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quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Meu último poema

Foi mãozinha rústica, cheia de terra,
desembrulhou papel de bala
e guardou no coração, num abraço
feito aço que não enverga,
a embalagem em letrinhas miúdas
pra fabricar barquinho e trocar presente.
Foi assim, sentado no chão,
com macacão de pernas curtas,
procurando esconderijo
onde se esconde as formiguinhas pela manhã
e a folha verde balançando prá lá e prá cá.
De repente um olhar vistoso...
É assim que descobre segredos:
Estava guardado um poema num formigueiro
de fim de carreata,
tanto anda, tanto anda,
e vai dar num fim em poesia,
a falsa vida carraspana
de tanto pano umedecido,
tanto moleque berrando pro ar:
- Hoje tem dicionário, tem sim senhor!
Pra revelar sinônimo de descoberta,
e estava lá naquelas mãozinhas sujas,
o tempo todo, estava lá...

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Prelúdio

Estava arguto sorvendo as horas
com meus princípios petulantes,
um mero coadjuvante – estorvo.
A faca, aço imóvel, gume atroz, reflete um rosto mudo.
Uma voz concebe veloz mensagens radiofônicas:
cidade saturada, estômago de pedra.
Nas labaredas do dia, pernas, braços, mãos erguidas,
solavancos e despedidas em sintonia fina.
Arranque tuas anáguas, arranque teus palanques,
e faças um broche de amanhâs suaves
como brumas ao vento.
Teu corpo está sedento, tua pele absorve meu corpo-escudo,
tudo é elixir e run.
Pelas bordas do horizonte sigo um semblante de sol
como pássaro errante que sou – vejo o mar além,
que é onde mora meu refúgio.
Jaz aqui, na pedra da alvorada,
uma notícia de jornal:
amanhã, somente amanhã direi.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Lustre e listra

A cumbuca derrama água,
derrama água na gamela
com um gesto desaguado
de manhã desapegada.

As mãos dela, ela esperançada,
derrama força em taramela
para abrir o seu destino
num escancarar de sua janela.

Amiúde, um sorriso dizendo bom dia
e a virtude da sua sina
se espalhando rua afora,
ela toda azul manchando de alegria
um acinzentado de tarde,
um esmaecido de vida.

Uma mão acenando ao vento
um cumprimento de saudade,
goiabeira no fundo do quintal
sombreando a beleza
e uma manhã em calmaria,
ela toda riso, halo que eu preciso,
nos meus dias de ocre.

Ela toda lustre, eu listra do seu brilho,
nós nos derramando vontades
de cera e flanela.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Inversão paralela

Se me fosse dada uma chance de redenção
Nesse labirinto amargo chamado vida
E nos meus calos nesse cálice de sangue fanado
Na finda essência em mim derramada,
Meus dias seriam mais sensatos,
Menos tomados de ócio
Com o ocre das tardes esmaecidas pelo carvão da noite.
Se esta súplica me chegasse mais tolerante
E mais exaurida, nesse vão de ilusões perdidas,
Nas manhãs mais caladas,
Onde o vento só sopra ao contrário de mim,
Onde a chuva só me cai em torrentes,
Eu não estaria mais aqui,
Não estaria murcho como uma folha de outono.
Que deuses das antigas civilizações
Perseguem minha sina?
Meus amálgamas enlameados me ferem
No cerne do meu ventre aberto.
Vejo galhos encobertos com o limo
Da umidade das minhas lágrimas.
E os meus sonhos são meras fitas desamarradas
Dos meus medos.
Se esta linha paralela da verdade acudisse
Minhas lamúrias, talvez, o inverso do branco,
Fosse a tonalidade da minha paz.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Rio perdido

Nesse rio perdido,
já passei mais que noites, mais que sonhos desmedidos
procurando a curva do meu destino.
Já guardei os meus retalhos de esperança
e fiz pequenos lenços, bilhetes soprados pelo vento.
Correnteza abaixo, gotas borbulhantes
que banharam os meus dias,
quase sofro, quase chego
e o meu coração já ficou desmanchado
como a água que se espalha sobre a rocha,
um segundo do meu tempo rabiscado
por lágrimas que em mim deságuam...
Um corpo cambaleante caminha,
pés molhados e o meu rincão guardado
nessa linha tênue de vida
após o sossego: é a calmaria que me vence
rio abaixo de tristezas.

Rascunho

Olha, nem sei se aqui estarei
Num “seis” qualquer que a vida me apresente,
Nem sei se as horas são mesmo horas,
Ou se são minutos escondidos em segundos,
Momentos profundos de um estar somente
Enquanto o tempo se faz presente em mim ou em todos.
Nem sei se o poema sairá,
Se será a face do meu lado mudo,
Se será tudo durante um encontro programado
Para uma data que talvez não exista,
Que talvez persista em nossa mente
Como uma trégua da saudade que teima em reinar
Por corações absortos pela vontade de abraço,
De tato, de fato. Mas, se aqui estiver,
Irei ler um pouco do rascunho louco
Que me faço ser.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Construtor de sonhos

Aqueles lábios frios cortando o vento,
Aqueles lábios secos, ainda assim um esboço,
Um sorriso desmanchado...

Aquela pele escancarada, turva, escamada,
Aquela pele flácida, um açoite de sol,
Desafiando feridas abertas,
Chagas do abandono...

Aquela mão calejada, que tanto lhe guia,
Empurrando firme o carrinho de mão
Carregando a vida
Sem pagar pedágio de partida...

Pedras, paredes, tijolos...
A linha esticada nivelando, nivelando...
Aquele corpo é cheio de espinhos,
Saco de pano estopado...

Aquela vida brigando,
Capim ruminado pelos dias
Bocejando o desalento, aqueles pés lentos,
Caminhando, caminhando...

Confete vespertino das horas

Jogado às traças irreversíveis do tempo,
À corrosão que, amiúde, dissolve mais que sonhos,
O corpo vestindo a nudez do sorriso
Que empalidece a alma.
Que tanto busca, safra miúda, de glórias?
O pergaminho da virtude já registra, cambaleante,
O frescor vespertino da vida.
Pêndulo que cai pra lá e prá cá
Como chuva fina de aurora,
O reboco úmido desgastando a pintura
De um azul que jaz esvaidecido,
Sorriso de senhora amarelecido diante do efêmero
Engatinhar do menino.
A embriaguês das horas ruborecendo,
Lânguida e atroz, os pés no chão...
Foi falta de sorte ter mentido, que agora faz juizo perfeito,
Que não rejeita nem acolhe,
Os meus tão sem sentidos verbais,
Tão sem nexo palavrear,
Enrugada promessa de fazer ser invisível.
Meu sonhos invisíveis, meus dias marchetados,
Meu palato, minha língua,
Batucando forte, soerguendo a força.
Há de se ter fé, há de se ter esperança.
E já foi nascida antes mesmo da despedida,
A vitória, não a glória nem a robustez,
Mas a vitória caindo leve como pluma
Sobre a pele ressecada e aberta: abduso-me.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Voa passarinho

Voa voa passarinho
Voa baixo voa alto
Voa para fora do seu ninho

Voa voa passarinho
Voa sobre o meu telhado
Voa sempre de mansinho
Pois já estou um pouco cansado

Voa norte voa sul
Voa sobre o milharal
Voa em vasto céu azul
Voa para lá desse quintal

Voa que o tempo está passando
Voa que a lua já está dormindo
E a manhã vem despertando
Com essa saudade me partindo

Voa voa passarinho
Mas volte aqui para o seu ninho

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Juntar pedaços

Quando a mão se redescobre
Num leve afago e toque,
Quando aquece o ar do coração,
É papel picado que se espalha
Pra depois ser folha de canção.
Quando braços se enlaçam
Num abraço,
Quando olhos enxergam além da razão,
É recorte que forma uma união.
Quando um sorriso
Enxuga uma lágrima,
Quando uma nuvem se dissolve
Em gotas d`água,
É ser um mesmo rio de grande extensão.
Quando as palmas ecoam num salão,
Quando o verbo está num tempo presente
E as fuligens da vida deixadas para trás,
É juntar pedaços de muitas pessoas
Numa mesma mão.

Discurso do entardecer

Ainda procuro,
num labirinto qualquer,
meu verde desejo
de lembranças que,
no alvorecer da juventude,
vivenciei com
as folhas do outono.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Ela

Ela já foi doceira,
Já vendeu toalha e sapato de cristal.
Ela já vestiu abrigo, já inventou sorrisos
Em outros carnavais.
Ela já dançou a sorte,
Enganou morte e foi lenha de fogueira.
Ela já foi santa, já fingiu de manto
Pra esconder tesouro.
Hoje ela é ouro
E vende o esboço de poder ser mais.
Hoje ela está no samba
E faz uma prosa pelos castiçais,
E ilumina esses destinos,
E se equilibra em seus tamancos
Emprestando seu perfume
Vestindo-se de gérbera pra enfeitar palanques,
Pra colorir o palco dos seus tantos ais.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Cortina de vento

Feito o meu cavalo
Troteando música com as patas,
Poeira assentando com a bailarina
Que paira sob um plié,
A curva virou veloz
Levando embora aquela invenção,
Invenção de amar,
O nó que desatou o cordão.
Feito o meu martelo
Batucando prego no salão,
As pernas coreografando encontros,
Prantos de pular encantos,
O silêncio venceu a voz,
Ecoou gritos de aplausos,
O rodopio que girou os olhos da multidão.

Céu de pano

E se fosse a noite com seu céu de pano
A rabiscar sonhos com estrelas de papel?
Ela viu vidraças embaçadas
E costurou seus medos numa bolsa de retalhos
E sentiu demais, e chorou demais, e sorriu também.
E se fosse sábado, seta de Ares,
A furar com pressa o seu coração?
Passeio desbotado com mancha de sabão
Com um fundo branco: ela pegou sua mão.
A noite é fosca,
Mas clareia curiosa qualquer abraço irmão.
Ela menina subindo a ladeira
Deixando rastros do seu perfume
Insumo-cálice de embriaguês manhã.
E se fosse hoje, córrego desvairado,
Lambendo o instante tão ela,
Espalhando pedrinhas de cristal
Pelas beiradas se fazendo sede,
E ela toda rede dormindo sob um teto de estrelas
A espreguiçar seu sono, a desenhar seu sonho.

domingo, 14 de dezembro de 2008

A-mai

Pelo caminho ensimesmado
Dei voltas no vento
E vi vultos de esperança
Rodopiando minha vida
Com a luz dos pirilampos.
É uma trilha bem estreita
Essas pernas caminhando, caminhando
E nas costas uma bolsa de pano
Com bilhetes bem escritos – foi presente,
Foi presente de amigo.
Daí foi que eu colhi as margaridas do tempo,
Foi quando encontrei sorrisos
Esperando pra nascer
Como nasce um verso
De amizade e bem querer.

Marchemelo

Hoje tem pipoca na panela
E o menino cortando o vento
Com um papagaio de papel.
Hoje tem pincel pintando o sete
Tem cartaz bem rabiscado
Pra falar de carrossel.
Hoje tem menina de trancinhas
Costurando a bonequinha
Pra brincar de Rapunzel.
Hoje tem marchemelo, tem pudim
Tem sorvete e tem quindim
Tem a roda de ciranda
Com o anjo Serafim.
Hoje tem milho e milharal
Tem o grasnar do pardal
Que invadiu o seu jardim.
Hoje tem um fim que não se acaba
Um começo que desaba
Num brincar de criança
Cutucando a violeta
E sorrindo uma dança
Num voar de borboleta.

