marés
que não planejei
nesse cais de um dia partir

quinta-feira, 26 de maio de 2011

claro enigma

durante o dia,
é azáfama e fuga
do que me atormenta
a noite: deitar meu sonho
em meu pranto,
olhar o futuro
e ver que não está aqui,
minha pele arrancada
e o frio que me dá,
sozinho,

sem a brancura desse sorrir,
sem me sentir palhaço,
quando foi mesmo
que eu me fiz aço?
procurar em vão,
no infinito,
o mesmo encontro
daquele nosso abraço...

hoje, tenho preguiça
de perguntar:
onde foi mesmo que eu me deixei
partir?

olhos turvos,
nenhuma cor me cingiu de cinza
mais que essa falta
de presente,
ninguém mais sente
essa chuva derramada
que reflete nesse espelho
que só cabe dentro de mim...

domingo, 22 de maio de 2011

encanto

eu, que tenho tanto,
ainda sou pouco
para me esparramar
e cobrir o seu dia.

então, percebo
que um cobertor
contempla mais
o seu encanto

enquanto
fico no meu canto
me cobrindo de voce
sem o espanto
de num instante acabar...

Tibet

Eu estive em todas as ruas...
Todas foram minhas, nuas, vestidas de silêncio,
as muralhas do meu destino, labirinto selvagem
que me cercou, e fui pedra escondida num beco.

O enigma é um azul que saiu do prisma abobadado
que converte o céu avermelhado de fim de tarde
num norte, e é cimo, comboio de pequenos detalhes
que agora me são ricos pelos riscos que acumulo.

Eu vejo, pela estrada livre, sobrevoando meu casebre
com olhos de águia, e a água que jorra do castiçal
e lava o meu corpo, e o cajado dos dias,
a deusa que sonha a divindade nas terras distantes.

É, como antes, o cálice e a fé, a mão que me colhe
em sentimento, e como grão, fertilizo
o que me deixa voar, sem estribo,
uma flecha que me atinge sem direção.

Eu vou, então, pela direção de um olhar
que me guia, sem piscar, pelos caminhos escolhidos,
sem razão, sem o peso de não chegar,
sem a pressa de esperar nesse objeto comum
de amar sem objetivo, apenas
pela causa simples no inesperado de um riso.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

amar a vida
é dizer sim à ida,
ao mar, aguerrida
com olhos de sal,
a tez derramada
em fé
na lateral
de mim...

margarida

amarga vida
é não sorrir

quarta-feira, 18 de maio de 2011

terça-feira, 17 de maio de 2011

considerações de um ébrio

e o silêncio vem depois,
cheio de ressaca e remorso
com uma sede danada,
pois só sei dizer o que sou e sinto,
no mais sou um absinto
enclausurado
em sua essência âmbar de ser,
vê quem tem curiosidade...

segunda-feira, 16 de maio de 2011

outro

e cada poema
é um estio
e uma vadiagem
que umedeço
com meu olhar
que esqueço
na pauta
do alheio

na vertical

apascentada
na placenta de um olhar -
na vertical,
o amor de cada lado
buscando nos lábios
algum encontro
que termine
em horizonte...

domingo, 15 de maio de 2011

confete

na romaria
do destino,
palavras
são como sino
que badala
notícias
pelo ar
de quem
chorava
de quem ria
como confete
caindo
em realidade

sábado, 14 de maio de 2011

a ponte

a rua morde as rodas emborrachadas
e cavalos de ferro relincham
a pressa numa fobia quase santa.

e são tantos vagalumes vermelhos
alertando a noite - e num rumor -
quebram o cansaço num bocejo de silêncio...

ah, a senhora! a senhora escarlate!
e ornamenta o seu lábio
com um rubi de liquidação,
a cera onde escorregam os beijos de ontem.
O
a porteira que avista os homens,
dependurada, pêndulo inerte pelo céu cinza,
é uma estrela que chora sangue,
inibindo essa libido,

é um girassol que premedita,
num crepúsculo, essa linha de chegada,
que refloresta esse ímpeto de partida.

e o fim do dia é uma ponte distraída
que liga as duas partes da vida pelas margens
e é sonho, lida, carrossel de ilusão.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

tijolo

extrair um caráter de si mesmo, é construir uma obra a partir do que se experimentou de água e sal, de fel e mel num cotidiano mais ou menos agridoce, na ruptura de um verso, na queda de uma ruína, na perpendicular possibilidade de um encontro consigo mesmo. sim, caráter é um tijolo sobreposto um no outro, dia a dia, numa parede sem reboco, para que todos o vejam belo ou feio numa tentativa de ser gente, sem mimetismo, numa sociedade feita de cimento.

terça-feira, 10 de maio de 2011

O cais

Com a moça deitada no convés do barco, olhava adiante aquele mar adentro, com a sensação de estar incólume de grandes complicações, por conta da garrafa que nada continha além da falsa impressão de segredo. Seus olhos miúdos espichavam contra o sol, que refletindo como um espelho nas claras águas da baía cegava-o causando-lhe irritação. De quando em vez, varria os olhos sobre a mulher que, com a blusa manchada de vermelho pelo sangue que caíra da testa, parecia dormir. Percebia o rosto empalidecido com os lábios roxos dando-lhe uma aparência de quase morta. O velho marinheiro então reunia as forças poupadas com a escassez de peixe, que não lhe permitira pescar nada, e remava em direção ao cais. Parava abruptamente, exausto, passando as mãos pela testa tostada de sol, erguia a cabeça e respirava profundamente como se quisesse tomar todo o ar em volta do oceano. Bocejava, e tomava os remos em suas mãos impelindo o barco para frente. Dali, do meio do nada, observava as falésias e as admirava com certa devoção e medo. O sol que baixava sobre o horizonte ao longe, fazia-o lembrar que tinha de voltar para casa. Teria de explicar a companheira de mais de vinte verões, que não conseguira pescar nada naquele dia sem milagres. Da mulher que levava em seu barco nada sabia. Nem ao menos se estava viva ou morta, pois como estava ocupado em voltar para casa, não podia prestar-lhe socorro ou atenção. Ia lembrado, sem consolo, que tinha de pagar a mercearia do português, senão não haveria comida para o outro dia. Da feiúra da vida, guardava um velho espelho que ganhara numa expedição que fizera nos tempos de marinheiro, onde transportava grãos para a América Central. Foi na Guatemala, lembra, que ganhara aquele espelho. Uma mulher cega o presenteara, pois não adiantaria a beleza diante de seus olhos, se nada conseguia enxergar. Trouxera como souvenir da viagem e pela graça da mulher que, apesar de cega, tecia aos seus olhos uma beleza incomum.
Chegando ao cais, amarrara o barco e jogara a mulher em seus ombros levando-a para o posto médico que conhecia. Os médicos acudiram de prontidão, tomaram os pulsos e detectaram que ainda estava viva. Levaram-na para a enfermaria. O homem, absorto em seus problemas, apenas deixou-a sob os cuidados da enfermeira, virou as costas e foi-se embora para casa lembrando que tinha ainda o dia seguinte para pescar a esperança para sobreviver.



