Feed

Assine o Feed e receba os artigos por email

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

arroubo

quando pousei meu olhar
por aqui,
meus olhos são dois riscos
esticados na vertical de mim.
é que ficou marcado
com um giz
um arroubo sem nome
e que pousou brando
nesse fio intenso
de pintar verão...

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Pela calçada

Ontem foi quando aprendi
o fim que tinha a rua,
foi quando aprendi a cura
para a minha sede.
Olhei pela janela
imensa dos seus olhos,
eu estava justamente ali
entre a fresta iluminada
do seu sorrir.
Não haviam testemunhas,
apenas a alameda
vazia e cúmplice.
Não havia pressa
e sim uma vontade
descompassada de continuar
ao alcance daquele abraço
sob a espreita da noite
enfeitada de arranha céus.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Inesperada sorte

E todas as coisas
modestas, enfeitadas ou não,
são como sal beliscando o paladar
com seu sabor…
Depois, espalhada,
a cotidianidade toma conta
e é entrar e sair,
é ficar deitado ou trôpego
pelo horizonte da calçada
sem importância.
Ali elas passam e desfilam
entusiasmadas
seus desejos de abrigo
e sonho. Foi lá que eu
também me perdi.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Graveto Bar

deixar de lado
as coisas tristes,
porque ninguém ria
nem chorava,
apenas era
fim de semana
e um balcão solitário
esperando
a hora exata
de pedir um drink
e brindar a vida
como se nunca
houvesse acaso,
como se nunca
houvesse ido,
como se o vazio
fosse apenas
mais um companheiro
naquela distração...

sábado, 25 de dezembro de 2010

silêncio poético

eu deixei para trás
tudo, até mesmo pequenas pedras
e imagens de fotografias...
eu caminho com o incomensurável
e estou perdido. o destino
é um desatino
que eu cumpro com duas alpercatas
velhas, uma garrafa de rum
e um colérico estado de fim.
ah, ah, ah, rio, rio
alguma vez trôpego,
noutra, submisso ao tudo devastado
de escolacho da minha cara
cheia de deboche com o nada
que ainda consigo premeditar
naquela esquina onde parei
para delirar a minha sorte.
mas adeus, meu bem, é coisa
do previsível...
eu, eu sou é uma gota
presa no indomável universo
do meu mundo de abstração.
o fim começa em mim.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

cotidiano

algumas palavras
que vestem a vida...
o dia corre sem despedida.
e tanto passo na rua
é uma procura
por tanto verbo,
algum achado
pelo baú de encontros
e tanto olhar atento.
um ar sôfrego de travessia,
acima de nós o céu
cúmplice na teimosia
de arranhar as nuvens
com edifícios
e logo abaixo
um chão convicto
de suas escolhas...
as palavras são folhas
e o rumo certo
é um vento brando sem direção.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

algum fim

a vida
torta vida
de estômago e ira

não se comporta
a sátira do dia

não se faz fé
nem um beco que ria
estrondozo e vil

de tarde importa
o medo para dentro

pois para fora
se come afeto
estreito de alinhavo

apertos são mãos
e algum estrangeiro
passando apuros

são curtos
e cabisbaixos

meus olhos aflitos
de vastidão

nenhum espelho
reflete agora

apenas me movem
para algum fim

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Noite densa

A noite que me alcança,
imensa, profunda,
sem a lança que me fere,
sem a lágrima que me inunda
é onde eu, exaurido,
me deito.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Estranheza

Está em mim agora
tudo que ainda não tive,
o que ainda vive
de outrora...
Está em mim um mundo
vasto de riso,
um rasgo impreciso
e é coração aberto
que esse deserto
de vazio
me faz trôpego
sem dança,
sem canção,
sem a mão que me alcança
e é luta debalde,
um orvalho em lágrimas...
Está em mim agora
quem não veio,
nem ficou,
nem esperou
pelo meu olhar perdido,
nem se encontrou
nesse adido
de versos que não escrevi.
Está em mim agora
o que espero,
sem demora,
sem pressa
e que não se acanhe
nem me arranhe
por falta de tato
com as minhas estranhezas.