Despedida

O olhar distraído sai em busca de abrigo
para fugir da solidão
que neste instante pende sobre mim
com o semblante e o sorriso
que ficaram presos junto ao vento que se foi.
Agora, ao cair da tarde sobre o horizonte,
ouço apenas o silêncio
balbuciando tua ausência,
e, todavia, desejos adormecidos
despertando com o falfalhar dos encantos
e uma saudade
que se escancara pedindo
que permaneças em mim,
porque, talvez tu,
talvez eu,
já estejamos de partida.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Solilóquio

Tudo posso,
tudo sofro,
sou absorto,
sou findo em mim.

Sou graveto torto,
sou sopro de vento,
sou um fio de tempo
que pousou por aqui.

Segredo e jardim

Com as mãos abertas
Revelou um segredo ao vento:
o menino saudou o dia
com as mãos erguidas
e sorriu.
Com um sorriso estampado
Coloriu um jardim
E espalhou pétalas de bem-querer:
a menina disse “olá” ao beija-flor
E este se encantou
E um beijo lhe deu.
O vento se alegrou,
O beija-flor se embriagou
Com um sorriso
E o menino e a menina
Pintaram uma aquarela
Num jardim multicolor.

Canção da manhã

A manhã, vestida de orvalho,
Derramou sua alegria
Pelos caminhos rodeados de capinzais
Onde o vento varre os prados,
Onde os homens são duais.
A verdura do dia
Não lamenta o que passou
E somente faz crescer
O que, pequinino, germinou.
Com um pouco de malícia,
Viajem apressada dos homens,
Propicia verbos conjugados,
E ampara um pouco do que se perdeu,
A aurora feita de sonhos.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Carcaça das horas

A boca calada revela muito da vela que se apagou
E a chama miúda que fica acesa é forte e derrete
Como um pileque, atordoa.
A tua blusa vermelha é malha rústica,
Ainda lembro,
menina atrevida que,
de vez em quando recebia meus bilhetes de papel marché,
agora, essa aurora de verde e anil
tarda-me a ralhar a consciência.
Amiúde, envelheço com o cair da sombra do abacateiro,
E soluço qualquer remorso pelo abandono
Do que me foi largado às beiras da juventude.
Agora, rosa azul, empalideço minha hora
Debruçado sobre o pedestal do tempo
E a cera derretendo em meu corpo
A inútil carcaça da existência.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A bailarina

Arrasta os peregrinos
Um manto menino, fugaz desatino
Decifrando signos pelos pés desnudos
A pele piedade, aliança endurecida pela canção encharcada
A mão, um risco no ar, desenha alumbramento
Como uma caixa de música
A pedra tocando o pé, rigidez
E maciez que envolve num círculo.
Desata esses nós que prende por dentro
E o verso atroz do menestrel meliante, esfarele.
Seus prisioneiros estão trôpegos e livres
Cobrindo a dor com um véu de embriaguez,
Mas finca os pés no chão, sustenta,
Ora a razão, ora o destino.
Oh, vitrine da vida,
Convida teus paladinos, dança matreira,
A subir essa ladeira de pedregulhos
E joga teus entulhos no céu.
A bailarina dançando esquinas
E equilibrando cumeeiras de argila,
Vento e vestido florido,
Sorriso estampado,
Um palco improvisado pelos olhos da menina.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Quem me dera ser a flor e a vida

Quem me dera eu fosse o cerne
Que me conduz em cada passo
Do meu dia malogrado.
Quem me dera eu fosse o veneno
Que corre em meu sangue
Num fluído mais calado.
Quem me dera ainda fosse pequeno
Um sonho que em cada dia fana
A esperança da minha carne.
Seria eu meu defensor
Meu escravo e senhor
Nas horas estúpidas
E fúteis sem motivo de calar.
Quem me dera o mundo
Saindo livre do meu medo
E da minha inércia.
Eu não seria um reles mudo
Nem atiraria meu corpo
Às garras da ilusão.
Quem me dera eu fosse a pena
Que escreve os meus textos
E a palavra que reveste o meu saber
Num encontro dissonante
Entre o som e a beleza
Da poesia sem lírica e rima.
Quem me dera eu fosse um facho de luz
Nas sombras esguias que se camuflam
Na expectativa de um novo amanhecer.
Eu seria a áurea dos belos dias
E não entregaria o meu cansaço
Às mãos da ganância.
Estaria eu a sorrir junto das crianças
Ensaiando uma cantiga
Para colorir as horas meninas
No quintal da minha casa.
Escreveria um poema de amor
À minha amada
E deixar-me-ia levar pelos rumos
Da longa estrada
Que me levariam até ela.
Eu seria feliz
Se a canção que estou ouvindo
Chegasse aos corações
Mais brutos e toscos.
Eu seria melhor do que sou
Numa súbita inversão
Dos meus valores.
Eu seria a menina nua
Que posa para o artista
Numa sublime pincelada.
Seria o entardecer
Na paisagem mais encantada.
Quem me dera eu fosse um verso
Que reveste a vida dos poetas.
Quem me dera eu fosse a amor
Que emana do coração dos amantes
Mais afoitos e felizes.
Eu seria a mistura perfeita
Da essência que veste a vida
Num simples respirar.
Eu seria você a sorrir para mim
Numa junção transcendental
Entre o brilho dos meus olhos
Com esse nosso amor ardendo em chamas
Transbordando pelas beirados dos nossos corações.
Quem me dera ser a flor
E a fragrância mais sutil
De uma orquídea.
Quem me dera ser a pétala
E o pólen.
Eu seria fruto maduro
Numa grande árvore
Que me fornece o aconchego da sua copa.
Quem me dera eu fosse o vento
Entre as asas das grandes águias.
Eu seria a vida
E seria tão livre quanto o próprio viver.

Labirinto ancestral

O vento diz sobre a saudade,
Uma verdade isolada, que nos banha em cada canto.
O sonho produz em mim manchas dispersas
E faz sentido como uma libido distraída,
Dada à languidez dos dias,
Que regenera o costume, o ócio obtuso.

O belo inaugural da juventude,
Verdura cândida da inocência, quebra paradigmas de pedra.
O tamanho reduz a chance por ser apenas poeta menor,
Mas o verso, que é grande, cabe na palma da mão do mundo.
Faz sentido ser apenas mudo, ser sujeito imperfeito.
Poder-se-á ganhar algo notório, ilusório?

O sentido de tudo, apenas fuga da razão, está no amor.
Sentimento forte para alguns fracos,
E fraco para alguns fortes.
Paradoxos ancestrais das madrugadas vazias,
O parco brilho da noite.
Sobre o tempo, o tijolo da existência
Que cadencia o retrato no reflexo do nada.

Justificai, oh amores impossíveis, minha rudeza.
Salvai meus pesadelos da morte aniquilada.
Levai cada cidadão do mundo a receber um cálice desse veneno,
Sumo pequeno, da acidez de cada verbo.
O desleixo é o capricho desse estilo tão banal
E superlota meu coração com uma vontade de rasgar
Cada palavra com os alfinetes de significados
Que elas, meras escravas, produzem sem nenhum sentido.

Amor e saudade é o que me banha, é o que me enlameia
Durante meu passear pelos becos sem saída
Desse labirinto de lampejos chamado vida.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Preferência

Prefiro ir por ruas
de grandes movimentos,
por becos e alamedas,
que é quando vejo a poesia
caminhando junto das pessoas

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Delírio

O que acontece
Quando a água fria
Desce
Pelo corpo
E abre estrias
Na pele em arrepios?
Há! Há! Há! Há! Há!
RIA!

Desperte este corpo estático, vibre e esvoace a fumaça que embaça o espelho. Não dê conselhos nem fale verdades das quais não acredita.

Vibre, sacoleje a pele pelo ar vão no vácuo do banheiro. Sinta o cheiro de âmbar-pele-coração que emanar dessa energia de lavar-se mutuamente com suas mãos, com sua vontade.

Os olhos fecham!
Medo!
Escuridão!
Por que você roubou minha visão?
Eu estava sujo,
Eu estava quente,
Você tirou-me a semente
Que germina em mim medo, desvario,
Proteção de coisas tais.

Eu não sou covarde. Arda-me a boca, me toque as vísceras estranguladas pelo meu medo, me conte um segredo nesse enredo perspicaz. Mas não jaze em mim pelo abandono, desentupa-me cano enferrujado, tão tenaz, tão desumano.

Sou o que você queria
Ria-me
É minha solidão.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Olhos de sal

Senta-se no banco,
Olhar desconfiado.
Sua boca derramando água,
Seus olhos de sal,
E o encontro da solidão,
Um pedaço de pão amanhecido
Com o vento que balança
Os brotos e as brácteas
das flores e capim crescido.
O tálamo da labuta
Estendido no chão,
Grosso e rude,
Embrulho que rege a vida cotidiana,
Homens armados de consumo.
Boca e pele, sede...
Argue uma dor,
Peito confuso e dilascerado,
Boca e pele, suor...
Olhos de sal,
Corpo de aço,
Alma de fel,
Vestido de carrocel
Com um cálice nas mãos...
O mundo girando e girando,
Fornalha que consome por dentro,
Os meninos piratas já roubaram seu lençol.
Resta-lhe apenas um teto de nuvens
Num abrigo de outras gentes.
Olhos de sal.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Vou...

Vou procurar o meu rumo
vou ser esse absurdo sem fim
esfacelando meu coração
por caminhos desconhecidos,
procurando um abrigo
em pessoas descompromissadas com o mundo
vou ser barco e vela,
vou ser vento e tempestade,
vou atropelar minha quietude
e escancarar a cara na rua
em virtude da sua procura,
vou ser aventura,
ou ser a cura para qualquer desprazer
que eu não mereço
vou ser qualquer coisa triste,
qualquer coisa alegre,
um respingo de tinta,
uma infinita aquarela,
vou ser pleno em desmedida
eu vou ser o dono da vida.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Interlúdio

De princípio vem o poema
Depois o título,
Assim como pessoas
Que primeiramente nascem
E depois se tornam Mários, Cecílias,
Fernandos e Clarisses.
E a poesia é qualquer coisa assim
Que não chega nem vai embora,
Não nasce e nem finda,
Está por aí no meio disso tudo
Como um interlúdio
Que, às vezes sorri,
Às vezes chora.

Lânguida noite

Se hoje esqueço
Que o que se faz se fana
E enrijeço a alma
Como uma tábua plana

Eu me vejo
De volta
no cerco
Desse meu triste berço

Mas o que eu quero mesmo
É apenas voar
Como pequenos vaga-lumes

Na languidez das horas
Pela vastidão da noite.

Poema abandonado

De dia
vou pela sombra
colhendo um abrigo
em qualquer calçada

De noite
sou puro alvoroço
de sonhos
tão derramados

De tarde
é quando me descubro
ausente
no efêmero de um horizonte

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Palco das horas

Estava lá
No palco das horas
A menina a sorrir
Fita nos cabelos
Com seu sonho de orvalho

Desencantada tarde
No alvorecer dos minutos
A festa dos bem-te-vis
Como marco do que já passou

Estava lá
Procurando um abrigo
Desperdiçando instantes
E colhendo sorrisos

Esfacelada manhã
Como quem triste não chora
Já foi tanto do que espero
Que o que restou é poeira e verniz

domingo, 30 de novembro de 2008

Poeta alado

Como amora madura
Segui pelo acaso
Fui minha cura
Quando me senti raso

Eu, mero inocente
Cambaleando sem rumo
Encontro minha gente
Distante, me consumo

E essa fé que em mim mora
Que agora é tão confusa
Como um sorriso de senhora
Que se reconhece como musa

Só me faz sentir senhor
Com um pouco de cuidado
Eu, poeta sonhador,
Escrevo meu verso alado.

sábado, 29 de novembro de 2008

Coisa de amigo

Um amigo

não se deixa escondido

como um retrato pendurado na parede,

esquecido.