domingo, 8 de maio de 2011

simples

eu amo simples
como um colírio
que apascenta
a dor de um olhar.

sábado, 7 de maio de 2011

sobre a conquista

conquista para mim
é o instante inexato
de perceber em
outro olhar
o mesmo encontro
desesperado
que o dia não planejou,
mas que os corações
teceram pela borda do dia
como se fosse
um único sol a clarear
a vida de dois lugares
num único lugar...

sexta-feira, 6 de maio de 2011

subúrbio

...a palavra surgiu dos meus dedos como um imenso norte no subúrbio desatinado de escrever. vivo no anonimato dos dias, versejo apenas a inusitada experiência de estar vivo. não escrevo uma palavra para agradar ao ego, nem desfazer a índole de ninguém. escrevo porque escrever é uma forma de me desmistificar do mundo, ou inserir, ou inexistir, ou, simplesmente, virar pedra a alma amolecida que não pratico no subterrâneo que meus olhos captam em outros escombros...

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Chuva...

A chuva é uma luva
que conforta o meu riso
com a transparência do dia.
Depois, aprendo
com as luzes
a compreender a razão
de um céu azulado...
Quero-te bem ventania!
Quero-te mais sem razão
para acompanhar
meu segredo de pelejar
o vício de amar um tostão,
de engravidar um desejo
pelo que vejo de sua mania
de chuviscar a alegria
com minha lágrima
de saudade...

quarta-feira, 4 de maio de 2011

sobre o inusitado de amar...

amor,
para mim,
é um
furacão
deitado
no berço
de um
silêncio...

terça-feira, 3 de maio de 2011

areia branca

um coração aberto
onde entram
olhares e bocas
e o mesmo instante
no chiado do dia,
e rio, e chora a porta
avisando da partida
no vão coberto
de Janeiro
a março
de abraço perto
para receber
na estação
da carioca
uma viagem
de ida à
Copacabana
e um fim de semana
para não esquecer
dos tamborins
dos Arcos da Lapa
me avisando num samba
que eu não quero
ir embora
onde, do alto
de Santa Tereza
eu vejo o mar
e a areia branca
repousar
meu grito
num silêncio
que não termina

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Atrás do muro

A cidade é um vão dentro de mim,
que, engolida, é tanta gente
com seu jeito e ira diferente
onde posso ver um pedaço de fim.

E ferve em meu calabouço
esses nervos todos, tanto embaraço.
A melodia desses medos, ouço -
como quem faz afago, disfarço.

Teu olhar de esmeralda que me ria
era a escassez que me alcança
e de comer a luz dessa fotografia
era palco de descortinada dança.

Então, me perdoes, porque era subúrbio
essa calmaria atrás do muro.
Meu grito era um riso distúrbio
buscando uma fresta em qualquer futuro.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

a ladeira veloz

e ser for de manhã,
não venha, vou à feira!
deslizando no meu rolimã
a preguiça mais derradeira.
e no palco de asfalto
eu acho um destino
e no morro, naquele bem alto,
faço figa e sem medo eu assino
a minha assinatura gentil.
eu escorrego e esfrego o nariz
faço careta e desço a mil
pois sou mais leve que teco de giz...
e da janela, um homem de bigode
me diz aflição, um dedo ao vento
dizendo não pode
você não está lento
nessa ladeira veloz.
não me intrometo
em assunto estranho,
sou um poema
sem o brio de um soneto,
meu riso é tamanho
como uma letra sem fim...

domingo, 24 de abril de 2011

espelho

a mulher
não se reconhece
diante de um espelho,
se reconhece mesmo
é pelo olhar atento
que, a contento,
a percebe lento
em detalhe -
e é vento que
se espalha
em beleza
ao vil tempo
que não existe.

Desembarque

Toda pressa, a unginda peça
de um descanço
que desconsidera pela hora,
é azáfama vil.

E a rua cega e vestígios:
vultos de semblantes,
sorrisos desmanchados
na multidão...

Nenhum olhar percebe,
agora, na pupila do instante,
o galgar de uma preguiça.

Destemperar o ocre do dia
com a cor inesperada -
e são flores - e é verniz,

o que deixou de notar
na tentativa veloz
de não perder o embarque
para o próximo compromisso.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

ao meu antigo time

meu antigo time
foi um timbre
onde ecoou
no limbo
da minha história
a minha devoção
e a consistência
de um homem
fora do mundo
e dentro
do absurdo
de viver
e ser o alerta
que se move
em cada coisa
suspeita
de ser vida
seja ela
a lida
que me consome
ou a fome
que me
convida

premeditado

enquanto
tiver gente
para ler
o que escrevo,
estarei aqui
premeditando
a próxima
palavra

preguiça

enguiça
em meu corpo
e atiça
o meu dormir

plantio

além canto
e brisa leve
é tanto
o riso breve
que planto
no seu
coração

sem ela

eu tenho fé
na ida
que meus pés
procuram,
na vida
que minha
estrada busca,
um endereço,
uma janela
que nenhuma
chuva ofusca,
um presente
sem preço,
desembaraçada
vontade
de não voltar
sem ela...

a rosa sem fim

enquanto
dormem
as flores,
acordam em mim
as dores
que plantam
silêncio
de amores,
colhem
tristezas
sem fim

noite de telas

nem a lua derradeira
nem o céu ornamentado
de estrelas

faz cheia,
a noite de telas
pintadas de vazio
e solidão

quarta-feira, 20 de abril de 2011

coração novo

diante de um coração novo.
eu sofro. tristeza é uma flâmula
que conservo num pote
de açucar cristalizado.
pois o velho, quebrantado,
não está mais aqui para
contar a história.

janela

uma folha
que cai
ao vento
dura mais
que o brilho
da beleza:
a percepção
ao momento
e a tesa
idéia
de infinito
equilibrados
num
bonito
sorriso.
de cada
lado
um traço
desenhando
uma
fotografia
tatuada
em
minha
lembrança.

terça-feira, 19 de abril de 2011

O semeador

Espalhe teus centeios pelo bucólico do chão.
Lá é estrada e tempo - onde se colhe
um deserto de vaidades
ou um campo fértil de alfazemas.

Na condição da falta de estima,
és teu lenço, tua esgrima,
a falta que não sentes, mas rima
esférica que acaba sem fim.

Pois teu ciclo, teu invento de verdade
é teu riso, tua faina e lustre.
És o ocre que se levanta e faz juz ao timbre
da cor, do arco íris que se desenhou
pelo crepúsculo dos dias.

Teus medos são coragens escondidas
que as gaiolas e nenhuma ruína
arruinam com teimosia, pois o músculo feroz
do teu brio, é um vício que está escrito
na memória dos bravos.