domingo, 12 de dezembro de 2010

extinto

no ônibus se lembra
de tão famigerado
é o tema,
que nem vidro borrado queima
a íris de algum tinto
que o bar calado,
um som extinto
ao fundo desse
palco de dois passos,
estremece e é tango...
ainda se colhe
o lembrado de palavra
ou verso, que se tece
ou mistura de oxigênio
e carbono de cidade
de montanhas de concreto
com teto vírgem de nuvens
e mar...

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Olhar de vidro

Todo dia se arrastava para fora do casulo, o bicho ainda zonzo, mas não alçava voo. Quisera, dentre as melhores condições, não empalidecer com a consciência ainda turva diante do tilintar teimoso do relógio, que registrava cinco horas. Morrera de mal súbito no dia anterior e ressuscitava sempre com o esqueleto ainda doído de preguiça. Era um vertebrado que, em dias de sol, pairava sobre a pressão atmosférica do dia. Estafado e inconsciente rumava indisposto, mecanicamente para o que chamavam de sucesso. Era um sucesso estremecedor, pois seu casulo, espécie de abrigo ancestral, era cúmplice de seus martírios e dores que a vida gasta lhe proporcionava. Por isso não havia fragmento algum de riso ou de lágrima em seu olhar de vidro.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Fotografia

A árvore zumbia ao som do vento. Os galhos lançavam folhas ao ar. Ela ficava quieta, olhar instigado, a alma preenchida de tanta emoção. A mãe a pegava pela mão e se iam calçada afora. As nuvens pareciam bailarinas ao ar, zombeteavam para lá, para cá, e Raquel sorrindo. A mãe ralhava: "olha para o chão, menina!".

De tardinha, debruçada sobre a janela, queixo escorado pelas duas mãozinhas espalmadas. O varal balançando. O olhar distante e perdido na imensidão do horizonte. Aquele céu vermelho. O sol se escondendo atrás da rua longínqua. A menina rabiscava tudo num caderno de brochura.

Quando a mãe lhe trouxe um presente, a menina desembrulhou. "é uma câmera, mamãe!", e sorria, e pulava, e cantarolava. Saia correndo pelo quintal, e captava tudo que via pela lente da máquina. A velha polaroid revelava tudo na hora.

Quando voltava, espalhava tudo pelo chão, e pegava o caderno de brochura e escvevia. E eram desenhos e palavras, uma confusão de coisas que conseguia registrar do instante. Raquel tinha sede do que ficava escondido aos olhos cegos do mundo. Queria mostrar o inefável.

Crueza

Neste verso oco,
aqui mesmo, onde arranho
minha mania de lavoro,
arranco as minúcias,
atravesso, meu bem,
mas não fujo,
não fujo, apenas
interropo um dia após o outro.
E na noite sem sorte,
e no caos imperfeito de mim,
estrangulo o verbo
e o faço tossir.
Depois, só depois percebo
que assassinei várias palavras
e as joguei nessa vala
interminável de verso...
É onde rezo um terço
ao fim obscuro do mundo,
onde captei mais que palavras,
captei o instante da vida
fragmentada de crueza e pó.