A um amigo

se faz companhia

com o que há de mais discreto

no caminhar:

dar-se-lhe-á a mão

mesmo em momentos de silêncio,

um abraço

mesmo quando recusa,

pois esta quererá sempre dizer sim.


Ponteiros

Sob a espreita dos ponteiros

uma folha de papel no rosto trazida pelo vento

uma mensagem de saudade

escrita a mão em letras borradas

traduzidas num encontro casual

versos sem rima que dizem

o quanto é bom ter você

rodando comigo nessa ciranda de ponteiros

onde os segundos correm mais rápido que os minutos

e descobri o quanto é bom amar você em mim

com o silêncio da vida me dizendo baixinho:

não desperdices nada desse carrossel.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Desavesso

De um lado, os olhos caindo
e se escondendo no chão
A piedade visitando quem chega
com um lenço de papel
pra embrulhar um pedaço de pão
teto de nuvem cobrindo calor e vergonha
De outro, a mão estendida,
Não a de quem fica
Mas a de quem vai em despedida

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Equinócio

De repente,

janela aberta,

o vento lá fora soprando distante

e uma folhinha de saudade,

caindo em graça,

me fazendo lembrar

seu sorriso mais brando...

domingo, 23 de novembro de 2008

Para fora do quintal

Ás vezes, criança esquecida
numa rua qualquer, sob o susto de me perder,
sob o medo de me despegar dos meus,
consigo encontrar minha única morada,
meu consolo, minha rigidez.
Talvez pecasse por não me desenrolar
desse novelo cinza e colorido em que me enfiei.
Fui mais que um filhote desamparado,
fui mais que um menino fazendo serenata
para as manhãs quietas
quando me afastava das cirandas, dos pega-pegas,
quando o vento me soprava para as pedras,
para as caminhadas pelas trincheiras à busca da solidão.
Verdade que conversei com passarinhos,
verdade que pousei nalgumas árvores
e me fiz cidadão antropofágico num tempo inocente.
Comia todas as dores e saciava minha sede
com o sangue derramado por séculos.
Eu sentia isso, eu sentia beleza no amanhecer
e tristeza no crepúsculo.
As chaminés vomitavam as lágrimas das árvores
que crepitavam em minha cozinha,
e eu sentia isso, eu comia isso.
Eu acreditei que, quando amora madura,
eu me curasse dessas feridas.
Tarde demais, não se cura ferida aberta n`alma.
Não se cicatriza ferimentos causados por espinhos de rosa.
Talvez, ao sorrir, a menina que alimentava minha esperança
e que brincava escanchada em minhas costas
me dissesse que a vida era assim mesmo.
E ela ainda diz. Mas teimoso,
eu desejava andar sempre na contramão das coisas.
Desejava manter-me distante
de qualquer forma de perfeição
das coisas simples que eu, estúpido,
acreditava que me trariam para mais perto
de onde nunca desejei estar,
mas que nunca consegui fugir.
Eis me aqui, mãos de calo, proletário,
tentando fazer uma poesia que me traga
para mais perto de mim. Não consegui fugir.
Esses versos trôpegos fazem-me verter um pouco
de lágrimas quando lembro que ainda como dessa carne amarga
que há pela extensão do meu corpo nos meus tão tristes,
nos meus tão perdidos.
Agora, verso crespo, rústica rima,
arte invertida para que a vida tenha mais sentido,
vou-me indo, lento e sem rumo,
como vaga-lume que desbrava a noite
e faz sorrir qualquer criança que tentar sair para fora do quintal.

Insosso

Desejei minha cama
Ao sair pela rua
Quero a chama
Dessa vida sua

Meu apelo
É voar como as mariposas
Quando, homem desmazelo,
Fizer-se calar o silêncio das esposas

Deixar cair no estio
Da madrugada
O seco frio
A dor instalada

E transparecer insosso
Mais um verso
Nesse osso
Nesse ardor inverso.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Nunca se deve confiar

nunca se deve confiar

em quem nunca namorou uma rosa

em quem nunca

de repente

se viu numa prosa

com um beija-flor

sob o olhar vazio de um jardim

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Um Jazz

Na curva da noite
A ausência mistura, pouco a pouco,
Nostalgia e tristeza
E o meu rádio sintonizado numa faixa dos anos 20
Tocando um jazz,
Meus pés esboçando uns passos,
Dois prá lá dois prá cá,
E o relógio marcando o compasso,
Tic tac, da minha vida de senhor fora do tempo,
Sem chapéu nem bigode
Para ser nenhum importante,
Apenas imaginando como seria
Se eu te convidasse para dançar.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Blusa de malha

Escuto, à surdina da noite,
Sussurro e vento que desliza de teu lábio sôfrego,
Espelho da hora que atravessa a angústia
A molhar minha boca com um beijo: presente.
Um bip de mensagem sacia o desassossego,
Convoca-me, me dita o rumo,
O caminho em que irei me perder
Pelos labirintos do teu corpo,
Pelos sabores dessa magia impregnada de suor,
De odor, de pele, de nudez e carícia.
Guardo dessa nossa troca
Um esperar ansioso para que um bip
Surpreenda-me de repente
E, dissolvido, teu cheiro cristalizado
Numa lembrança: teu olhar dizendo satisfação,
Teu repouso sobre mim
E o abraço que ficou no laço do nosso corpo,
E a vaga imagem, em abandono,
Da minha blusa de malha cinza e fria
A registrar a nossa troca de energia
Que acontece, quase sempre,
Num êxtase perfeito.

domingo, 16 de novembro de 2008

Sempre longe

O poeta está sempre longe

Por isso sofre

Por isso é amigo do vazio


O poeta está sempre longe

E sente fome de abrigo

E sente a pele em lacuna


O poeta está sempre longe

E enxerga por sorrisos fechados

E visita por endereços perdidos


O poeta está sempre longe

Mas não longe na distância

Está sempre longe no tempo

sábado, 15 de novembro de 2008

De fundo branco

Andar na pista nu

Na noite muda

Onde a vista alcança

Conversando com o silêncio


Vestir as lágrimas da lua

Que servem como lembrança

De um dia que já passou

Beber o sereno

Para saciar a sede de embriaguês


Colher um sorriso desamparado

Que é só um anfitrião da madrugada

E que tem como melhor amigo

Um vira-lata cortez

Desses que assassinam a sorte

Seguindo um rastro desventurado


Estou limpo da verdade

Que persegue o lúcido pelas abas do dia

Estou vômito

Estou sóbrio

E tenho como companheira

A deselegância de morar na solidão

Quase seco

A gente percebe

quando bebe demais,

é quando o corpo fica entregue ao equilíbrio

das emoções,

é quando as pernas começam

a pular amarelinha numa rua quadriculada

de paralelepípedo

e um gole,

quase seco,

de conhaque

resolve umedecer um homem,

Quase seco,

com alguns bilhetes rasgados

que ficaram guardados

num rascunho de lembrança.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Do contrato da palavra

Não cabe no rascunho de um poema

A hipocrisia de amar o diferente

Não cabe um sorriso rabiscado

Para mostrar o contentamento pela vida

Quando por trás do lápis

Há uma lágrima querendo se mostrar

Não cabe no verso

A rudeza

Nem a fraqueza

Nem o desamparo

Cabe apenas a deselegância de uma rima pobre

Com a verdade mais cristalina

Que o poeta quer dizer

Que um apreciador sabe desvendar

Na medida certa

Com o tom e o som da palavra

Traduzida em emoção

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Viagem

estou voltando para mim

voando baixo pelo teto da minha serenidade

estou fugindo de estardalhaço

fazendo laço com o que preciso entender

estou esquecendo que já chorei

que já machuquei meu coração com teimosias

com estripulias rasgadas e frias

estou perecendo por não desejar teus suvenires

que te vestem dia após dia na estrada escorregadia

que caminhas sem perceber

estou querendo me encontrar no botão de uma rosa

e fazer prosa com um colibri de estação

estou sendo este vão que se abre

entre a distância de um abraço inesperado

entre as ondas de um mar bem desmanchado

domingo, 9 de novembro de 2008

Foi assim:

Descobri que preciso me aperfeiçoar

Quando uma lasquinha de madeira espeta minha mão...

Não é para sentir dor ou deixar de sentir,

É para colher do imprevisto alguma ação que me leve a sentir que estou aqui

Participando dessa poesia irrestrita do dia-a-dia.

Descobri que me afeiçôo sem perfeição do meu tato para coisas belas,

Mas sim pela singela ocasião de me tropeçar sempre n`algum acaso

De alguma pedra rude em meu caminho ou cair n`alguma poça de água rasa

E chutar o desamparo da sorte para bem perto do meu deboche.

Foi assim que resolvi transformar meus tormentos em palavras.

E se alguém encontrar alguma poesia nisso tudo, não foi eu quem a fiz,

E sim o que já está feito por aí é que resolveu se mostrar

Ao primeiro anfitrião que deixar sua janela aberta.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A Palavra

A palavra desavergonhada, nua, escachada em deboche

É um broxe que acompanha em momentos de vinho tinto e sede.

A palavra agridoce, lascas de fel, tributo ao mel

Que nalguns há sem demora é vitrola e espinho.

Quando alguém de repente se esbarra no destino sem lugar algum para chegar

É um pedido muito Cortez de desculpa.

A palavra imputa, chora, mora e viaja lentamente

Pelos abismos das horas mais silenciosas.

Uma árvore nasce e se mantém muda durante um piscar de olhos,

A palavra se instaura como uma árvore inquilina da terra

E mora em nós e se torna nossa porta de entrada e saída.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Elo

...e ele resolveu descascar mexerica

e ficar observando ela tirar cutículas das unhas.

Ela fica bonita assim, toda vez que está distraída,

e quando seus olhos se fitam, nem mesmo o relógio se mexe,

nem o peixinho no aquário se move,

apenas o instante parece inundar no tempo

e nos olhares enternecidos.

Ela é de fevereiro, ele de janeiro,

mas são do mesmo signo

e compartilham uma devoção ao amor despreocupadamente

quando não se precisa de bilhetes,

nem de palavras,

somente o olhar para dizer o que se sente.

domingo, 26 de outubro de 2008

Quando eu aprender a amar...

Quando eu aprender a ler as estrelas,

Quero ler um pouco de você para poder descobrir

Um pouco do amor que eu ainda não aprendi.

Quando eu aprender a ler o amor,

Quero aprender também a guardar comigo

Sempre o melhor para lembrar depois

E ficar aqui pensando, pensando...

E assim, vou ficar sorrindo como você sorri,

Pois do amor que há em você

Eu apenas sei que é assim: colorido.

Quando eu aprender a amar,

Quero deixar bem claro para mim mesmo

Que poderei amar um milhão de vezes,

Mas nunca amarei do tamanho e do jeito como amo você.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Descoberta

Quando eu era criança construía um sonho com as mãos ao fabricar meus próprios brinquedos. Agora, crescido, descobri que não posso mais construir meu sonho com minhas mãos, pois não depende somente delas nesse complicado mundo adulto.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Mediocridade

Certo que nada faz sentido
Quando tudo é papel rasgado
Tudo é fino como lustre e verniz
A poeira se levanta e abaixa
E apaga os passos de quem pisa com firmeza

Certo de que por mais que o corpo se canse
Mais que a canção volte a tocar do início,
O risco torna-se um riso enfraquecido,
O fado um lençol desbotado
Que já não cobre os pés numa noite de verão

Certo, não mais que certo
Que haverá sempre um amigo de alguém
A preencher o vazio onde desejamos estar
E perguntamos: porque precisa ser assim?
Mas certo mesmo é que um ovo de galinha vende muito mais do que um de pata,
Pois a primeira sempre oferece a quem precisa
Quanto que a segunda se mantém intacta na sua qualidade
De deixar que a procurem.

sábado, 18 de outubro de 2008

Casulo

Não sei escolher meu rumo
Quando estou acostumado a seguir
Os passos invisíveis do meu próprio eu
Caminhando para um lugar infinito,
Escolho apenas me deixar levar
Como folha que flutua livre e leve
Pelo vento.
Se eu fosse apenas pensamento,
Seria uma escada sem degraus
Que não sobe nem desce,
Apenas flui, e, assim,
Convidaria-me a morar em mim como
Vespas que moram num casulo de algodão e de seda.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O homem se faz...