Assim, no acre das multidões,
sejas doce enquanto durar a plantação,
pois entre o orvalho e o grão,
há o sabor das recompensas
e o riso da colheita.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

desatenção

exercito minha desatenção
com o mundo.
é nesse momento que construo
um novo mundo e o navego
através das palavras...

domingo, 17 de abril de 2011

nas coisas lá de fora

é nas coisas lá de fora
que espero, sem pressa,
o melindre,
o súbito instante
me atingir
e eu, sem o fingimento
de um espanto,
descrever
com minha necessidade
de segredo.

ali, na pauta
fina de um olhar,
é onde mostro
somente o que
não se percebe,
pois a feiura
é sempre um alto relevo
na vista de quem
é cego.

acorde distante

trago no rosto
o silêncio da madrugada,
o gosto escondido
que a rua,
abrupta e velada,
tingiu com sua mania
de sereno
e estrelas distantes.

trago o alcance
de meus olhos míopes
disvirginando o céu
e a desatenção
dos meus tímpanos
com as paredes
que segredam
sussurros e confidências,

um violão
e meus dedos dedilhando
um acorde solitário
pela calçada
que desperta
os bêbados
e faz dormir
os vira latas...

sábado, 16 de abril de 2011

papiro e pedra

eu quero
o livramento
de não pecar,
livre,
em suma queda,
indubitável
até o estatelar
no estalo
de um dedo,
não apontar
que eu quero
ver, rir, chorar
o verso
de papiro
e pedra
que aqui:
esmero e brio...

quinta-feira, 14 de abril de 2011

criatura

quando se quer fazer
e faça, e descobre
e não julgue - qualquer forma
de emendar a roupa
que o dia rasgou
de tanto esbarro,
e gente cabisbaixa -
não abaixa a crista,
criatura, atura
a culpa que não tem.

a turma da rua,
a vizinha ao lado,
o senhor de bengala
a mulher que não fala
e um bêbado fazendo
tudo que eu queria fazer.

quase foi por um tris
que eu desenhei
com um teco de giz
a manhã desatinada
na lambança de uma atriz
calçando a vida
com quase nada,
numa fome de chegada,
num gole de ida.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Palavra crua

Ser marginal
é ser um muro
sujo e pixado
onde a descompostura
do dia,
alguns olhos de soslaio,
úmidos e negligentes,
ignoram com
um pudor vacilante.
Eu sou marginal,
pois sou a palavra muda
que não enfeita
nem grita.
Eu sou a palavra crua
que veste a rua
de alguma beleza,
mesmo aquela
que já existe
há algum tempo,
mas nunca foi notada.

domingo, 10 de abril de 2011

Você

De hoje,
vou guardar comigo
seu riso,
que não tem tamanho,
que me lembra todo
nascer de sol,
que ganho de presente
pelas manhãs de outono...
Vou guardar comigo
aquele cochilo,
o seu e o meu,
e o embalo da chuva
que caía lá fora -
vou guardar comigo
toda demora
e o ápice de chegarmos
juntos no fim,
que não foi,
pois depois teve começo
e recomeço.
Vou guardar comigo
o que não é breve,
pois quero que você me leve
sempre no seu olhar.
Enfim, vou guardar comigo
o que não consigo embrulhar,
pois é tão imenso
e atende
pelo nome de você...

sábado, 9 de abril de 2011

outono

no outono
a solidão
não tem dono
apenas o frio
como promessa
de calor
no abraço
de alguém...

A rosa de pano

Maria ria
sem porquê,
nem senão,
com o colo
na pia,
uma tristeza
na mão
apenas sabia
na bolha
de sabão
a vida
que existia.

Oitava abaixo

Chorava
uma janela aberta,
a boca cava,
dois olhos em alerta
vigiando
na curva da rua
a escrava
nua com sua cintura
de boneca.
Sua cultura
era uma caneca
cheia e turva
onde cantava
com uma oitava abaixo
do tom dos seus olhos
castanhos.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

a esmo

isso
é um compromisso
que tenho comigo mesmo.
não sou omisso,
nem ando a esmo,
contudo, pasmo,
como torresmo
como quem faz feitiço
pelo viço da noite
de quem foi
abandonado
pela sesmaria
de um cortiço.
assim,
era meu orgasmo
que não ria,
apenas
uma maioria
que em mim
chorava.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

une

a corrente
é um ente
querido
entre
o quente
exaurido
e a libido
iminente
de um vazio
sem sentido
igual
dente
perdido
na crente
ilusão
de quem
sente
ardido
os olhos
na perca
indecente
do que
não foi
vendido
nem doado
como gente
que chora
sem razão
rosa
que foi
embora
para
onde
não mora
mas fica
guardado
no coração

quarta-feira, 6 de abril de 2011

pauta

a pauta em branco
é uma ilusão
que foi manchada
pela minha invenção
de imaginar palavras

terça-feira, 5 de abril de 2011

pela pausa dos meus olhos

de tanto atender
às preces lá de fora,
quedando-me,

a face ainda nua
descobrindo fragmentos
da rua que ardem
meus soluços,

que amordaçam
meus silêncios,
descubro-me desajeitado
espalhando meus medos
como pequenos cacos de telha
pelo chão.

lá fora,
onde a calçada
foi gasta pelos meus pés,

lá fora
profetizando o agora
com lenço e segredo,

eu vi duas borboletas
alçando vôo pela pausa
dos meus olhos que buscavam
algum azul, algum arrebol

pela tarde gris desse invento
de tingir o meu dia
de chuva e de sol.

domingo, 3 de abril de 2011

Abril

Embora o tempo passe
e o primeiro olhar fique
cada vez mais distante,
ou subir em árvore
não seja mais necessário,
tomar banho na chuva,
rir à toa sem previsão,
comer sanduíche de mortadela
e roubar um beijo
toda vez que demore qualquer
encontro, ainda é,
das minhas faltas,
a que mais me comove.
E pensar que isso,
algum dia, possa findar,
é, dos meus temores,
o mais avassalador.
Então, meu bem,
cinco ou seis anos
ainda são bem menos
do que espero para continuar
sorrindo com o sorriso
que me arranca com o seu jeito
de me tocar o coração.

sábado, 2 de abril de 2011

Relógio

Percebes na palavra mais simples
o que ainda não inventamos.

Entre algumas demoras
o templo da vida comemora
esse palco ao ar livre.

Crisântemo, desmantela
agora esse vento que nunca tive,
ar do paraíso, cômodo enfeitado
com o teu sorriso.

Será que vamos nos casar?
Envelhecer é um tempo que preciso
mais do que a saudade que me deixas:

conjugar o verbo futuro
na primeira pessoa do plural
desse pronome pessoal
de agora...