Lua nova

A lua nova,
que em mim transborda
cava essa cova,
incandescente
onde fertiliza
para o alto
lembranças de fevereiro.
Ferve agora diante
dos meus olhos
esse arrebol
na tecitura dos meus versos,
léxico do inacabado
onde mora, brando,
esse meu lado
irreversível de verbo.
Sou poeta e pranto,
um arroubo sem fim
e espanto
e durmo diante do mundo,
onde, fecundo,
fecho os olhos e sonho.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

rua pequena

transbordam rios afora,
embora tristes,
olhos gotejam mesmices
que outrora riam.
nem tampouco a chuva,
nem o arroubo,
nem luva, o que me veste
agora, é uma vontade
de verter poema...
verter a rua que ninguém
mais usa.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

prateleira

poemas são como pó,
quando menos esperamos,
os encontramos
escondidos bem diante
da retina dos nossos olhos
e causam um estrago
danado, causam
vontade de procurá-los
em outros cantos
ainda não visitados...

eu quero um blues

eu quero um blues
para me precaver
da ardência do dia
porque cai a tarde
e o meu receio ainda
é disfarce,
ainda é covarde
a escolha sem sorte...
eu quero me vestir
dessas súplicas,
quero um azul
para pintar minha
hora gris
e ver a tempestade
varrer o que me arde...

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Atrás das campinas

Uma vida acontecia ali, não se sabe o rincão das coisas tristes, nem o rumorejar da palavra em riste, mas sim, acontecia. Talvez a tua mão cheia de calos, talvez aquele ar brejeiro das capoeiras, aqueles capinzais varrendo de vento o ar, e o mormaço que ainda existe pela ladeira ofegante que galgou em seus passos de poeira. Aquela nuvem pintando a tarde gris e esfacelada. E aquele riso amarelo. Ia subindo aqueles degraus morro acima, ladrilhados de paralelepípedos e um barro roto de verão ressecado pelo sol. Paredes entrelaçadas de cipó, taipa e teto de palha.

Acontecia... E a vida era molhada. Os olhos marejados. O esqueleto preenchido com aquela pele em ébano, banhada de muito esmero e de sol, lida incondicional que confina o olhar para o horizonte que morria todo dia atrás das campinas. O boçal da noite se abria vertendo pirilampos além do quintal. Vertia a mornez com a aguçada atenção nas histórias contadas aos sons de grilos e sapos. A boca esboçava palavras, tépidas palavras vestidas de astúcia e verdade.

Amiúde, ninguém reinventa a vida, nem a acontecida, nem a que espreita o calcanhar pelado e que se sustenta nuns pés vestidos de alpercatas. Nem se tranca com taramelas o horizonte que se esconde atrás do olhar que fica a admirar o que está lá longe. Mas quando passava, empurrando o jumento com uma teimosia inocente, ficava sempre a impressão de simpatia. O velho sem rabuja, o animal sem atenção, apenas as orelhas empinavam, ora sim, ora não, para dar sinal de compreensão.

braço de mar

esse braço é extenso,
mormaço de fios tesos,
no ar, suspenso,
apenas garras a cuidar
do horizonte
longe e distante
que me faço mar...

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

beleza de tardinha

nem aço...
mormente disfarço
o que acho simples,
nessa beleza de tardinha,
meus olhos
não escolhem a cor,
apenas o tom,
daltônico é o dia
que não espera
meu riso se abrir...

sábado, 27 de novembro de 2010

animal

o animal é um homem selvagem,
nem salvo de corpo,
nem limpo de alma...

e tem presas também, meu deus!
e urra aflito,
e foge para o lado.

e tem patas também, meu deus!
e trepa em árvores,
e caça cansado...

a fome é uma companhia
que só alivia
quando é devorada
por esses dentes,
por esses olhos
de animal faminto.

Libélula

na superfície,
o vício inacabado
de uma pequena onda
sem atenção
fazendo rotina
da sua sina
de se desmanchar
aos pés áridos
do chão.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

das coisas que sei

sei que eu não tenho
o mapa da alma
das mulheres,
nem o segredo
dos sonhos mais concretos...
sei que a dor não
é amenizada por
algodão doce,
nem é feita de inferências,
mas meu corpo também
não é feito de oportunidades,
nem minha alma é feita
de salva guarda de saudades
alheias...