O homem se faz tamanho
Cada dia que a hora corre
Seu figurino é vestir suas verdades de um tempo a outro
O homem se faz espanto
Quando de repente seu amigo mais vaidoso
Se dá conta de que o cansaço
Já está refletido em seus olhos brilhantes
Uma canção para morder as páginas desbotadas
Um sorriso pra comemorar os suvenires de uma alvorada,
Talvez passada, talvez iminente,
Com a certeza mais debochada
Que só faz sentir que vale mais a pena
Por outras horas mais ou menos cansadas
Mas não menos almejadas que é estar aqui
O homem se faz...

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Flores e sorrisos

Faça um favor com um sorriso
E diga obrigado com uma emoção escancarada no rosto
Em tom vermelho, em tom de alegria
Pois contentamento tempera o dia de quem te recebe
E de quem te concede o prazer de uma boa conversa
E tu ficas mais jovem
E a beleza tão almejada desabrocha num brilho de olhar
Não te ofereço uma receita de bem viver,
Apenas percebo que o mundo fica mais colorido
Quando as flores se respeitam e se completam num mesmo jardim.

Diálogo

Escrevo para esquecer minhas distâncias, para alcançar minha lembrança que um dia fora tão azul. Escrevo para diminuir minha dor de lembrar sempre que estás tão longe... Para esquecer que a ausência sabe dizer exatamente o tamanho da minha solidão. Escrevo, de antemão, para lembrar de mim num futuro onde eu não perceba mais quem sou, para me fazer safar das agonias que encontro pelos labirintos espalhados por sorrisos fleumáticos, por lágrimas vis. Escrevo para dizer a ti que me lês, que aqui onde estou não é melhor do que esse teu lugar tempo onde vives, para dizer que o passado é uma bobagem que plantamos no nosso imaginário, para dizer que o que importa mesmo é desenhar o melhor momento da tua vida aí mesmo, nesse exato instante, com o que tens de lápis e pincel nas mãos. O futuro não existe - o passado é apenas esse agora que teima em se distanciar de nós e nos empurrar para algum lugar que vai dar sempre onde estivermos com uma diferença de que estaremos com os olhos mais cansados. Sendo assim, escrevo para te pedir que esqueças tudo e viva.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Só para dizer bom dia

Acordo cedo
vento derramado sobre o rosto ainda sonolento.
Lençol amassado e as mãos esticadas contra o ar: preguiça.
Minha janela vazia se abre e me escancara o dia,
o café coando invadiu meu esconderijo,
foi quando lembrei que sonhei um sonho bom
e os segredos da manhã se fizeram revelados:
ontem, antes mesmo de dormir, você já tinha me despertado,
agora - talvez feliz - talvez confuso,
só me resta dizer: bom dia!

domingo, 28 de setembro de 2008

Para você dormir

Talvez, tão longe e tão perto de mim,
Seus olhos vejam o que eu não consigo ver.
Talvez eu sofra pelo que ainda estar por vir
E me faço, assim, tão distante do amor que nem sequer conheci.
E se pensar assim como eu, então somos dois corações
Perdidos e encontrados por razões inexplicáveis.
Estive pensando: acho que sou cético e creio que também seja.
Mas tenho cá minhas dúvidas,
Pois no dia em que não houver mais exceção para as regras,
Então, teremos a certeza de que o sonho acabou.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

E o que é isso?

A face escorrega o vento bate alerta a flecha breca o ombro que para o sorriso foge
E o que é que há? O corpo abandono no sóbrio sobrado cansado vida desmedida
Minha mentira está rouca minha boca está seca minha pele esta madura como parafuso que não se enrosca mais como rosca que não prende a perna desmazelada a boneca calada
E o que é que faz a montanha mudar de casa para proferir verdades sobre nós?
O foco a foto na medida certa a palavra incorreta escreve mais do que o til que acentua a tônica paroxítona do lápis o cartaz que faz o desenho percorrer o fio a fino traçado que laça a imaginação da gente e sente uma vontade de ser somente dono da beleza a incerteza que corrompe a serenidade do virtuoso do real valor que pode ser mais do que o cobre o ouro a prata a ferrugem que corrói o osso da insanidade o beijo o furto o desejo sem razão que dá a única razão de existir somente para sermos mais felizes

domingo, 21 de setembro de 2008

Sempre

Estou vasto e vago
Refém do acaso
Como um afago
Num sentimento raso
Que não aconteceu

Estou à beira de derramar
Miçangas espalhadas
Um veto do meu mar
Faces espelhadas
Pelo destino que me roeu

Estou pronto
Enfim, sorriso breve
Um encontro
E o desejo de que me leve
Para perto do teu abraço

Encontro-me escondido
Nalgum canto sem sentido
E perdido no encanto
De teus lábios
Onde desejo estar
E permanecer sempre.

sábado, 20 de setembro de 2008

Mariana

Hoje, minha saudade foi tamanha
Vesti o pijama,
Calcei minha chinela
E fiz um colar com alguns anéis
Que guardei de outros instantes
Hoje, a panela queimou sozinha
A comida que tentei cozinhar,
Pois meus pensamentos fugiam e fugiam
Como floquinhos de algodão lançados no ar.
Acho que é saudade,
Acho que é vontade de te abraçar.
Mariana, deixa de manha e vem me visitar
Pelo menos de vez em quando,
Assim, quando eu estiver distraído.

Rastro

hoje eu me enchi
dum pouco de mim que anda espalhado
por ai
me enchi da ferida feroz
que morde meu corpo
que fura meu coração e me deixa medroso
uma janela aberta assim
embaixo dum telhado sem parede
é uma proteção que me faz um astro brilhando no céu
estrelinha cintilante
que já deixou de brilhar faz tempo
e eu, rastro sem cometa
meti meu nariz onde não fui chamado
e agora me vejo estranho
nesse lugarzinho chamado mundo
espero que, pelo meu tamanho
eu possa me caber dentro de mim
pois não sei se eu me caibo aqui

domingo, 14 de setembro de 2008

Papel de pão

Hoje pela manhã
Calcei minhas chinelas
Entrei numa camiseta azul
E meti a cara na rua

Andei meus primeiros passos
E vi estampada na cara do dia
Mais uma teimosia
De a vida me sorrir

Agora, fim de tarde
Voltei para casa
E, vestido de saudade
Espero o tempo me levar até você

Para rabiscar
Numa folha de papel de pão
Mais um versinho
Dessa nossa amizade

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Lençol em branco

Será que o labirinto da vida
Nos abrirá novos túneis de ligação
No futuro?
Ou será que o sonho do presente
É apenas um sonho que já passou?
Saí no quintal
O sol batendo em minha pele
Aquecendo como um lençol em branco
Numa manhã de quase frio
É a única beleza que consigo aproveitar
Nesse agora.
Desejaria que esse calor me aquecesse
Depois de amanhã,
Desejaria não estragar minha esperança,
Nem me castigar com as lembranças,
Mas a única água que posso beber
É essa que me passa em corredeira
E que vem de encontro a mim.

domingo, 31 de agosto de 2008

Corpo banhado

Será que nosso corpo esfria quando a água quente deixa de cair?
Esse chuveiro envelhecido,
Água morna no verão
Queima a emoção da gente.
Esse chuveiro desgastado,
Quando frio,
O vento lá fora assaltando a nossa pele em arrepio
Veste ainda mais em tremedeira
O corpo ferido e arrepiado
Dentro de um banheiro suado
Embaixo duma água infeliz.
Será que nosso corpo aquece com outro corpo banhado?
Esse nosso corpo pelado,
Quando se cola noutra pele desnuda,
Enche mesmo é de vapor
Que vai saindo pelos poros,
Tudo junto suado,
Um calor de incendiar.
Quando nossa pele é atrito,
Nossa boca é refúgio de línguas desvairadas,
Nosso corpo é fusão,
Nosso banho, nosso cheiro, nosso encantamento...

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Cidade estranha

Caminho pela calçada
E o tempo se estende
Tropeçando por um instante
Em paralelepípedos deslocados
Uma toalha de esperança
Estendida no chão

Atravessar a ponte
Com um vento frio
A sorrir no horizonte
E a pernas tremem um medo
Coadjuvante
Um medo de auto-falante

Fugir da ausência
Das pessoas em multidão
Atingir a solidão
Com a companhia mais discreta
De um vira-lata viajante

São versos espalhados no ar
Caídos de alguma estante
Ressurgidos n`algum coração vagabundo
A cidade estranha agradece

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Descoberta

Descobri que não posso viver mais nenhum segundo sem a poesia. A ela submeto meus dias, minhas horas, o vulgo dos sentimentos que são efervescências em ebulição. Por ela sou retalhos em farrapos esperando ser costurado pelas palavras inventadas que se tornam meu sabor mais agradável num curto espaço de tempo. Essa efemeridade no berço da poesia me faz um insano em desmedida, me faz cutucar as palavras com as pontas dos meus dedos perdidos e loucos num teclado escravizado. A poesia é o meu ninho, é onde me aqueço e me esqueço de mim mesmo. É assim mesmo que a vejo: livre, leve e bonita como uma criança faceira escondendo num olhar inocente a próxima traquinagem.

Necessidade

...é o que sinto
Assim
Quando minto
Até mesmo para mim

É o que percebo
Retrato envelhecido
Quando acordo cedo
E me vejo vencido

É o que escrevo
Papel amassado
Em auto-relevo
Meu dia passado

É o que me faz
Em respiro triunfante
Como paz
Para seguir adiante

É o que preciso
Uma folha em branco
Um sorriso
Você sem tamanco

De repente

De repente,
Sou sombra e vento
Fugindo um pouco
Do brilho do teu olhar.

De repente,
Bate um frio
Em meu coração,
Fico sentado no chão
Olhando as formigas passarem.

De repente,
Meu silêncio ouve minha solidão,
Percebo o quanto sou fraco,
O quanto me deixo levar
Por poucos instantes
Que ficam guardados
Nessa caixinha
Que é o meu coração.

Janela vazia

Assim mesmo,
além do vento,
como espigas
abandonadas pelos grãos,
somos essa sem razão,
essa nudez de emoção...

Impura certeza
donde nos varre
somente pelas cerdas
de uma vassoura desgastada

Assim mesmo,
janela escancarada,
de vez em quando
o horizonte vem nos visitar
para nos morar numa beleza
quase vazia.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Amor telepatia

A melhor forma
De amenizar minha dor
Não sentindo tanta saudade sua
É distrair meus pensamentos
Com outras coisas
E não ficar pensando
O tempo todo em você.
Por isso não ligo
Nem escrevo.
Apenas me atrevo
De vez em quando
A visitar seu coração.
É quando você decide
Que devemos nos visitar
Por bocas e pele.

Eu profundo?

