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domingo, 29 de novembro de 2009

Muro

Com a cara cheia de espanto
desceu o muro do mundo
e foi plantar bananeira remando as marés
e seus abissais.
Tinha fruto e tinha pedra,
tinha lona e tinha palco,
tinha o espaço de um asfalto,
tinha a perca de uma espera.
E nessa esfera de vazio
foi parco o estio que se desenhou,
nenhum olho derramou aurora,
nenhuma boca se encheu de adeus,
pois ficou o que tinha ido embora,
e foi-se ausente o desmantelado
martelo de um presente,
que agora eram folhas findas
no rascunho incorrigível da memória.
Com a cara despida de pranto,
a agulha era viés
de costurar retalhos de instantes
que o insone da noite
desenhou de solidão.

sábado, 28 de novembro de 2009

Entre terços e medalhas

O dia estava lindo demais para morrer,
mas eu estava com pressa demais para ficar
então fui embora imerso nesse parágrafo torto
absorvendo as ruínas do dia numa bagagem
sem lenço, sem terço, sem medalhas...
Ali, vigora, embaixo do telhado marrom,
um desperdício de tempo
e os lábios espalhando palavras pelo vento
numa quase pressa de não ficar,
numa quase demora de permanecer.
O mesmo vestido florido desnudando
de vez em quando a imaginação matreira.
“Para quê tanta perna meu deus?”
Como face de quem está triste e não chora
como vontade de quem está fora e não entra
é tão certo que preciso do alheio,
que das coisas todas, desses escombros
descarregados em mim,
resta apenas um fim...

domingo, 22 de novembro de 2009

Esmerando

Trouxe dos trôpegos
uma bagagem de viagem.
Trouxe cansado, ato inefável
que o dia calcou com o que foi derramado...
Foram todas as portas abertas,
as velas acesas, o corpo morno
trazendo lembrança guardada num abraço
que o tempo vil deixou distante.
Foi um vento brando, um casulo fechado,
homenagens configuradas
num aperto de mão...
Estava um dia de sol,
estava fugidio o desdém pelo estranho,
tão medonho é esse álbum
de figurinhas tão cinzas, tão transparentes,
e um tapete dormente
deitando a fé mais recíproca
das convenções humanas...
Ali deitado é um cimento frio,
é uma parede molhada, musgo e lixo,
é uma mala envelhecida de tanto carregar...
Ali sentado é um chão de apoio,
é o joio esmerando um pouco de paz...

domingo, 15 de novembro de 2009

Poema revelado

Quem quase chorou
foi lágrima congelada,
um guardar do que poderia ser dito
sem palavras.
Quem quase sorriu
foi uma janela semi aberta
que o dia lá fora deixou de entrar,
e revelar o que era vasto
para além do horizonte...
Quem quase amou,
não foi seta nem vento,
foi apenas um lamento
que o alvo cego da razão
não conseguiu se preencher de mira...
Quem quase ficou
perdeu a hora do aplauso
que o instante tão sem precisão
calcou com a marca do que foi importante.
Quem quase sustentou o olhar
perdeu o segundo mais infinito
de tantas coisas vistas,
tantas palavras ditas,
tanto sentimento revelado,
tanto abraço não dado,
tanto beijo molhado
que o impulso da certeza
desenhou no coração...

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Bandeiras

Talvez a noite mansa
deite o corpo à luz da manhã.
Como quem pede e não é lembrado,
espichou as pernas curtas
pelo fecundo do chão,
e dissipar a sombra triste
para um alumiar de estrelas
com um cobertor de céu.
Cobrir o que era léu
e fazer serão com esse ar de velas:
era quem não tinha abrigo,
vestiu da madrugado, o véu.
Era quem guardava perigo
desses olhos estreitos,
fosse o tempo sem limite
dos teus brinquedos de fuga,
que agora guarda bronca
de parecer ter medo da escuridão.
Tem bandeiras no horizonte
hasteando tanto do que ficou,
tem risos de infantes,
que nenhum lençol já embrulhou...

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Capinzais

A terra densa e seca
lá fora plantando aridez aos olhos úmidos.
Ao meio dia, nem sombra, nem urubus,
apenas lá longe a vista alcança
uma poeira fazendo lambança
e uma boca buscando sede
pelas capoeiras e capinzais, feno estéril.
É que a cumbuca já esvaziou a cacimba
E, lá embaixo, um balde solitário pedindo
o abrigo das manhãs, água fazendo promessa
de voltar pelos lábios silenciosos
da carne agreste, sem jeito,
as pernas finas carregando a pequena criação,
que esmera agora, num canto novo,
uns versos de molhar o coração.
Crispa a pele, tece a voz de anunciação,
hoje, não foi Maria,
nem foi a noite fria que guardou o que era sorte,
foi uma peleja de morte
que arrebatou essa novena,
de quem calava e não pedia pena,
de quem vencia e não era forte,
pois o que era oração, virou pedra,
o que era fé, virou vento,
e o que era lamento já é corpo tombado
no espelho bruto desse cimento.