Se encontrares n`algum embrulho alheio
um coração que seja melhor abrigo,
então vá, faça morada,

pois meu telhado tem mais telhas,
essas paredes são de tijolo
e o meu chão é de concreto e nuvem,

mas é tão perecível quanto
qualquer novo invento de amar,

assim, vale mais é o cunho
que fica desenhado por dentro
da pele flácida batendo
num compasso único de dois em dois

marcando a cada instante
essa possibilidade de infinto.

quinta-feira, 31 de março de 2011

duas amendoas

é tamanho
esse invento
de me achar
estranho
diante desse
olhar
castanho...
porque
é no mistério
que banho
a minha sede
de beleza
e essa crueza
de fora
é para deixar
mais doce
esse verniz
do dia de
amendoar
o instante.

quarta-feira, 30 de março de 2011

tédio

tédio
é
um
prédio
visto
de
cabeça
para
baixo:
um
vazio
imenso
num
abismo
profundo...

terça-feira, 29 de março de 2011

de cor, ação e alma

de cor,
ação,
que
o tempo
faz
sorri.
angústia
não
colore
porque
não
é
amor...

segunda-feira, 28 de março de 2011

coisa e fuga

...porque eu sou inteiro em todas as coisas, porque estou em todas as coisas, que elas nunca estão em mim, porque elas são todas minhas, mas eu nunca sou delas... assim sou onde estou, com minhas mil maneiras de sorrir, pois que cada canto é um labirinto pronto a ser descoberto, nessa minha fuga de viver.

domingo, 27 de março de 2011

indubitável

insálubre
insosso
infinito
instante
interpretando
indiferente a
indomável
ira de viver

quinta-feira, 24 de março de 2011

Dama da noite

Talvez, amanhã, o verbo atrofiado,
a lingua inventada
numa metalinguística pura
para não dizer, somente.
Amanhã, o seu olhar de vidro,
ela ainda carente
com o brilho do dia
pousando nos olhos
o lume postiço da noite...
Inventa romances
e tece uma prece
para que acabem logo.
Entre o amor e o lençol,
um verniz de seda
para cobrir
a alma nesse souvenir
de sorriso,
nessa solidão.

quarta-feira, 23 de março de 2011

tempo guardado

tempo lento
e obsoleto
és um vento
que invento
um epípeto
que esqueço
e essas rugas
são adereços
que encarquilham
mais meu
pensamento
que a história
do corpo
que fenece
mas que fica
no âmbar
da memória
como uma prece
que não termina

terça-feira, 22 de março de 2011

Gozo e vício

Meu logro é meu turvo caminho,
Abíguo na ambivalência do dia
Esse caminhar sozinho

Eu tenho a alma rígida,
E tanto, e tal modo, que um espanto
Eriçam meus medos, pelos e libido

Quando a tarde cai,
E as moças bonitas passam
Com suas pernas nuas,
É o esmorecimento da minha carne flácida
Buscando razão e tormento

Eu as vejo passar
Com olhar de sumiço
Pois minha vista alcança
Onde as vestes não mostram
E são vestígio e sobra

Minha alma é tesa,
Meu corpo é um rio que aflora
E rubra a sede, e turva a demora


Minhas mãos são dois olhos ávidos
Pela textura macia que dorme em minha boca
(senhora e menina) pura e louca
Que me arrebata e prende

Depois, sou o quebranto
Que se abate nessa minha vida cheia de gozo e vício.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Sobre a beleza (Lara Amaral)

Quando dei por mim
eu já estava imerso
e, a impressão que me causa
é arroubo, alumbramento...
Não sei em qual janela
me debrucei,
nem para qual fim
fugiu meu olhar além do quintal,
mas, sem esmero
nem insistência,
o que consegui flagrar
foi um lapso do instante
desenhado com alguns respingos
de um azul intenso,
terminando num prisma alaranjado
de fim de tarde.
Foi quando percebi
que beleza tem nome
e fica estendida
como um varal esticado
cortando o horizonte
e são dois olhos atentos
para esse mundo de fotografia
e verso.

domingo, 20 de março de 2011

inferência do eu

é no improviso que me encontro
e entre tanta ausência
a face invisível que me faço ser

estou psicografando meu próprio eu
nos muitos outros eus que ainda não conheço,
e deixo eles me dizerem quem são.

assim,
enquanto haver festa para comemorar,
cerveja para beber
e amigos para cultivar,

eu bebo um gole de vida a cada dia

e me faço renascer pelo etílico da noite,
pelo ébrio das palavras
que, vestidas do sentimento alheio,

emprestam-me alguma significância
dessa inferência do que pretendo ser...

cutâneo

eu me vejo
também
nesse coma
de desespero
onde tateio
o que espero
a soma
dos desencontros
que eu leio,
a tradução
de um verso
que não veio,
o seio
inexplorado
que não senti
colado
na minha
pele
em erupção

O nome que se dá...

A Lua
existe
ate mesmo
entre frestas
e da janela
oblíqua
do tempo
se enxerga
longe,
o lume,
a prata
envernizada
da noite
com seu
sopro
de vento
fazendo
cócegas
no coração,
e é saudade
o nome
que se
dá a isso...

sábado

sábado
é um fado
onde,
de cada
lado
de nós,
é uma
premissa
rezando
ao domingo
uma missa
que não
termine.
sábado
é o verso
inacabado
da semana
que não
tem rima
nem estribilho,
é um filho
que culmina
em instante
e espera...

edifícios

é difícil
subir
os edifícios
nesses
ofícios
meus
de cada dia
para
suprir
os meus
vícios
de
jogar
pela
janela
o que ainda
não
aprendi
do
horizonte

café

escangalhada aos braços (a menina)
e um olhar curioso de improviso.
a boca experimenta
perfume no ar,
o tátil remelexo dos lábios
degustando
o ébano envernizado da manhã
onde dois olhos apenas
ilustram aquela epifania.
a desordem são dois encontros
de descoberta
onde a sensação primeira
traduz mais do espanto,
onde o insite derradeiro
é ainda a fragrância
que não foi inventada.
enfim, café...

sábado, 19 de março de 2011

Auto retrato

Não procure
pelos vãos das minhas mãos
a sobra que eu não sou,
nem busque extratos
do que sou
numa leitura minuciosa.

Pois eu sou
um grito no indefinido,
um orvalho na aurora.

Pois eu sou
um toque, uma libido,
o que ainda está lá fora
para ser descoberto.

Mas, ainda assim,
espalhado ao vento
escorregando como folha leve,

sou um floco de neve
no silêncio de um deserto.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Para sorrir

Por isso, eu vivo assim:

no véu do meu sem tempo
a estrada aberta como um novelo

a sede
a prece
a rede
que me esquece

E a vida é uma memória, na teimosia desatinada,

intempestiva, improvisada,
veste agora o meu tronco, meu desejo de relâmpago

quando, no verde do meu dia, fazer cascalhos
e uma marreta vibrar vitória,

comprar brinquedo, pois cedo se veste o homem,
a fome de alcançar a prateleira
desprezar a poeira
de suas páginas, pois o coador era de pano
e na dispersão do seu instante,

foi veloz, um cobre que vestia de honra aquela coragem.
o que não se cobra
é o que ainda sobra
a vertigem
a sina
a pequenina chance



para

sorrir.

terça-feira, 15 de março de 2011

Acalanto

Eu faço versos como quem faz um pranto
e meu alento que já foi embora
me desfolha em pautas de além canto,
pois, fim... Sou o verbo que em mim aflora.

