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sexta-feira, 22 de março de 2013

Lá vem o menino!

Lá vem o menino com uma missão
com um chinelo de dedo
e uma luva na mão.

Ele fez o destino com o barro
e o chão da sua infância,
o menino de ânsia,
e essa corda onde amarro
versos e costuro o pão
com a fome que hei de comer.

Lá vem o menino com a ventura
de um sorriso
com a procura que ainda preciso
para, de fato, me encontrar.

Ele tem uma bola de gude
e a poeira de sua urgência,
o cimo de uma ladeira,
la embaixo a sua estrutura
ainda pequena, ainda crua,
segurando essa imensa
vontade irrompida.

Lá vem o menino de pernas curtas,
coração grande,
para conquistar os degraus
de cada dia,
sem tirar da cabeça
a teimosia de carregar junto, o sonho.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Manicure

Pintar unha é uma arte,
que se parte no tempo
e se compunha...
Beleza que se dissolve
em descarte,
vaidade que se completa
em testemunha.

sábado, 16 de março de 2013

Fragmentos de um tempo rude

Ela apertou o passo. Desesperada, a rua convergida de gente. Para trás a poeira fina e orgânica baixando pela calçada cheia de lixo. O vestido balançando sob a fluidez do vento morno de fim de verão. Cidade gris. As pernas resistindo à pressão do corpo pesado pelo cansaço. Adiante, um calçadão como alça de acesso ao viaduto repleto. Os degraus parecendo gomos piramidais, intransponíveis.
Vencera, exausta. O alambrado em balaustre, como sacada, dando vista para um horizonte hipnotizante. Parou. Recostou sobre a coluna. Pasmada, ficou a observar a montanha de prédios a nortear o panorama dos seus olhos. Por um instante, a supremacia do tempo deixou de ser importante. E tantas coisas desimportantes vindo à tona pelo revés da memória há pouco suprimida pela pressa. Melancolia...
Com as mãos trêmulas remexe a bolsa que guarda com tanto esmero embaixo dos braços. Retira um pequeno porta retrato, azul, onde contém duas fotografias. Uma delas revela o semblante sorridente de uma moça na aurora da vida. A outra trás o rosto de um moço sereno e também iluminado pela áurea da juventude. Aperta a mão contra o peito sobre um pingente em forma de coração pendurado em seu pescoço. Compartimentado como um bálsamo, guarda a pequena imagem da filha, agora crescida.
Isabelle crescera como crescem os crisântemos, linda e alegre. Mas sem a presença do pai, que deixou a ambas quando caiu de um andaime, quando construía os mesmos prédios que despontam ao longe. Edifício: pedra e nuvem. Helena chora.
Quem mora o conforto de um apartamento não sabe o peso da sofreguidão com que foi erguido. Assim como as chaminés que guardam a dor de uma árvore morta ao ser queimada. Nem a desesperada tentativa de respirar, fora d`água, de um peixe que acabara de fisgar a isca.
Assim são as perdas que soam ao coração como as mais avassaladoras tentativas de assassinato dos seres. Resolve seguir adiante.
Para trás ficam as lembranças. A rua repleta e solitária. Senhoras que choram com placas de desaparecidos. Mendigos deitados ao relento de um banco ornamentado por um chafariz que jorra e chora a miséria dos dias. Ficam os ladrilhos que guardam o corpo dos cães famintos a espreitar as migalhas dos benfeitores e os pombos arrulhando a podridão urbana da modernidade. Helena não para nem sorri. Apenas carrega consigo a reminiscência das horas. E o cheiro das alfazemas e o ocre da tarde.
Chega à casa, despe-se. A água caindo sobre seu corpo lavando a canseira e os restos da rua que ficara. Impregnada na pele, a peripécia do palhaço, que tentava exaustivamente arrancar o riso das crianças. E a lágrima dos desamparados.
Limpa e crua corre para a varanda onde acolhe num abraço, a filha Isabelle que ainda revela as pernas em tropeço quando esboçava os pequenos passos que a levariam para a imensidão de amor de ser filha e mulher.
Ambas se confortam e se completam e as quimeras da vida se dissipam pelo entardecer...

sábado, 9 de março de 2013

Quase poema

A minha palavra está pouca
como a rua que se encurta de vista
e pássaros sem galhos para pousar.

Meu verso está pouco
sem carência de vírgula
para pausar meus instantes como horizonte
espremido que se revela apenas em fotografia.

Está pouco o dia sem azáfamas
e a solidão das calçadas flamejantes
de tantos lugares que ali moram
com outros endereços para partir.

A minha rima está inculta, pobre
como pombos que arrulham
a fome bicando migalhas pelo chão, redundantes.

Busco, sem êxito,
a poesia limpa das prateleiras,
mas a encontro pouca nos olhos secos
do cão faminto

e no abrigo sem parede revestido de gente.

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