Eu tenho uma mania de ser profundo. Uma amiga me disse que é porque sou poeta. Às vezes, tento dissimuladamente, mudar um pouco o meu jeito de escrever. Aí começo brincando com as palavras, despejando-as pelo papel sem nenhuma intenção em falar nada em especial. Nada de falar de amor, nada de falar da nossa reles condição de ser, de agir e interagir no mundo. Daí, quando vejo no final, ta lá um poema um tanto intenso pelo meu gosto. Minha amiga me diz: “ai, lindo (ela sempre me chama de lindo, não que eu seja, mas é uma forma carinhosa de nos tratarmos. Eu também a chamo de linda, nesse caso é verdade), você é assim e pronto”. Eu fico parado com o olhar distante penetrando para além da pintura das paredes. Um monte de coisas se passa pela minha cabeça. Nessa hora vem uma crise de identidade emocional. Sou profundo ou sou apenas um reles mudo que não sabe se o que eu tento dizer é o que sinto? Fico perdido, na verdade, fico iludido comigo mesmo. Pois sinto um monte de sensações. Meu estado de espírito é sempre extravagante. De vez em quando sou um menino que sorri timidamente para a vida como uma folhinha amarela que cai depois do soprar do vento. Mas também sei escancarar uma gargalhada escandalosamente quando assisto a alguma cena de comédia do dia-a-dia. Na maioria das vezes sou mesmo é calado e contemplativo. Eu juro que não desejo ser tão profundo, mas no fundo acabo sendo. Por isso não arquiteto nenhum poema, por isso não traço nenhum roteiro para entrar em cena como algum personagem que eu mesmo crio.

Ventania

Ainda que o vento sacoleje minha vida
É certo que sairei melhor da ventania,
Pois meu coração estará
Misturado com um tanto
De sensações
Em que as tristezas pelas perdas
Só me farão querer seguir ileso.
Isso é bom, é um prelo que se faz
Reinventar a cada dia em nossa pele.

Atitude

Balançar o corpo
É fazer um apelo à vida
É fazer justiça com a própria pele.
Descobrir num noticiário de jornal
Que o presente está pior que o passado
É renovar em si mesmo
O espírito de liberdade
E cutucar com as sandálias
As poeiras estagnadas da mesmice.
Fazer um dueto na próxima estação
Com o amigo mais inesperado
E entregar-lhe um bilhete
De boas vindas
Faz-nos meros cidadãos
E a postura pode ser
Um convite a caminhar despreocupadamente
Por qualquer calçada sem ladrilho.

domingo, 24 de agosto de 2008

Incógnita

Quando o mundo para,
Somos anel sem dedo buscando alguma caixa solitária para nos guardar.
Quando o presente sente-se distante,
Buscamos algum diamante do passado para sustentar a nossa solidão.
Nosso mundo é sempre fuga da estação, é sempre um olhar eqüidistante
Para outras senhoras horas sentadas n`algum lugar do futuro.
Quando sentimos medo do escuro,
Buscamos sempre estar em cima do muro como uma medida de emergência
Para sairmos ilesos.
Podemos ser coesos, podemos ser um esboço de sermos liberdade,
Mas somos sempre indefesos quando se trata de sermos livres de nós mesmos.

sábado, 23 de agosto de 2008

Amor pássaro

Pássaros cantam o amanhecer
como manifestação de liberdade,
como entrega para a vida.
O amor é assim:
eterno pássaro
que pousa em nosso coração
e faz ninho em cada estação.
Depois nos convida a voar
resvalando no vento
suspiros de embevecimento,
resgatando do medo
fiapos de coragem:
só então some na imensidão do ar,
só assim se entrega ao infinito de amar.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Poema sem razão

Para matar a criatividade,
Basta passar dias e dias procurando uma palavra para traduzir o que não se traduz.
Há coisas que dispensam um embrulho, uma roupa...
O óbvio está mesmo é na disposição sem nexo
Das idéias numa velha folha de papel de pão.

O filósofo e o poeta

Gira o mundo inteiro para encontrar
Explicações complexas em coisas simples: o filósofo.
Não procura explicação alguma,
Sente as coisas como são
Mantendo-se com os pés no chão
E a cabeça nas nuvens: o poeta.
O filósofo se chateia,
O poeta devaneia.
O filósofo descobre tanto que descrê de si mesmo,
O poeta inventa tanto que acredita ser verdade.
E essa verdade descoberta ou inventada
É apenas o inquilino, vulnerável ou sadio,
Que vive no âmago de cada um.
Se você é filósofo ou poeta?
Depende da sua visão macro ou micro do mundo.
Lembremos que ambas são infinitas.

Para ter o mundo

Para ter o mundo,
Independente de consistência,
De tato, é preciso abrir os braços e abraçar o sol,
Abraçar o ar que está o tempo todo em redor,
Abraçar o calor das pessoas.
Para ter o mundo,
É preciso carregar o tudo no menor espaço possível,
Colecionar sorrisos nas estações de trens,
Distribuir uma alegria despreocupadamente.
Para ter o mundo,
Basta ter as pessoas dentro do peito
E fazer-se estar em todos com o jeito mais natural de sorrir
E se permitir a chorar sem nenhuma culpa.
Para ter o mundo
É necessário ir fundo nos jardins vários de todos os povos
E colher uma flor de cada cor
E deixar uma pétala de si como um presente sem embalagem,
Como um espelho sem reflexo.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Presente de amigo

Não te trago uma rosa como um presente romântico,
Não te trago um envelope com cartão,
Não te trago uma fita em cetim como um laço de embrulho,
Não te trago um suvenir de estação,
Não te trago um não disfarçado num sim,
Não te trago um fim esculpido num sorriso forçado,
Não te trago uma esperança maculada,
Não te trago versos decorados.
Trago apenas a certeza de que eu estou aqui,
Se quiseres, podes me tocar, podes me sentir.

Ebulição

Teu cheiro fresco derramando sobre mim
Uma vontade voraz de vestir teu corpo febril
E escancarar minha nudez como forma
Mais sensata de acalmar
Teus lábios trêmulos sobre os meus.

O sorriso e o vento

Certamente, às vezes, sou impaciente:
é que um menino esperneia dentro de mim
para chamar a atenção para as coisas simples e belas
que ele consegue fazer
com um simples sorriso.
Do contrário, e quase sempre, sou calmo como o vento.

As coisas distantes

As coisas distantes
São melhores convites
Para as forças cansadas,
São melhores amantes
Para as paixões desgastadas,
Pois assim como um farol
Guia os viajantes do mar,
A luz da lua é fino rol
Para o poeta que deseja amar.
Ah! As coisas distantes...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A porta

O medo bate em minha porta:
não creio simplesmente que seja possível,
Pois parece que alguns frutos,
Dos quais não desejei comer,
Vieram nascer em meu jardim em outras primaveras.
Eu tento espantar, tento dissimular
Para poder beber um pouco dessa água tão doce.
Eu te ofereço meu endereço,
Minha morada
E a eternidade de um instante:
a entrada é a porta do teu coração.
Um conselho:
voltarei sempre para casa enquanto guardares
As chaves.

Aprender a voar

A melhor liberdade
É aquela em que nos permitimos ser livres
Como bolhas de sabão que se quebram na palma da nossa mão.
A pior prisão é aquela em que nos mantemos fechados
Para as coisas boas que nos podem acontecer se assim deixarmos.
Confesso que sou tão tomado de medo quanto o mais incrédulo,
Mas tento lutar contra essa força voraz que me toma o peito.
Às vezes penso que não tenho jeito,
Pois sou imperfeito sujeito do mundo
E tenho uma teimosia de acreditar no infinito
- Penso: o que vale realmente a pena?
Podemos ser viajantes da eternidade,
Podemos flertar com as verdades
E tropeçar de vez em quando nalguma mentira que nos tira o sossego,
Mas ainda assim somos filhotes de passarinho desejando aprender a voar.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Fruto

Fruto próspero e maduro
Durando o tempo da verdade vermelha,
Embrulhado em papel de seda,
Serve de presente,
Transforma-se em grão-semente
Quer germina e faz tombar a nossa fome.
Fruto que causa o furto da dor
E mistura somente amor
Quando todas as mãos seguram,
Todas as bocas salivam
O sal saboreado da sua carne fresca.
Fruto... Umedeça-me,
Esteja em mim como um horizonte
Demorado numa tarde de verão.

Fé vermelha

Sobre um mar de agonia,
A panela fria fritando a espera de cozinhar as pedras que estão no caminho,
Mas escondidas.
Sobre um arreio de boi,
Os forasteiros ganharam o mérito das horas,
Foram nossas senhoras que nos trouxeram até aqui,
A fumaça ebulindo a abolição de muitas páginas rasgadas que ficaram para trás.
Sobre as palavras que vingaram,
A dança fez-se latente latejando o coração da gente
Como um tambor que profere a fé ferindo os nossos ais
Como auroras verdejantes de um tempo de outrora
Em que o cetro de nossos reis era feito das nossas riquezas:
muitos filhos, muitas mulheres.
Sobre nós,
O desassossego, a distância, o ermo,
O espelho mostrando uma face que não temos.
Queremos apenas o direito de uma página em branco
Para escrevermos a beleza de uma história que tentaram assassinar.
Queremos apenas caminhar nos flancos de uma vida
Com a autoridade necessária para decidir permanecer,
Participar ou desvanecer como rosas que murcham depois de um ardente sol.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Flor Amarela


Flor amarela, flor singela de um pouco vermelho
Veste minha vida
Como um espelho e sorria sempre como um sol colorido
Flor amarela, por dentro azul, purpúrea essência que derrama e mim
Não se esconda, não murche teu esplendor
Pois sou todo dor, sou todo amor
Que teima em morar em nossos corações
E se desejar florir sempre em meu jardim,
Entre que a porta do meu mundo está aberta.


Foto: Márcio Ahimsa

terça-feira, 22 de julho de 2008

Poema desusado

Caminhando e pensando o vento, fuga da vida, alívio perdido, sem sombra, sem sentido
O tempo inspira, expira, vira pó e eu saio só pelo caminho que não sei onde vai dar
O céu inflama, as nuvens passeiam despreocupadas desvirginadas por sopros calados
E perco um segundo sonhando fundo, sou um absurdo sem fim.
É nas sutilezas que descubro o segredo que nunca quis se esconder
Foi assim que o coração fez-se mudo diante das coisas, das virtudes cansadas
Na noite passada, minha cabeça apenas recostou-se sobre o travesseiro já batido e também cansado - pensei: que faço aqui neste inexorável mundo?
Passeios passados, saudades recolhidas e ralhadas pelos velhos farrapos das emoções,
Um cálice da minha descrença derramada nas alegrias que colhi entre um vão e outro
No desembarque em alguma estação de metrô,
Uma nódoa impregnada na minha pele pedindo socorro para fugir para dentro de minha alma
E não sair jamais.
Cansaço é apenas refugo das horas que desperdiço não fazendo nada por ter minhas mãos atreladas ao trabalho, ao produzir meia dúzia de utilidades para servir a necessidade das pessoas, sátira da vida desenhando sobre mim os fios da existência.
No fim de semana passado visitei um amigo que não via há tempos
E fui visitado por uma lembrança, em casa, de pessoas que, talvez, nem lembram mais de mim...

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Margarida

Seu contorno em ciranda
Toda branca e amarela
Margarida preferida
No amargor em desmedida já sábia se safar
De vez em quando um desencanto
Outra vez um mero espanto
De sair assim: leve e solta
Pernas compridas
Passos longos
Sonhos brandos a buscar com o silêncio da madrugada
Saindo pela rua nua
Ela vestida de lua
Sardas pintadas na bochecha rosada
Os raios finos das estrelas
Contornando seu caminhar
Margarida flor querida
Assim desinibida
Veste mesmo uma razão singela
Sem buscar a aquarela
Em coisas tão distantes
Assim é Margarida:
Nasce em qualquer jardim
E é de um encantamento sem fim.

domingo, 20 de julho de 2008

O contraste da alma romântica

A melhoria de um estado inconformado e abstrato
É sempre o contraste invisível e inverossímil
Que acontece em desalinho no âmago de cada um.
No ápice secreto,
Na hélice que corta o vento das emoções sutis.

Carta e lenço, movimento...
Sóbrio sentimento.
Força e jeito, impuro leito...
Hospede perfeito

Sobre os versos não versados que o poeta descreveu.