domingo, 21 de novembro de 2010

pensamento corroído

prefiro o vendaval
morno ou insígne
na maneira
mais singela
de arrebatar
indivíduos
não aptos a voar
prefiro a concretude
fria e rude
das paredes
o podre poder
de enlevo ao ócio
ao naufrágio
de um grito
calado
pela máguina
móvel do tempo
prefiro roer
meu pensamento
e dividí-lo
com as traças
de uma estante
à deixar
que o cubram
com uma roupa
estranha
de morte.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

um fim

não sou mais que um arrebol,
nem estio de chuva,
nem noite sem lençol,
sou um fim sem lágrima
em um dia de sol...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

humus

aberto o humus
em que se inunda
o corpo
nesse conforto
em que o coração
se desintegra...

alguma parte

em alguma parte
sou aquele lado
ainda não sonhado
de alguma arte
que eu ainda quis.

domingo, 14 de novembro de 2010

idílio

enquanto você estiver ausente
serei como uma semente
que não germina
para o que a vida sente

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

o que ainda falta

tudo em mim
é pouco:
o meu olhar
tão louco
nesse prisma,
minha
exuberância
em falta
de carisma,
a discordância
indiscreta
dos verbos,
a vertigem
que tenho
por minúcias
e todas
as núpcias
que ainda
não tive.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

em prosa e verso

neste anil de sol encharcado
que é mais uma nuvem em letra
uma poesia em prosa

não temeria o sucumbir da noite
nem o despertar de uma rosa
em qualquer canto em mim disperso
nessas folhas de outono

e nessas cortinas de crepúsculo
é onde pousa, despida de segredos,
sua maneira de me fazer riso

com esse seu jeito
de aplauso e encanto

onde eu conto qualquer causo
neste estribilho de texto,
neste contexto de pintura
na tecitura dos seus versos

domingo, 7 de novembro de 2010

não sei, talvez surpresa

porque a surpresa
que te desejo
é minha vontade de surpreender.
nada mais, assim, quieto
em meu canto, além encanto
desses olhos teus,
verdejantes na maneira
de me sucumbir
como edífício que se ergue
nesta atmosfera
de seguir meu rumo
insurpreendente
de dizer que gosto
como me comoves
com essa tua maneira
que me valeria
pelo que não aguento
sem dizer o que sinto...

sábado, 6 de novembro de 2010

amarelos de dizer mais

peco por dizer a palavra
mais agreste
neste meu rupestre de sílabas,
metafóricas são minhas intensões,
porque de nada vale sentir
no coração, se não se tem
a intensão...
meu bem, vá até o que te faz
sentir, porque feliz é quem sabe,
o valor é preço do que temos,
nem a metade, nem a inverdade
de camuflar com folhas verdes...
mas amarelos são os risos
que desenho, cores crepúsculos
nesse arrebol de viver...
eu quero meu dia simples
como um girar de mundo
como ser profundo.
- por favor! venha! venha!
para o meu momento
ébrio de dizer que posso mais,
venha! porque posso mais!!!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

faca amolada

"e o cão observa
o seu passar com seu olhar de vidro,
tão carente, como que pedindo um afago"...
e a fé é cega
a faca amolada
e, de tudo isso em mim
que vai embora,
guardo nas mãos
um remorso de saudade
que faça com que o dia
passe logo...
são pessoas de mim,
de ti, perdidas por aí
nessa áurea sem fim,
laços de instantes.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

do avesso

quando dei por mim,
vi que estava aqui, já,
sem intolerância
dessas horas que aprecio.

foi um desses peregrinos,
mais cambaleantes por desatino
do tempo, que por falta de
de valentia,

que eu vi o outro lado
da insensatez - ah minha santa -
observação das coisas.