domingo, 8 de novembro de 2009

A tarde dos elefantes

Estava repleta,
um rosto escaldante
afogou a tarde quente,
olhos de elefante
guardando a memória
dessa gente
enquanto caia
aos seus pés desnudos
a invocação da liberdade
mais flagelada.
Ela estava distante
como um relâmpago
e os bêbados
guardavam
da sua compostura
uma ética descortinada,
sem vício, sem o indício
da virtude em ruptura...
Apenas amainava
suas horas
pescando qualquer abandono
em que a única companhia
era aquela calçada
vazia onde morava
a solidão...

sábado, 7 de novembro de 2009

Fantástico...

eu não sei porque é
que calo esse desespêro
com o qual coloco
trôpego e cambaleante
esse meu bêbado errante
de vestir cálices na noite...
não sei porque açoite
se me faço obstáculo
de sentir cócegas
nesas estrias de rir
um copo cheio
transbordando afeto
e um aperto de mãos
que acabei de receber...
eu sei apenas, cúmplice,
de estar meus lábios
dormentes, minha cama quente
pedindo o abrigo morno
do meu corpo frio...

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Passeio

Tenho em mim toda palavra muda
nos canteiros abstratos da minha vida.
Da esquina absurda do meu descanso
ouço no sótão de me ser sereno
uma canção que fala de pedras...
Foram todas as imagens para
aquela rebeldia dos versos marginais
que sempre escrevi sem saber:
How does it feel? How does it feel?
Eram para bem longe de um tempo
tão estranho, onde o sonho era
apenas caminhar sem a nostalgia
do ontem, sem a proeminência do agora,
sem o equilíbrio da espera de amanhã...
Minhas vestes são sujas desse instante
amarrotado de escombro e caos...
Foram abertas todas as rugas
e a minha pele treme uma bossa
quase nova num rebuliço de som
que acorda nesses acordes justapostos
e esse léxico me perseguindo
como um vômito ruminado
por uma vontade de sempre ir embora
para uma estrada longínqua:
e um rebanho de versos espalhados
pelas relvas afora desse inusitado
passeio humano.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A condolência dos brutos

Tenra essa novidade,
e terá o concreto mais crespo
condolência dos miseráveis
diante de seus farrapos – esses embriões
da eternidade?
Mas não era como antes,
pois a lança transpassa o coração mortal
para além das ribanceiras
nesse abismo incamuflável de vida
e a sede dos bravos, aquela feita de gelo,
tão somente derrete a fúria dos vencidos
com uma lâmina ornando
a tez de espanto e que jaz
como lembrança de um sangue
que fana, doce face sem medo,
doce alma sem fé,
espasmado sentimento
de se fazer cru como uma borracha
vertendo sua lágrima nua e branca
e depois virar cinza, e depois virar pó...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Ode à invenção de ser

O insurgente vazio da espera
é tão vago quanto uma esfera inacabada
que ressuscita no calabouço
do imperfeito alguma forma
de ser apenas abstrata.
É tão cega a certeza,
que qualquer mudança que toma o vento,
tira-nos da convicção de absoluto.
O que faz sentido nessa inconstância toda
é esse culto que temos pelo absurdo...
Absurdo de sermos nada...

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Tomates vermelhos

Aqui, pescando alguma coisa na internet,
entre canivetes e sonhos,
diáspora da razão,
calcando o instante com bytes necessários...
Termina o limite de tudo, finda – pois era
um dia de sol, choveu tempestades
e bateu na minha janela uma letra marrom,
um sino sem tom, forte e branco
como qualquer flanco sem sabor.
La fora era tudo verdade,
aqui dentro, alguma saudade sem tato,
algum fato imprimido e um estilete
encostado na garganta pedindo sede...
Na rede, era fausto e fauno – tomates vermelhos
e um espelho invisível retratando
o mesmo ponteiro do relógio
que girava nas salas várias do mundo...

domingo, 1 de novembro de 2009

Pirâmide de faces acesas

Ainda sou essas sobras de poeira
assentadas no chão,
o vento irrompendo contra
as pernas quase nuas
da mulher descendo a ladeira
e um vestido estampado
resvalando a pele,
revelando uma beleza dançante
ao quebrar dos quadris...
Ainda sou essas arestas de tempo
espalhadas pelas horas vadias,
um cálice postado à mesa,
dois olhares sustentados
pelos cotovelos numa pirâmide
de faces acesas pela luz da paixão...

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