Entregas seculares de eternos românticos,
Reflexos desconexos com a sina da alma liberta
E aberta às novas canções de amor.

Você me disse que era estupidez
Entregar-me ao tempo sem temer
E em cada ato não me arrepender.

Você me viu e fingiu não perceber
Que já estou bem melhor,
Não tenho nada a esconder...
E mesmo que ainda esteja só
Não penso mais no que passou.

Às vezes sinto que é difícil as pessoas enxergarem
Cada um tem seu talento, infortúnio e desalento.
Cada um tem a euforia necessária
Para calar o desconsolo.
Cada um é absorto para mudar o que achar certo
E eu acho mesmo que gozar somente
É desperdício de semente
Meramente sem elo,
Sem ente.

Você me disse que era estupidez
Entregar-me ao tempo sem temer.
Em cada ato não me arrepender.

Você me viu e fingiu não perceber
Que já estou bem melhor,
Não tenho nada a esconder...
E mesmo que ainda esteja só
Não penso mais no que passou.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Fuga

Você se distrai, me importuna, me atrai
Causa-me um estalo, me sorri, me calo
Você me espreita, me convida, me aceita,
Está chegando em mim, me inunda
Me escreve um verso, sentimento enigmático,
Poema que faz explodir a emoção,
Que transborda pelo seu olhar um querer
Eu me deixo levar, a saudade me invade
Você se declara, eu me entrego
Um silêncio, um pedido de coragem
Um beijo, corpos que tremem
Você se diz sonho, eu acompanho
A mágica da vida entrelaçada pelo que nos faz laço
Você se diz minha, eu sempre fui
Os impulsos, as vontades, os desejos
Você perdida, mas me convida a entrar
Eu envolvido, você se atrapalha
Você me espalha, você me faz confuso
Você se diz estar em mim,
Mas você se retrai, meu mundo se esvai
Você se afasta, mas me arrasta para junto do abraço,
Diz que não quer me perder
Eu permaneço, não me reconheço
Meu endereço é sempre você.
Novamente me envolve,
Eu tento resistir, mas teu encanto me vence
Eu me perco em teu sorriso, mas sempre me arraso
Pois você, de repente me nega
Novamente eu não entendo
Minha alma se afoga em instantes bons
Meu coração não entende mais nada
Você é sempre assim:
Um surto da minha alegria
Num curto período de tempo,
Um furto das minhas tristezas
Que não sabem por que você age assim.
Eu me faço cansaço desse embaraço,
Sou fuga de você.
Não espere que me encontre
Pois eu já me faço perdido no silêncio
E na distância que encontrei
E que escolheu para você.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Merecimento





Às vezes,
Quando vamos bem fundo no abismo,
Quando chegamos no limite do abandono,
Quando as lágrimas secam,
Quando o amargo torna-se o sabor mais agradável,
Desnudamos nossa alma
Para a luz nova
Que está por despontar no horizonte.
Às vezes,
O segredo está mesmo
No código indecifrável da vida,
Está na água barrenta da fonte
Que depois, calma e mansamente,
Acomoda-se num desnível
Para tornar-se límpida e transparente.
Ás vezes,
Quando caímos,
É que nos levantamos,
Quando estamos perdidos,
É que estamos nos encontrando,
Quando sofremos intensamente,
É que estamos caminhando
Para o amor merecimento
Que tanto tentamos encontrar.
Às vezes,
Basta saber esperar,
Basta ter paciência o suficiente
Para que o tempo
Encaixe as coisas como pecinhas
Difíceis de um bom quebra-cabeça.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Sagrado


Na vida, quero antes ter sorte
Estar embalado por canções que ressoam n`alma
Como lembrancinhas que se renovam a cada encontro.
Quero a beleza, o estar encantado, estar purificado
Como um poema que se ergue como um veda
Que molha o espírito e se esparrama pelos cantos de nós.
Na vida, o sagrado convida o amor a morar
No abraço dos amigos.
Convida, e nós vamos como ciganos à procura do abrigo
Aconchegante que só podemos encontrar no laço que ser forma
Quando estamos juntos.
Na vida, a vela ilumina sem demora os caminhos cruzados
Que trouxe cada um até aqui.
Hoje descobri que os melhores presentes não podemos levar junto,
Pois cada amigo tem seu canto para ficar distante
E moldar uma saudade para o próximo encontro.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Champagne

Acompanhe o champagne desfrutando
As espumas de um dia especial
E brinde a alegria com mil explosões fulminantes no brilho de um olhar.
Estranhe quem leva a sério demais,
O frio pode promover a fraternidade
E encontros casuais poderão ser encontros
De futuros amigos.
Procure um abrigo no peito do perigo,
Pois este é somente nuvem esvoaçante quando temos coragem
De vencer.
Sonhe um sonho bom
E aproveite o deleite de uma boa conversa
Com quem não tem pressa de chegar.
Hoje, somente hoje, é preciso sorrir para um novo amanhecer.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Lembranças sobre as confissões de um dia diferente

Hoje me pareceu um dia normal. Sim, normal, porém diferente. Fiquei pensando acerca das milhões de possibilidades de hoje ter sido um dia atípico. Um dia excepcional. Conclui que foi sim. De volta para casa, estávamos indo, no ônibus lotado, uma cadeira de rodas ao lado, um garotinho, aparentemente portador de alguma deficiência que não vem ao caso o tipo. Era um garotinho experto. Comunicava-se com a mãe muito bem e mexia os bracinhos para lá e para cá. Fiquei pensando, “se uma asa de borboleta bater duas vezes, o mundo inteiro se modifica, tudo se transforma em decorrência de um movimento que causará uma cadeia através do ventinho gerado por essas asas”, e mil idéias mais se formaram.
Chegando em casa, Deja Vu, um filme do Tony Scott pareceu fazer um certo efeito em minha cabeça, depois de um ano. Manipular o destino dentro de um abrigo de borboleta, é uma metáfora, morada ancestral onde todos um dia já passamos, seja num casulo, ou num útero sagrado pode ser lembrado também em “Efeito Borboleta” de Eric Bress e J. Mackye Gruber onde o passado parece ser o grande dono do presente e senhor absoluto do futuro. Mas porque estou lembrando esses filmes? Também não sei. Só sei que tentando analisar as possibilidades que escolhemos, percebo que sempre entramos em conflito sobre as conseqüências decorrentes dessas escolhas e os efeitos idealizados por possíveis escolhas diferentes. Todos os dias são iguais até certo ponto. Mas se pensarmos sobre um ponto de vista das bilhões de experiências e interações que todos os seres mantém entre si, posso assegurar que cada dia,desconsiderando as mudanças exteriores e levando em conta as internas, possibilitadas por essas relações interpessoais, são díspares. A disparidade da vida se mostra em cada caminhar. O poeta já escalou a montanha dos sentimentos humanos e desceu cada experiência pelas escadas de palavras de cada poema, assim faz-se a poesia. Não a idealizada, mas a crua, a nua, que está nos bracinhos do garotinho contente fazendo um movimento com a cabeça e mastigando o biscoito que a mãe acaba de por em sua boca.
Tanto rodeio para acabar falando de poesia. Mas não é só de poesia, também de beleza. Não a beleza esdrúxula, a beleza encontrada na face da mulher sem maquiagem que oferece um sorriso brando, meio calado. Ou no cair das folhas no outono. Ou no abraço dos amigos. Ou no beijo demorado dos amantes. Eita, lá vem a poesia novamente (acho que sou convencido, considero essas bobagens poesia). Não consigo desapegar-me dela. Quem? Tua namorada? Não. A poesia, ora!
Eu estava falando mesmo era das possibilidades de nossa vida ser diferente. E pode ser. O segredo, na verdade, não é nenhum segredo. Está escancarado na alma dos mais simples. É só deixar fluir como as asas da borboleta, como a vida que teima sempre em existir onde quer que a gente vá. Se saímos cansados do trabalho na rotina maldita que parece não ter fim, podemos sempre fazer diferente. Ouvir uma canção e imaginar horizontes paralelos, navegar junto às nuvens e pescar tubarões do futuro numa constelação imaginária, pois em cidade grande não existe estrelas no céu. Fazer o que. É o que temos. É assim que devemos encarar a vida e escancarar a alma ao mundo. Dentes brancos, amarelos, dentaduras ou banguelas, não importa, o sorriso tem de se mostrar vez ou outra. Isso já é diferente e fazer diferente. Agora, lamentar o que já passou, é perda de tempo. Isso é, no mínimo se auto- anular.
Vamos celebrar a vida num amanhecer preguiçoso. Vamos aproveitar os momentos ociosos e perder alguns minutos raciocinado sobre eventuais escolhas que poderão mudar a nossa vida. Essa é uma crônica que escrevi sobre um simples pensar diferente. Faça também a sua.

domingo, 29 de junho de 2008

Amor, Venha!

Amor, vamos dar um passeio?
Vamos sair por aí de mãos dadas contemplando o passar do tempo
Sem pensar nas coisas por fazer?
Vamos nos perder entre as estrelas
E atravessar buracos negros iluminando tudo a nossa volta com a luz do nosso amor?
Amor, vem para junto de mim...
Esqueça as agruras da vida,
Esqueça as pessoas que só trazem tristeza e venha.
Venha, que aqui, no meu coração cabe você com o seu jeito,
Com seus versos de amor.
Vem que estou com as mãos voltadas para o céu
Venerando sua entrada em minha vida.
Amor, vamos caminhar por uma trilha de sublimes paisagens
E perceber cada gota de orvalho caindo sobre nosso corpo.
Amor, não deixe que nada tire sua crença, sua verdade de amar.
Você é especial, é especial, é especial...
Olhe ao seu redor e veja os fluídos
Que mando.
Veja que os pássaros cantam uma canção
Que diz: saiam de mãos dadas por aí
Sem notar o tempo,
Sem desejar outro momento,
Sem indagar sobre o beijo que ainda vou roubar,
Sem medo do amor.
Amor, vamos voar pelas nuvens e enxergar tudo de cima
Percebendo que somos tão grandes e tão pequenos.
Mas que isso não é motivo de desistir das coisas que valem a pena.
Amor, não tenha pressa,
Não se entristeça,
Não se esqueça de mim jamais.
Porque eu te amo,
Além de todo prazer,
De todo querer,
Do céu e do mar.
Amor, venha.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Pelas Mãos

Pelas mãos
eu conheço,
ergo-me do tropeço
e esqueço.

Construo
e flutuo
em nuvens
de sonhos possíveis,
cabíveis, alcançáveis.

Pelas mãos
que tocam
reconheço
um toque
que me toca.

Que se converte
em carícia.
que traduz
uma delícia.

Pelas mãos
que me guiam
pelo escuro,
eu procuro...

Encontro o encanto
escondido num canto.
Sem segredo, nem espanto
a espera de acalanto.


Pelas mãos
que produzem,
o mundo transforma,
renasce e forma.


Modela e explora,
desenha o agora
e descreve a aurora
como um sorriso de senhora.

Pelas mãos
eu sou e faço.
Sou homem e palhaço.
E em seu cabelo faço um laço.

Pelas mãos
cresço,
desenvolvo
e apareço.
E limpo as lágrimas quando me entristeço.

Pelas mãos
conduzo a dança.
Vou ao futuro
e volto a ser criança.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Vá nessa.