- é essa peleja! disse minha avó.
porém, aos meus olhos cabem tudo,

o que se imagina, o que se considera.

e aí eu caminhei...
mas gauche mesmo são os outros,
eu sou é do avesso.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

cúmplice

qual posto é grito
que ocupa nessa arritmia
de cerdas únicas?
e é teorema e paladares

caminhos frios
que eriçam em vergalhões
esses pêlos rarefeitos

nenhuma boca cansada
nega a súplica, a saliência
de um calafrio,
corpo derramado

de escamas,
enquanto engana
a fome de água,
desvirtuada sede
de verter um ato cúmplice

terça-feira, 26 de outubro de 2010

arrebol

...não foi a andorinha
distante que perdeu forças
e caíu pela miopia
dos meus olhos,

nem o crepitar desse laranja,
nem o infinito desse azul...

a causa do meu espanto
foi ver, entre postes e fios,

horizonte e crepúsculo
equilibrados
no abandono da cidade

sem nenhum arranha céu
para manchar de cinza
essa poesia.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

miçangas...

que faz o ébrio
nessa vida dura,
em meio
às criaturas,
preceito
de alguma candura,
senão amar?

o que procura
é um verbo mar
num verde instante
de desatino.

o que te insulta
é fugir sozinho
sem nenhum muro
em seu caminho.

e aqui, decalque,
em desmesura ida,
sorrir descalço
como um menino.

que faz então,
em cárcere de cidade
sem horizonte -
as perdas -

qualquer amante
sem novidade,
ser essa vontade
de algum amar?

qualquer rosa
é um semblante
e os vincos nessa face,
e as crostas
nessas mãos

são as miçangas
de um desamar...

domingo, 24 de outubro de 2010

alguma espera...

as pessoas constroem suas loucuras,
encontram suas cortinas
em meio a fumaça da rua,
se vão apressadas pelo labirinto
selvagem, sem enredo,
ladeando o medo pelo indefinível...

porque seus olhos são verdes
e a tarde é cinza?
aqui a calma é um vício
que eu tento matar com ansiedade,
porque saudade é uma forma
de solidão que procura na obsessão
se enxarcar de desatino.

lá fora pode ser que eu esteja mais completo,
nem fraude das horas, nem costume...
o que fica é essa síndrome de acaso,
peleja, inconsistência
do inabalável:

de bar eu bar eu procuro
pelo etílico da noite aquela boca
que me suga de insônia pelo desperdício
dos verbos...
eu não espero resposta, nem agrado,
e ainda peco pela virtude
da palavra escrita com o suor
do meu cansaço.

todo tempo do mundo

...temos todo o tempo do mundo,
é um absurdo que o espelho
não mostre tudo - tudo que eu queria ver.
além desse olhar triste,
além dessa palavra em riste,
além de tudo lá fora,
porque estou indo embora
para o verso que eu não fiz...
já bebi em goles secos
cada beijo que eu não quis,
mas era aquela flor de lis
que perdeu seu encanto
ao deixar cair uma pétala
de poesia e pranto.
sim, eu quis ser feliz,
mas a vida meretriz
entorpeceu as minhas veias
e o que era sonho virou pó.
agora badalo pelo timbre do tempo
minha sina de estar só -
porque todos os dias quando acordo
eu vejo que ainda vivo
sem esse remorso desesperado
pelo que ainda não veio...

sábado, 23 de outubro de 2010

Quem?

Essa noite eu não fiquei só,
não saí pra rua - eu apenas
tive mais sorte que dançar -
Agora tenho um lugar
que me faz de instante
e não importa o antes.
Porque depois também eu não sei,
mas seguro um aplauso
esse sorrir infinito,
esse olhar mais bonito
que atinge o meu dia...
Se é madrugada e escuto
o silêncio, descubro
que acordo, me vejo perdido
nessa hora, quando mais preciso
entender que sou feito de vento
e vale quem ria comigo
como companhia...