De tudo, tenho o orvalho de quem sente,
um mundo, minha sorte de acaso...
Forjar o verso. Um riso de estar contente.
Amiúde, sofro, sou sandália num caminho raso.

Se travo a língua que em mim cala,
apagada vela, lânguido murchar de asa,
decifro silêncios, sou o vazio de uma sala.

Me encontro no léxico que me faz casa.

segunda-feira, 14 de março de 2011

tanto assim

sinto,
invento
tópicos
nesses
picos
meus de
extravagância
pressinto
um
advento
óticos
instantes
que serão
seus

sexta-feira, 11 de março de 2011

O que dizem as palavras?

A palavra é como uma seta
que voa na direção do infinito
rumando indefinida para o alvo,
a tábua com sua inscrição
romântica de para sempre,
mas acertado ou não,
o que fica é a sensação
primeira que ofusca o olhar
como uma centelha
na iminência do sorrir...

A palavra não é a dor derradeira,
é como um encontro
de desconhecidos, onde
permanece apenas o lustre
da boa apresentação.

Mas palavra, sim, é uma questão
de interpretação,
uma folha leve varrendo o vento
para um olhar distraído,
uma libido desembrulhada,
um toque que alcança
a alma.

A palavra serve mesmo
é para desengavetar saudade
ou espantar a raiva
para outros quintais.
Xingamentos, meu bem,
também são terapias
que nos esvaziam para dentro.

A palavra deve sempre ser nua,
mas sempre vestida de imaginação
e ornada de verdade,
pois quem a diz é sempre
um bom mentiroso.

Por isso, não dê atenção
às palavras soltas ao céu
pela boca infeliz,
verifique o que elas dizem
dentro do coração.

Ah, comece pelo monossilábico
silêncio de um olhar...

quinta-feira, 10 de março de 2011

aos que envelhecem

aos que envelhecem
são centelhas perdidas
à imolada hora.

teus verbos, teus cetros,
a ceta afiada da noite,
o lume, o acoite voraz do tempo
como um látego
abrindo estrias pela pele.

amanhã nunca chega,
e sim, o instante não percebido
e todo o encanto vendido
pela cegueira dos olhos,
que, descobertos,

são chamas apagadas
de uma vela que ainda guarda
num pavio a cinza
do que foi tu, homem.

quarta-feira, 9 de março de 2011

cor de breu

tenho comigo uma aposta
do que gosto,
a palavra que digo
ainda posta
sobre uma mesa,
a vida presa
que deixei descoberta
em agosto.

eu vejo sim,
os muros brancos,
as pedras nas ribanceiras
e toda sorte de histórias
que eu invento...

ontem, esses dias,
eu fui como um vaga lume
buscando no estreito da noite
a minha sina desapegada,
e dancei na chuva...

e meus olhos foram
duas castanhas solitárias
presas pelo labirinto
de tantas íris
que me seguiam entre
vãos e cômodos.

foram algumas estrelas
como um lembrete,
uma fantasia
que ardia em minha alma
como arde a labareda
dos orvalhos e das manhãs.

a madrugada vestida
de criança e um refrão
sendo a criação, a rima,
sendo o toque, um verso
sendo escrito ainda juvenil
pelo breu lá de fora
sendo a cor que derramava
pelos seus ombros de marfim.

embora, ali, nem me percebia,
somente ria com seu olhar
de ciranda...

quarta-feira, 2 de março de 2011

vida ácida

sem o humus
que me fertiliza,
tempo árido
e a vista seca
num lacrimejar estéril,
dois olhos
no indefinido
perdidos entre
o arame e a cerca:
a vida ácida
ainda presa
nesse aço sem horizonte.

terça-feira, 1 de março de 2011

entre o tropeço e a queda

é desnecessária
a fuga, a rua limpa,
tudo.

é desnecessária
a pedra indesejada,
o tropeço,
a queda.

é desnecessário,
meu deus,
o rapto,
o deslize.

é desnecessária
a ruptura,
zeus no calvário.

quem capta,
quem me interfere,
difere, me rapta.

é desnecessária
a pintura
ainda morta.

a tela manchada
de tinta vermelha,
e cacos de telha
espalhados.

é desnecessária
a preguiça,
a vontade
que enguiça.

quem, puta moderna,
na derme da minha pele
amputa a palavra,

me compra, me vende,
quando ainda vejo
na vela que não acende,

a lágrima
vertendo
no imperceptível?

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Como um parafuso...

O céu cai, ventania
que se esvai,
sonho no ar,
armar a armadilha
e prender um riso
de atenção.
E quando tento
me convencer
eu já estou certo
de como é belo
o seu corpo ainda coberto
desse tecido amarelo.
Rua cai
na minha vida
como um campo de aplauso
e um aceno em despedida,
pelo deserto
que se ergue
pelo que não vai
e ainda fica
como uma receita,
pois o amor mora
em mim como um parafuso.
Confuso? Sim.
Preciso ir embora...

domingo, 27 de fevereiro de 2011

O homem da manhã

O homem acorda cedo, a madrugada espreitando seus passos.
Veste uma calça surrada, um sapato de couro, o homem da manhã com um talismã nas mãos,
e visita com os olhos outros olhos de vidro que o acompanham pela sombra baixa.

Eu não tenho o sereno do seu rosto, eu não tenho a fé imaculada do seu coração.
O homem teso do dia que vai embora para a sua morte.

É preciso morrer duas ou três vezes ao dia, para que a vida surta efeito, para que a noite dolorida e perigosa não abrigue os fantasmas do meio dia que assolam a cabeça do homem da manhã.

Não haveria sorte alguma, não fosse as mãos segurando o estandarte pela tarde que cai. Do outro lado da rua, choram as meninas e suas crias, choram também Maria e Bernadete.

O homem é uma estátua com duas mãos erguidas ao céu. E na sua fama, na cordilheira que se abriu aos olhos marejados, assume sua condição de pedra e mármore.
Agora não há o asfalto calcinando seus pés e a presunção que o arrebata diante do mundo, é um castelo feito de folhas espalhadas: ao menor vento alçam voo, como também é o sonho de Maria, como também é a tarde que cai.

O arrebol se desenhou, nuvens espalhadas e sol se escondendo atrás dos edifícios, porém o homem se lembra que na penumbra, a dor não é percebida, pois não há o lume dos dias, nem a vela ainda acesa.

Desconhece que o riso seja feito em sua boca. Ainda que todos seus dentes tenham caído, ainda que na aurora, engatinhou chorando para os braços alheios e estranhos que o acolheram, ainda não sentiu. Era apenas febre.