Vem, vamos nessa reconhecer o que há de bom
Decifrar segredos mimetizados em códigos e cores
Descobrir numa conexão o tom de uma canção nova
Trabalho é só trabalho.
Vem, vá nessa vida voando numa viagem longa
E encontre no toque de alguns dedos a chegada de um amigo inesperado.
Vez ou outra, sem intenção, redescubro razões tão perto e tão longe
Como filetes d`água que terminam no mar
Que vão por asfaltos e ondas:
Me sonda, me sonda.
Vá nessa sem pressa, caminhando a esmo
E tente encontrar o belo em palavras
Que somente formam versos de um dia que já passou.
Vá nessa, Vanessa.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Discurso de um Lobisomem pós-moderno

Hoje eu vi um fragmento andando numa calçada. Estava nu...
Era apenas um sorriso amarelo amanhecido como pão.
A correria pedalando nas máquinas do meu tempo
Comprando as horas mais preciosas que um dia foram gratuitas.
O homem apenas tentava, galanteador, conquistar o olhar da musa anônima.
A menina penteia seus cabelos olhando no reflexo da boneca com as mãozinhas cruzadas sobre as pernas tecendo uma poesia com um graveto no chão. E o menino tropeça seu sorriso em olhares estupefatos, como se o brincar fosse coisa de outro mundo.
Hoje, driblando a muralha de gente que encontro por aí,
Verifiquei que me sinto estranho.
E essa conduta de trafegar por caminhos desconhecidos me leva a comer carne crua
Naufragando meus sentimentos no mar.
O sal se mistura mesmo com o sabor do fel que cuspo por não conseguir digerir tijolos.
Parece que a peneira da vida peneirou meus instintos e um anjo voa por sobre a cidade e suas asas majestosas parecem ser o sinal do tempo, que, num esplendor celestial, assusta com a sombra que se forma numa abertura quase fantasmagórica. Parece que tem gente chorando e seguindo o seu rumo, disforme caminhar por onde a lágrima escorre, dando no abstrato do sentimento que já fora tão cultivado pelos sábios artesãos de palavras simples, que viviam uma vida simples, que emaranhavam o dia com os calos das mãos, bruscas como pedra, e o aperto mais confiável e verdadeiro numa troca de cumprimento. Compadres... Sim, eternos compadres e comadres... Marias... Josés... Seus dias à beira do terreiro contando causos para a pirralhada curiosa que pedia: - Conta aquela do Pedro Malasartes! Aquela em que ele enganou o rei enterrando rabos de porcos na lama!
Sim... Mas a mocinha moderna possui as pernas longas e finas e tem um nome estrangeiro e o rapaz presenteia-a com um celular de última geração.
É isso mesmo!!! Vamos celebrar a liberdade dos nossos dias pegando um ônibus rumo ao trabalho e contado as horas para chegar o fim de semana e tomar aquela cerveja. Talvez, a união suprema esteja naquela aliança dourada com uma inscrição interna com o nome da liberdade: Você e eu.
E quem ficar preso entre o dente e a carne rasgada possa mostrar sua face transparente colhendo um ramo de margaridas para enfeitar o vaso na janela da Julieta. Aqueles conflitos familiares são tão remotos. Hoje, são outros. Ninguém tem medo de sair no escuro, pois o saci fugiu de mim, lobisomem pós-moderno que sou. Transformo meus medos em utilidade pública e conquisto vítimas com um olhar encantador cantando uma canção sentado numa pedra à beira do destino do cidadão sem nome. E mastigo vagarosamente, quase que ruminando, todas as necessidades humanas como um rolo compressor passando sobre a fotografia da sociedade do meu tempo. Sim, gente. É enlouquecedor ter de possuir múltiplas faces só para satisfazer os caprichos gerais. Às vezes tenho de ser apenas cédula verde, noutras um sonho impossível. Há ainda momentos, pasmem, que tenho de tentar ser, num mimetismo quase perfeito, o amor. Há ainda quem tente essa alternativa, não sei se por falta do que fazer, se por desilusão com as maravilhas modernas. Quem sabe esses pequenos fragmentos no coração não venham reestruturar a ordem das coisas. Sinceramente, não creio. Pois de dia sou pessoa tranqüila procurando pelo que fazer e encontrando respostas pelo inexplicável. De noite sou fera desvairada correndo das coisas pelas quais não procurei e encontrando sossego na lágrima alheia.
Só sei que menina continua sentada com as perninhas cruzadas olhando as pessoas passarem e desenhando com um graveto alguma imagem inocente. E a poesia da vida segue seu rumo sem rimas, sem medo de morar num casulo e sair voando, mesmo que não haja mais jardins: as pedras não falam, mas contam história.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O que vale voar?

O que vale?

Sair de mim para ser feliz
Encontrar no berço do acaso
Um resvalo no encanto de um triz
E navegar em meu caminho raso

O que vale viver?

As escadas, as pedras, as alavancas
Pujanças do bem ou do mal
Que jazem em meu corpo em pelancas
Tolhendo meu lado natural

O que vale viver nessa vida?

Uma mentira que não acaba:
as escolhas não são como folhas:
caem no chão, secas, fenecendo a cor tão esperança
cobrindo os olhos da criança de pura imaginação.

O que vale viver sem razão?

As andorinhas nos visitam em cada verão
E os pardais continuam gorjeando eternamente em nossos telhados
Sem ter fuga da estação, sem ter medo da prisão,
Sem aquecer o coração com novas histórias,
Sem perguntar: por que nós também não voamos?

O que vale voar, então?

Vale escolher os rumos e os ventos,
Escolher ter morada ou não precisar dela.
Vale realmente ser dono da verdade mais inerente de ser
Com os caprichos ou desapegos
Sem precisar de torres e castelos
Para fazer o nosso ninho.

domingo, 11 de maio de 2008

Introspecção.

Somente nos cantos da demora vigora o auge da paciência.
Andando, preciso ver o quanto deixo para trás,
Olhando a poeira que guarda alguns segredos que essa vida já não revela.
Num verso branco, escondida em rimas disfarçadas,
A poesia toma um tom, uma forma ancestral,
Mas que jorra n`alma daquele que a sente, que é.
Jaz nas mãos do operário, que sabe construir,
Nas mãos do compositor, que sabe compor.
Desenhar e cantar podem ser aprimorados,
Mas já está embutido como o couro que veste o corpo.
Trabalhar é buscar um sacrifício todos os dias
Esperando colher no precipício algum rascunho
Que será, talvez, alguma poesia.
Nessa hora, quando os pardais te acordarem,
Nenhuma chuva molhará a sede da verdade.

domingo, 4 de maio de 2008

Ira cinzenta

Quem são eles que chegaram brancos,
Que, aqui e acolá, caminham mancos
Alguns nos bancos, outros nos flancos da imaginação
De uma nação de ninguém?

Quem são eles, vestes luminosas resplandecentes no cetim,
O vime como cetro que rege num trono de marfim,
Caçando um fim, dançando a hora, mastigando o tempo num lapso de existir?

Quem são eles, fios e farrapos como pratos na mão,
Como vermes que cuspiram a sujeira nas faces mais cândidas
E rodopiaram os vestidos das mocinhas que se recusam a digerir a abundância
E ainda estão no limite, ninguém tolera?

Quem são os “malditos”, quem são os Beneditos
Nos olhares de ébano que lustraram nossa carne
Que rosada virou parda, que parda virou o tom,
Que ditou o som da nossa dança mais moleca?

Quem são os tambores que estão na cor, ação
Conjunta que move a máquina do mundo,
Que agora é apenas um sonho de liberdade
Pois a herança ainda se faz presente
E o capitão não precisa de mais mato?

Quem é essa gente que não sabe que a carne mais podre
É ainda mais pura do que aquela que já apodreceu a alma
Por não saber que o melhor trono é a inconsciência mais plena
Regida pelas sombras majestosas da eternidade
E que faz a tudo a e todos apenas meros nadas?

Quem é? Quem são? Quem se importa
Com uma porta que está sempre fechada,
Com uma casa sempre vista pela fachada,
Com uma veste que é apenas anágua
E a água mais limpa é sempre vertida pelo suor?

Quem são? Ioruba, caboclo,
Curumim com a palma da mão aberta,
Um sorriso rosado por trás dos vidros escuros,
Um olhar assustado, um limite imposto pela ignorância
Dos mais sábios, pela sabedoria dos mais simples?

Quem aceitou toda essa merda?
Quem foi que disse que é preciso haver campos delimitados,
Que é preciso mentir para conquistar a verdade,
Que é preciso matar para conquistar a liberdade,
Que é preciso vencer para conquistar a vitória?

A vitória... a vitória minha gente, a vitória?
De quem é a vitória, de quem é a glória de andarmos na lama?
De quem é esta cama de gato feita por nós mesmos?
É tudo cinza, ninguém ver, mas é tudo cinza.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Eu quis

Eu quis o perigo
Quis fazer um abrigo numa procura
Que cala minha loucura desenfreada

Eu quis botar os pés na estrada
Saindo de mãos dadas com a madrugada
Com uma mochila, um tênis e dois reais

Eu quis surtar de vez em quando
Quis subir a âncora e aportar em outros caís
Fazer uma omelete em minha varanda

Entrar numa quitanda
Saborear o ar num arvoredo
Ler um verso do Quintana e sentar a bunda num rochedo

Eu quis descobrir o meu segredo,
Fazer remendo em meu medo
E espantar um desespero.

Eu quis o exaspero
Quando roubaram a minha calma
Eu quis a minha alma na palma da minha mão

Eu quis deitar no chão
E observar a dança das estrelas
Eu quis a fé vermelha, são elas, são elas

Eu quis ver um brilho num sorriso
Uma alegria num olhar
Eu quis ser mais preciso

Eu quis a terra, o mar, o ar
Eu quis calar quando o silêncio
Apenas queria gritar,

Quando o momento
Era apenas fuga
Misturada em sentimento

Eu quis permanecer
Para sempre parado
Num instante de amar

Eu quis o mar,
Amar o mundo
Amar o tudo que há em você

Eu quis o prazer
Misturado com uma dor de perda
Com uma saudade que me deixa tão longe de mim

Eu quis o fim
Quis acabar desmanchado no estalo de um beijo demorado
Eu apenas quis ficar calado

Sem demora
Com o que vale a pena
Com o instante que faz acontecer.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Fogão a lenha

Fogão a lenha numa praça central
Cercado pelas paredes de prédios altos.
Uma panela de barro, a brasa ardendo,
Uma mulher cosendo a roupa rasgada.
Faróis abrindo e fechando,
A madeira trepidando,
A cumbuca de água fresca
Com um pouco do suor dos transeuntes.
Uma barulheira total, gente sentada nos bares.
Do lado de fora, um pileque num trago de cachaça
E a conversa se dá em torno dos mascates.
O feijão borbulhando,
Um cheiro de fumaça misturado com o tempero
Se funde com as paredes manchadas
Transformando-se num incenso pelo âmbar queimado.
Uma menina escancara um sorriso
Pelo presente de uma boneca em farrapos.
A madame ostenta sua grandeza através
De uma bolsa lustrosa.
Um velho carvalho protege do sol escaldante
E, na cozinha de chão batido,
O silêncio rumina uma verdade que já está bem distante.
Uma buzina abusada remove a emoção,
Telhado de palha, teto de nuvens cinzentas,
Que espalha e expande nossa saudade.