Mas a noite é feita de estrelas, e a cabana reflete os raios pratas da lua, é quando o homem volta para casa, é quando se dá conta de que o dia nem existiu. As portas todas fechadas, alguma janela entreaberta bisbilhiotando entre frestas esse passar tamanho.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

entre duas pausas, um silêncio

Comigo, fique despreocupado,

pois sou quem fala pouco,

contempla o silêncio, então

escreve o que seus olhos percebem,

pois a boca,

serve mesmo é para bocejar,

porque, se estou com sono

e a gente vai completando

os pedaços que há no mundo,

eu sou uma telha em pequenos

cacos quebrados que compõem

uma velha telha desmantelada

e a beleza é essa tatuagem

do seu riso picando a pele,

a palavra como um orvalho escorrendo,

pétala desenhada

pela prosa que o olhar

pescou no instante,

enfim, silêncio.

retrato em branco e preto

são olhos no escuro
um verso no tempo
a temperatura que acende
e inverte as opulências
duas esferas perdidas
pelo ébano da noite
na crista do real
dois riscos são iguais
na tempestade
ou na bruma leve
que, indefinida,
é uma rocha
ou vulto perdido
na imensidão

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Considerações sobre o amor

Ah, o amor,
a suma essência
que grita,
que é fome
e, imitação
de sonhar,
consome,
uma fita
que se desenlaça
diante dos olhos
e é embrulho,
um cartão ternura
e a fina compreensão
de sorrir...

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

a morte do cisne

furtou o que havia em volta,
debalde, uma força estranha,
uma forca de cuspir fora
a ânsia, sua gana
nessa libido de enfeitar
o instante que me alcança.
são plumas, e braços, e vento,
um deságue e enchente,
dois olhos frios
lavando com riso
o que a morte não enfeita -
a cura, uma dança
como lança que fura
a procura com um olhar.
enfim, duas asas vencidas
pelo debate que demora
agora como um encanto
que não acaba...

desassossego

de noite,
é rasgar as centelhas
que restou do dia,
estragar na parede
sua auto estima...
resignada,
num trago, um sopro ao vento,
esse acaso em desacortinada
maneira de ser, à espreita,
sombra desintegrando
em pequenos fios
de fumaça e cinza.
e um olhar de amparo
como quem guarda
na hora
um pouco de paz -
dois braços abertos
para o desassossego
de não conseguir dormir.

cômodo

meu pai é ébrio,
minha mãe casebre,
um cômodo no estio,
uma morada pelo vazio
instante de me ser...

tosse

um baque, talvez um pigarro
e outra vez expelindo para fora
o que não foi aceito,
por ser intruso,
por ser defeito
o mal uso
do que destinei
ao intervalo
inconsciente
de falar,
enfim, tosse.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Garota blue

Falo todas as frases do mundo,
sim falo, pois é o que me resta,
mas, mesmo que algumas
sejam repetidas,
não falto com a verdade
que há nelas.
Eu sei, você me disse,
talvez o espanto por
eu revelar tanto do que senti,
do que vi em seus olhos,
duas amêndoas cobertas
de um azul. Mas o celeste fica
por conta de colorir
sua pele blue, seu coração azul.
Eu vou insistir nesse monólogo
até que me responda
e me diga que eu não preciso
mais falar sozinho...

É tanto

Minha abstinência é como agulha que fura.
Meus olhos são duas esferas
girando pela órbita do instante
a procura de palavras,
inconstante, me resto, me sobro apenas
palavras pobres, sem rima, sem lenço,
sem o encanto que enleva
o verso e o canto que sempre percebo aqui,
inspiro, expiro o pranto, respiro a alma,
verto e sou tanto, água e ar,
paisagem que se completa nessa sua fonte,
um fio teso nesse seu horizonte de poesia.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Natureza que me acha

Hoje, talvez fosse
mais fácil eu me destituir
da minha sina de poeta
e ser um mero atleta
sem palavras.

Mas sou um olho
escondido no meio do furacão.
E o que me aproxima
da poesia é que
pesco em meio
ao riso e olhar
tímidos
toda forma
de beleza.

É o que me faz
viver pelo incalculável
brio da natureza
que me acha.

Acha

Não há nada no mundo
ao alcance da sua beleza,
toque que me encanta,
a procura infinda
como rosa nesse canteiro de instante.
Hoje sou riso e canto,
asa livre voando na imensidão do seu olhar.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

estranheza

essa estranheza é já conhecida de tanto que o ponteiro grande e pontiagudo do relógio assentado sobre a torre mais alta da centenária igreja assiste há um tempo mais remoto ainda. e curioso, o olho centralizador do relógio é só mais uma forma de, ao apontar para os quatro cantos do horizonte, separar os homens da sua condição mais humana de ser. sim, de um lado, a sabedoria de quem sabe apreciar as coisas do cais, do outro, talvez a fadiga, talvez o olhar mais turvo como a imagem que se forma disforme pelo espelho d`água, ainda não sabe. e o que impele para o silêncio é essa sensação mesmo estranha de duas conciências num só canto e, de repente, tudo é igual ou muda como a nuvem baixa que acabou de passar e cobrir o mesmo sol escaldante que assava a pele de dois estranhos.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Entre chuva e vento

Estou cheio de rua
tão misturado com a beleza
desse canto que me persegue
que se insinua

Toda brincadeira tem
um ar de cristal
fazer carruagem, comprar na feira
um arame de metal

Tenho um rio de asfalto
nas margens opostas
travo aposta para
uma viagem sem igual

Toda essa maneira de menino
é pra despistar a festa,
badalar o sino
fugir pra um mundo sideral

Eu trago comigo o seu embalo,
o passeio de um domingo
onde eu me calo
e nesse balanço eu sigo

Meu bem, siga faceira,
pois nosso abrigo
é sermos livres entre chuva e vento

Meu bem, eu sou o seu amigo
quando me percebeu quieto e desatento
eu te descobri encanto

Agora, não há desenlace,
nem nó de mairinheiro
só há um riso na face
porque fui eu que te vi primeiro.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Amor de fevereiro

Quando, sob o verão dos seus olhos
eu me deito, no céu, as núvens
vão desenhando nossa manhã.

E um vento leve é só a calmaria
a vigiar. No entanto, ninguém
se atreve a registrar
a saudade em palavras,
pois não há nada,
nem o canto das cigarras,

nem o alvoroço dos pássaros
a quebrar o instante
dos nossos lábios misturados.

Minha menina, eu só queria
poder dizer que a minha sina
é uma teimosia de não te esquecer.

E o meu riso é porque,
entre a grama e eu
tem um abraço que me chama

e só quem ama não se desgasta
na distância de um tempo
nem na demora de um lugar.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

descuidado

todo dia ao céu um olhar pra dizer
das promessas que fiz, do que pude evitar
já não mereço mais sorte, apenas mais não

o que eu posso eu faço
escrevo em pedaço de giz
soletrando o imenso espaço
que ficou quando não me quis

sou um brado ecoando o meu cansaço
disfarço o sorriso, sem pressa assoviu
não pense que meu peito frágil
é feito de aço - sou chuva sem estio

as vértebras de mim alcançam
meu corpo doído, minha libido sem sal

nosso caminho é feito de chão
uma janela aberta e dois olhos atentos
no desespero de te ver passar

nosso destino e feito de mão
um toque no acaso pra te avisar
que sou descuidado, mas não perco o instante
de te perceber quando decidir me achar

tablado

talvez fosse a falta de cor
que o tom pastel
desenhou naquele chão,
ou a sapatilha branca,
ou a falta de tempo
de alguma emoção sem saída
que furtou o sangue estancado
e agora, somente agora
jorra em lembranças
pelo tablado
em pequenas gotas alvas
de sonho.
ainda assim,
seus braços em arco
inclinados sobre a tez,
a altivez mais branda,
o olhar sustentando um ponto
no infinito
e as pernas girando num pliè
são linhas invisíveis
do possível...

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

o que há de perfeito

de qualquer forma,
talvez não acredite,
mas sempre faço certo,
pois o erro está
em seus olhos de descrença,
pois aos meus,
eu sempre vejo
o que há de perfeito
na imperfeição
que me rodeia

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

ao poema

quero que teu verso seja lema,
um estojo perfeito
que guarda agora,
o dilema, o tema que meu peito,
estrada de ida, janela que me leva embora
para o olhar sem jeito
do seu universo
e, como verso,
na falida experiência de um poeta,
dançar a palavra na liberdade
de amar, disfarça o receio de um encontro.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

moldura

talvez fosse a falta de cor
que o tom pastel
desenhou naquele chão,
ou a sapatilha branca,
ou a falta de tempo
de alguma emoção sem saída
que furtou o sangue estancado
e agora, somente agora
jorra em lembranças
pelo tablado
em pequenas gotas alvas
de sonho.
ainda assim,
seus braços em arco
inclinados sobre a tez,
a altivez mais branda,
o olhar sustentando um ponto
no infinito
e as pernas girando num pliè
são linhas invisíveis
do possível...

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

lembranças de fevereiro

de repente, tudo é um caos.
a insurreição remota de um dia
longínquo pousa como um estandarte,
reverência sem palmas
ao palco calado dos olhos.
e aquela beleza fria
que causava algum rumor à pele,
que eriçava os pelos
mais tímidos do corpo,
talvez saltasse do calabouço
da memória e viesse à tona
como uma bela embarcação
que a mudez dos lábios,
que a falta de respostas
daquele telegrama alheio
e a paisagem sem janela
daquele olhar esmeralda de vidro
naufragou num verão qualquer
de fevereiro.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Um drink

Contos e palavras
pelo revés de nós.
Eu tenho sede de palavra, e
durmo na rede das sílabas,
cambaleantes e estendidas
num sustenido de verso
que meu coração
de bêbado tece.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

enfim, cotidiano

enquanto os pássaros
la foram, cantam -
depois da janela
pelo lado de cá,
desacortinada visita
do inesperado, sem convite,
com a premissa permitida
do riso ou da lágrima,
vestem, minhas nádegas,
uma cadeira cheia
de meandros,
onde brincam agora,
meus sonhos trancados.
e nasço um pouco
a cada dia ao apagar
das luzes,
e morro sem demora
desembrulhando o agora
num controle remoto.
minha lembrança
ainda dorme tímida
num refúgio de travesseiro,
é onde vejo um
pirocóptero
alçar voo
para outras cenas.
enfim, cotidiano.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

amor antigo

o amor antigo
é o de hoje ainda por descobrir,
tão relapso no tempo,
estreito que não acaba,
em descompassadas vertígens,
no abraço entre amigos,
quem dera fosse antigo, o que ainda vivo.
e sem dor, e sem desmazelo,
o riso nobre de amanhã...

domingo, 30 de janeiro de 2011

disfarce

não sei o que faço,
estreito o meu caminho
e justifico o passo
e equilíbrio em desalinho...
é igual espelho -
onde me espera - que há?
na capital, a rua tem um fim
e toda descomposta
vai fazendo estrias em mim,
meus pés em desenlaço,
cadarço e o carmesim
do seu lábio causando
embaraço onde não sei esconder.
assim, disfarço...

sábado, 29 de janeiro de 2011

relicário

cenários
curtos.
apenas
aquários
num surto
inimaginável...
são canários
num curto
e espaçado
fio de tempo,
teso e lento
como um
relicário
líquido
de vento...

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

castiçal

até onde o tempo
é um engodo do fim,
onde se encontra
alguma forma
de poesia
no distúrbio inexato
do meu lábio...
até onde fico
à espreita da noite,
tijolo sem roboco,
palha de aço,
verniz dessa lua
insensata pelo brusco
castiçal de mim
iluminando até
onde não se acaba...
meu gozo está
na incompletude
da beleza,
no que não finda,
no que termina
sem cessar, num
estribilho
parafraseando
a mesma sensação
sem limite do pecado,
da boca, do beijo
e da reticência
de um encontro.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Desordem

Dentro de mim,
nada morre ou esfria,
apenas uns traços mornos
de esboço da tarde.
De dia é secar a hora
com algum bocejo -
quando vejo em espasmos
a estampa de instantes,
e tanto rosto tímido
procurando abrigo
em sorrisos
que o cansaço
deixou de mostrar.
Dentro de mim
cabe toda desordem
do mundo.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Viver...

Viver é só uma nova forma
de algum infinito entrar em nós.
Todo dia não minto,
não percebo
se sou real ou se finjo
desconhecer,
mas invento esses infinitos
e me estendo a outros tantos
até que não acabe
de tanto esticar...
Viver é um riso
e um choro
quando preciso
para me aliviar...

depois da meia noite

depois da meia noite
homem algum entristece,
nem palavra veste
o que não se comenta,
apenas caem estrelas do céu.
e os sonhos, ávidos por chão,
esvaziam as cabeças
e vão morar num travesseiro.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Eu poético

...também guardo a esfacelada face pelo ocre esmaecido da tarde. E o carbono do dia, e a virgindade da noite - e em meu corpo são rascunhos e vales - tatuagem expressiva que o látego desenhou. Foi um suborno que o ofício do dia me deu de presente. Agora não se inventa mais a sorte, nem se comenta o olho assassino que o instante inesperado forjou. Mas vou-me embora pelo abismo que aqueles pés desenharam. Era uma nudez presente, era uma barca inexorável. Sim. Eu sobrevoei os edifícios da soberania humana, lá todas as estrelas pendiam do céu, era um emaranhado de cometas dormindo calados enquanto os homens, cansados, escolhiam pequenas chamas ainda acesas para fazer verniz em seus sonhos tão apagados. Por isso não sofro, não rio, não choro, pois sou um silêncio poético pelo incabado de versos, pelos destroços de cimento e pedra que ainda invento nessa calçada que abre estrias nesses meus pés de caminho e lida.

acima

Olhar o céu
é dispensar no infinito
dois gritos,
um de paz, outro de solidão
pelo oblíquo instante
do dia,
pela abstrata hora
da noite.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

amor de casa

fosse o vento asa,
o amor em casa -
porta aberta,
janela escancarada
e a espera
dois braços abertos
longe de implorar
que fique
ou de dizer adeus.

a dança das águas

a terra grita,
um charco de nós -
escrita pronunciada
pelo embargo da voz,
que calada,
balbucia orvalhos
pelo chão...
e são pássaros
as folhas desprendidas
que o vento,
que a chuva desinibida
deixou de fora
desse verão...