Taramelas trancam-nos do medo,
Alpercatas calçam-nos do segredo
De andar conforme o caminho.
O bolo de fubá, o quiabo e o maxixe,
E a doceira é meiga e selvagem nessa selva de pedras.
Luvas e calos, mãos e trovejos na essência madura.
O fogão cozinha o pão, assa o contentamento
Como um forno de barro, primeira estripulia
Que marcou um jeito de ser, de fazer e sentir
De um menino que a malinesa da vida não pôde deixar de polir.
A velha preta, Dona Quelé, já lavou os seus pés
E ensinou-o a lavar também,
Avó de ébano, filha da áfrica que se misturou
Com o cândido do sorriso
E que agora se faz preciso nessa peleja de vida:
Fogão de barro, asfalto e desmedida.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Lampejos

Estamos indo de volta pra casa
Estamos na espera
Um cansaço, um olhar divagando vagamente
Estamos no ócio da peleja que já é sobeja,
Que já é somente passageira enquanto amanhã
Está ainda mais perto.
Estamos indo...
Um alívio, de repente um aperto
Estamos no cerco de nós mesmos,
Estamos cansados.
Estamos indo de volta para casa
Uma parada, mais chegada,
Uma mulher amparada, uma barriga pesada,
Estamos indo...
Uma paisagem distante, uma emoção devaneada,
Uma canção compartilhada e guardada num traje despojado,
Uma mansão bem pintada e ladrilhos ornando a entrada dos homens,
Estamos indo...
Um carro suspenso, uma oferta.
Outro passando enquanto
A vida passa através dos vidros,
Os olhos esmerados,
Lavados pela lágrima que somente lava a poeira da rua,
Estamos indo.
Estamos indo de volta para casa,
Um farol fechado, vermelho nas mãos,
Uma senhora suando, as pernas desabando,
Estamos indo.
Uma menina tagarelando, Gabriele sorrindo,
Uma mãe confortada pela cria divina,
Estamos indo.
Estamos indo de volta para casa,
Uma freada, um pinheiro, um ipê roxeado
E o roxo do castigo de comprar a escolha,
A bolha e a folha que não são transparentes.
Estamos indo de volta para casa,
Uma porta, um silêncio,
O que importa do momento,
O corpo encostado,
A vida atrelada às exigências do tempo,
Às quimeras de que precisamos sempre vencer.
Estamos indo de volta para casa,
Pois é preciso viver.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Manhã de Abril

Na manhã de Abril,
Meu dia abriu-se num estio
Com uma lembrança que aconchega e acalma.
Uma mensagem enviada e revelada
Por um calor febril de horas céleres,
Horas que o tempo não apaga,
Nem a fumaça do encontro se acaba,
Nem se esvai pelo cansaço da beleza.
Na manhã de Abril,
O toque mais sutil na pele
Foi a causa do arrepio,
Foi o beijo que em deslize invadiu,
O sabor que ainda vejo quando meus olhos estão fechados.
Sendo vã essa caminhada,
Sendo longa a estrada,
Meu coração é atroz e vive em função dessa loucura desenfreada.
Mas ouço uma canção que traz calma,
Que faz um riso estender-se em minha face:
Sou louco sim. Sou pouco em mim.
Mas sou desmanchado nessa certeza de que vale a pena me perder,
De que vale a pena não entender o que se passa
Entre o motivo da lágrima derramada
E a circunstância de estar leve voando entre nuvens
Imaginando, apenas, que agora é mais importante
Por, simplesmente, saber amar.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Inexplicável

Não tenho nome para nossa relação,
Nem tenho razão alguma.
Não sei dizer por que minha loucura é apenas
Estar em constante procura,
Nem tenho certeza alguma.
Não posso saber por que meu corpo pede o teu,
Nem sei o motivo pelo qual minha boca se sacia com a tua.
Não sei por que minha paz é estar com o meu corpo
Preguiçoso deitado sobre o teu,
Nem tenho vontade de me levantar.
Não sei por que não te esqueço,
Nem sei se te mereço.
Não sei por que sempre me chamas de teu garoto,
Nem por que fico com um sorriso meio maroto
Com os lábios semi-serrados olhando em teus olhos
Algum segredo que eu não saiba descobrir.
Não sei por que sempre me fujo de mim,
Nem por que sempre me encontro em ti.
Não sei por que sempre me inundo na imensidão de teus enigmas,
E me perco quase toda vez no labirinto dos teus mistérios.
Talvez, a resposta esteja na saudade que sempre deixamos para o outro,
Mas ainda assim, não sei por que me fazes tão feliz.
Uma coisa eu sei: o amor não pede explicação.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

A bolsa de chuva

Minha bolsa de chuva somente em noite turva carrega uva
Noite como um céu coberto com um véu esbranquiçado.
Ah! Lá onde o carteiro faz suas entregas há um mar...
Um mar de gente esperando contente o que tenho para entregar:
Uma gota bem geladinha de água fresca e limpa...
Sabe para quê?
Ora! Para refrescar.

E as uvas? Não diga que também há luvas?
Há luvas sim. Luvas em louvor das mãos cansadas
Mãos que carregam minhas alças pesadas,
Minhas calças rasgadas...
Uvas...

Pois é. Eu visto calças...
Calças calcinadas de um tom marrom.

Eu carrego um pouco do que visto,
E visto um pouco do que faço
E espalho por onde ando
Sem intenção em pesar,
Mas peso feito chuva fraca que não acaba.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Desalinho

Se você me encontrar acocorado em algum lugar
Não se esqueça de chegar bem de mansinho
Para não me assustar.
Outras coisas acontecem em redor,
O vento passa devagar e desalinha os cabelos brancos,
A noite alveja minha criança que esperneia o coração.

Se você souber dizer o que acontece,
Diga logo sem ter medo,
Pois acordo cedo e vejo uma prece em seu olhar.

Já vesti minhas lembranças,
Já esqueci minhas andanças,
E agora estou entregue ao que a vida sempre nos traz.

Já pintei uma aquarela,
Já espantei a sentinela
Que me espreitava através da euforia tão tenaz.

E, nesse verso em desalinho,
Sou menino aqui no ninho
Que somente quer ter paz.

Se você me encontrar, diga ao menos um olá,
Mas não me apresse em demasia,
Pois já cansei dessa folia
De não saber me descansar.

Balise

Para cada sonho de existir
Sendo o trunfo da canção
Versejando a razão que bate em nosso peito.
Há o véu de bons momentos,
Singelos gravetos dessa vida
Ajuntados com muito capricho
Para cercar nossa saudade.
Quando o tempo parecer apenas um fio,
Apenas um rio de muitas águas
Que banha nossa vontade,
Que preenche o coração de bons amigos,
Nossa vida será de grande valia
A cada hora que o verbo nos lembrar.
E, a cada instante que o verso se derramar
Em canteiros de pura poesia
Durando apenas enquanto a mão se estende
Regando com encanto, o quanto pode ser
Do que o sorriso pode explicar,
Tu serás a palavra e o sentimento,
O sabor e a afeição,
A razão do que o momento
Pode oferecer aos olhos da imaginação.

A noite de meu bem

A noite, em sussurro, chegou diante de mim,
Postou-se como pedra muda, fez-se de surda
E cobriu-me com seu véu de saudade.
Sinto-me pobre de amor, dono da dor que me preenche
Sinto-me perdido na vontade perene
Que me escraviza e suaviza meu medo.
A noite serena, melancólica e chorosa
Realiza meu desejo de sorte,
Preenche minha angústia com um toque de querer somente você,
De querer ser eternamente dono do amor
Que emana desse coração seu.

domingo, 6 de abril de 2008

Faces do acaso

São tantas faces, essas faces minhas.
Tão soltas à toa por estas linhas
Que nem lembro mais o que quero escrever.
Nem lembro daquelas que ainda hei de ver.

São tantas em volta pelo caminho
Que às vezes me esqueço que estou sozinho
E me encho de sorrisos de faces ausentes
E ausento-me da tristeza de outras gentes.

São tantos olhares, um tanto efêmeros,
Outras tantas palavras diferidas em gênero,
Como são tantas as frases proferidas
Nos caminhos cruzados de nossas vidas.

São tantos instantes surgidos do nada.
Pessoas diversas da nossa estrada.
E agora o que faço com esse impasse?
De onde vêm? Para onde vão todas essas faces?

Fidúcia

Toda pronúncia é o prenúncio da alma,
Calma e transparente
Que é diligente, que é da gente.
A renúncia pelo zelo,
A astúcia pelo elo,
Singelo jeito do falar,
Apenas igual o ouvido entende
Que tende do usual ao formal.
A fidúcia já era antes rústica
E agora, bela e prateada na língua
De quem condena a origem da verdade,
Serve de forma para moldar o imoldável:
A palavra serve para vestir a nossa necessidade.

O Tênis

O tênis de Denis
É igual sapato de pato.
Com um cadarço em laço
Deixa os dedos pra fora,
E é bem nessa hora
Que o menino é fino.
Com a cabeça erguida
Sai pela avenida
E oferece um sorriso
A quem achar que é preciso.

Folhas e Versos

O menino caminha apontando aqui e acolá
Procurando gravetos no chão.
Recolhe folhinhas que o outono derrubou
Com o vento que sopra fino e quase frio.
A saudade se abate na gente,
Rumores de um tempo esquecido,
Tambores da verdade ressoam n`alma sem pressa.
Apenas as perninhas bambas tropeçam
Numa alegria quase pura que dura para sempre.
Um remorso de vontade bate no coração
Palpitando uma canção remota,
Uma estação que leva para longe, longe, longe...
O presente está nas mãos:
Folhas verdes, amareladas e rajadas,
Uma para cada cidadão do mundo,
Para cada instante vivido,
Cada olhar perdido entre o que já passou
E o que ainda está por vir.

Gelo

Enfeitar a pele, cobrir o rosto com ornamentos,
Beleza, sutil jeito de camuflar nossa verdade.
Ícones do nosso medo, de sermos somente um acordar,
Despenteado, bocejo e adormecer.
Somos encanto em desencanto, um canto de nós esquecido,
Um dia vencido quando desvencilhamos nossa força.
Tentamos nos encontrar em cada face alheia,
Em cada rumo que não nos pertence.
Tentamos sair cobrindo nossa ira com um sorriso,
Malacafento, é verdade, mas dá para ludibriar nossa busca pelo perfeito.
Não esvaziamos nosso corpo do cansaço,
Não desviamos nosso caminho do fútil, inútil devoção ao tempo,
A preencher cada segundo com nada, ou tudo.
A regra é não perdê-lo, desperdiçá-lo.
Cobrir nossa vaidade, ser alguém na vida,
Esquecer a saudade, achar uma saída:
Esquecemos que caminhamos sempre para o fim.

Laço

Procuro
um olhar perdido
Que me encontre.
Um aperto,
um abraço,
Perder-me n`algum laço
E num súbito encanto
Que,
por ventura,
Despertar
Meu coração
esquecido.

Flor Poeta

Insana é essa calma refletida em mim,
Pestana do meu mundo
Acusando meu embevecimento sem fim.
Tu, oh poetisa de quase espanto,
Quase enquanto o encanto te envolve
E resolve nosso medo de existir.
Apaziguas a dor,
Co-existe somente n`alma esquecida
Enquanto nossa vida
É apenas ser e sentir,
Ser assim como tu,
Como a poesia.

Márcio Ahimsa

O Anjo

O anjo branco, branco como
A fécula da raiz que comemos,
Está parado com suas asas de cisne
No coração dessa Cidade.
Quem foi que disse que anjos
Não existem?
Existem sim.
O anjo humano que faz os humanos
Pararem diante da sua representação.
Ficam com cara de bobo
Admirando as compridas asas
Abertas nas costas largas.
Uma música melosa toca e penetra
No coração da gente,
Deixando a alma comovida
Como criança dengosa;
Até os pombos arrulham
Um pouco de emoção.
Uma criança pergunta: - Mãe, aqui é o céu?
O silêncio responde pela mãe.
Mas a criança acha que é...
E o anjo também.

Márcio Ahimsa

O Vôo das Borboletas

Em algum momento andaremos com os nossos olhos baixos
Visualizando o quanto é áspero o chão que pisamos
E ouviremos os berros de alguém dizer que não
Sabemos olhar o lado real que um dobrão de ouro
Pode comprar.
E alguns de nós nos seduziremos e compraremos a felicidade
Numa cadeira de escritório a ouvir os ditames do chefe.
Mas alguns de nós sofreremos por não nos encaixarmos
Nesses valores de dobrão de ouro e pintaremos
O nosso futuro com os sonhos esperançosos de um vôo de
Borboleta.

Márcio Ahimsa

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