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

jardim de infância

coisa de nenem, tem!
um pio na janela
sussurando
balanço
no berço que fiz.

tem uma mão pequena,
dois olhos atentos
para fazer panela
com um teco de giz.

coisa de nenem,tem!
um guizo de chocalho
para animar a festa
que eu sempre quis.

tem uma cara de espanto,
menina, guarde
esse soluço,

veste esse sorriso
porque eu preciso
sentir o que
seu riso diz.



(poeminha aprendiz que fiz para Wendy, minha sobrinha mais pequena e risonha)

domingo, 16 de janeiro de 2011

becos e ruas

quando num estreito
canto,
o olhar divaga
acuando a hora infeliz,
nem tempo rude - não -
apenas esboça
falar, mas os lábios calam,
também o corpo fenece.
ainda assim
os olhos dizem,
estranhamente cheios
de algum brilho,
a coisa toda
rodeada de desencanto,
uma sensação que não
causa euforia,
mas uma atmosfera
que enferruja o
instante no
inesperado encontro
de desconhecidos.

depois do fim

o tempo é uma pétala
de rosa, branco como os dias,
verde como a espera.
agora, o tempo é uma senhora
de cabelos prateados
como a lua sorrindo,
com um olhar ainda
vivo, e de tanto sol
e de demora,
a pele toda enrugada
em sinal de muito caminho
e história que não se acaba.
esse tempo não tem fim,
nem mesmo quando o fim
chega cedo demais...

desmesura

a tempestade
é um lago profundo,
uma voz embargada,
que la de fora,
o mundo,
sem a saudade tênue,
sem o fado da espera
silenciou
com a força
de um brado.
e é líquida
essa desmesura
que ainda me invade.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Rua sem fim

Na verdade,
eu choro
por qualquer coisa,
e rio também
da mesma maneira.
Sou um chorão risonho.
Vou pela rua faminta
cheia de pessoas
e de pressas
colhendo meu sonho
e rindo.

caixinha de surpresas

"nessa caixinha,
coisa alguma
é minha."

mas meu é o encanto
a espuma
de um pranto

que meus olhos
desatentos
desenharam.





(versos entre aspas tirados a partir do poema "A bailarina esquecida" de Renata de Aragão Lopes, do blog http://docedelira.blogspot.com/)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

mantiqueira

infinito ápice
e vales tantos,
não há quem
não queira
se perder
na eira
de sua beleza:
mantiqueira,
são edifícios
grudados
num céu
que nenhum
olhar alcança.

domingo, 9 de janeiro de 2011

ponto final

Quero a minha prosa de manhã
nuns versos soltos,
quero esquecer a palavra infeliz
que me deixou
no mais absoluto silêncio.

Não quero culpa, quero mais.
Quero a calçada nos nossos pés.
Porque quem sente
não quer jamais
por na história um ponto final.

Eu quero a reticência
do instante, eu quero música
no meu dia,
quero sorrir de alegria,
chorar de emoção,

não controlar esse ritmo
nem porque bate
tanto esse meu coração.

charco de pedras

as horas que ainda guardo
é o tempo que ainda tenho
e nenhuma pedra é imensa
para alcançar meu caminho,
nenhum buraco é largo
para inundar meus pés
nesse charco de esperas...

o instante que deixei voar
foi uma grade que não me prendeu
nem me alcançou com
os olhos fitos no horizonte,
nem tatuou em minha pele
alguma fonte de lembrança.

meus ossos são uma pele encoberta
desse aço que nenhum saudade
corrói, minha face ornada
de verniz e de sol, é onde um dia
aprendi a equilibrar o ontem
e qualquer futuro
com a cortina transparente
de hoje.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Crônica de um desatento

Há algo de errado. Há um mundo desconhecido que perambula pelo meu cais. A cidade deserta cheia de crianças invisíveis. Todas sorriem. E você finge que não há nada além daquele horizonte cheio de pequenos riscos no céu. São gaivotas, meu bem! A estrela está cheia de verniz, seu sorriso está cheio de verniz, somente meus olhos pendem diante da noite. Aquele orvalho que desceu a montanha da minha face foi para condenar minha falta de trato comigo mesmo, ou com você. Porque essa canção, eu tenho certeza, é de amor meu bem. Há dias que percebo que ando meio estranho, há dias percebo que a tarde, que antes era esmaecida, agora é ornada de um arrebol, um mosaico de pequenas confusões em minha cabeça. Eu até tento ser normal, mas ainda desconfio que não tenho jeito com as coisas, meu coração é meio estrambelhado. Vou endereçar minha mania de bom moço aos que nem se importam com isso, pois a rabuja costumeira é companheira de horas e horas na mais completa ausência de mim, da realidade que existe, mas que teimo em camuflar com alguns versos e palavras. Desculpe-me você que não me entende, pois nem eu mesmo entendo. Desculpe-me você que acha que entende, pois eu também já achei, mas o fórmula mesmo da coisa é deixar fluir naturalmente, como diz uma música que eu mesmo fiz. É, de vez em quando canto, noutras horas rabisco coisas que vejo e sinto, em outros momentos, escrevo para as galáxias para ver se há alguma resposta no universo de algum ser que entenda a complexidade dos seres, da vida, da estrada, da poeira que se levanta da estrada. A estupidez da canção e do verbo está na forma abstrata de cantar e conjugar. Eu conjugo o verbo quase sempre no gerúndio, e canto da mesma forma sentindo. Acho que há alguns personagens que se parecem comigo, em algum lugar, em alguma estação. Para quem não se parece, peço ao menos que não faça julgamentos precipitados, pois sou normal, apesar da minha excentricidade.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

ontem

guardo de ontem
o que não confessei
em palavras,
guardo o desequilíbrio
dos meus olhos,
que perderam o freio
e pararam diante
dos teus.
guardo a garoa
teimosa,
minhas mãos desatentas
procurando consolo
no enlace
dos teus cabelos.
guardo de ontem
uma falta de coragem
por não provar
teus lábios,
guardo uma porta
imagética com
tua promessa
de deixá-la
semi aberta.
a chuva lá fora
deixou os vidros
do carro turvos,
meu coração
desinibido
destilando verbos
pela rua afora.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

tudo sobre o nada

tudo existe
quando tudo é nada.
nada é tudo,
uma estrada infinda,
uma ponte
sem as extremidades,
um ponto sem fim.
nada é um estado
em constante
reticência...

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