semáforo

são pedaços de universo
esse endereço
esqueço o meu verso
que um dia fiz

era falta o que eu sentia
aparar a sorte com alicate
desacate essa ira fria
que eu não quis

agora pinto de azul
esse blues que canto
encanto do sul
vento e verniz

e esse semáforo vermelho
se abre em metáforas verdes
perdes teu espelho
tua sina de atriz

e ainda é sorriso
o meu olhar tão raso
acaso que preciso
para me pintar de giz

sábado, 16 de outubro de 2010

o lenço da noite

como se fosse ontem,
as roupas sujas de tanta rua,
a face desenhada de tempo -
é tanta hora meu Deus - é tanto vento,
fazer compressas em minha febre.

ontem eu já não era lívido, nem brando.
ontem eu era espanto.

porque de tanto caminhar e pranto
eu vou... é rua deserta - aonde a flexa vai,
somente o desejo fixa,
nem cume nem vela, nem alvo e sentinela
para chorar o que ainda não chorei.

é que de tarde a chuva cai
e o meu medo é ficar encharcado
de suas angústias.

mas me sirvo de lenço, uma xícara tão quente
e seus segredos revelados.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

por um triz

ninguém lembrou de mim
quando eu era um disfarce,
mas foi exalar o meu fim
nessa epifânica face,
a última pétala de jasmim...

que o meu encanto de aprendiz
despencou do seu palco de vento
e agora - salvo por um triz -
eu vi o cálice do meu momento
virar uma gota de verniz

e é onde me encontro preso
nesse equilíbrio de fio teso
balançando entre o horizonte
de um riso e o meu lábio
semicerrado dizendo adeus...

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

estranho

sou estranho
do tamanho
de um grão

e nesse humus
tão fecundo
me inundo

sou estranho
abro a porta
do avesso

e entro
e desço
e esqueço

que não
ainda não
pertenço aqui

sou estranho
porque faço
poesia

porque de dia
vivo uma vida
de cão

e de noite
morro de vez

sábado, 9 de outubro de 2010

estandarte

hoje é um costume
e safo - são chuvas -
gotas prateadas,
e relâmpagos riscando o céu.

não vi nenhum orvalho,
apenas estrondo
e toda pétala de medo
tombando com seus
segredos - asas ao léu -

que, ao arrebate,
é tombo, um corpo ferido,
um nú sem abrigo
pelo estandarte da noite.

sob a espreita do delírio
todo lírio, amarelo
em seu absurdo,
branco como consolo
de paz e martírio
na feiura surda
dos campos sórdidos
de batalha...

domingo, 3 de outubro de 2010

ninguém aguenta

pego o meu jornal
e sento lá fora,
ver o dia clarear
com suas histórias
de marias...
- e é de sol! é de sol!
porque a noite
foi uma insônia fria
e ninguém ria,
nem chorava...
era madrugada lenta
aquele vazio
que ninguem aguenta.
meu bem, eu desenhei
nesse arrebol
com seus fios tesos
de lençol,
a minha prisão obsoleta
e nessa letra
te peço atenção
para sentir
que não sou feito
de arremedo
e sou segredo
de falar ao coração...

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

além das paredes

quedo agora, no tempo,
sem esse lamento
nem inoperância

quedo sem a autoria
dos meus versos
quase secos
e bebo a fome

e engulo esse aço
camboio de setembro
onde findam as horas

eu danço, meu bem
meus pés são esse
templo sagrado

que é por onde me perco
quase sempre rua afora
que é por onde teço
minhas preces

meu corpo é de pedra
e cartilagem
é onde mora a brutal
inconsistência de mim

um apartamento sem portas
entra quem quer entrar
sai quem quiser sair

fica quem me tolera
além das minhas máscaras

domingo, 26 de setembro de 2010

calabouço

a nudez da alma é necessária,
a vida atrelada ao tempo
com a aridez do dia,
silêncio é apenas um modo
de falar mais alto,
quando as palavras
jazem cansadas no calabouço
da memória.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

cartas

...e eu chorei,
na minha sina de estudante,
porque as fotografias
que eu guardei, quase sempre
esqueci,

mas não esqueci o instante,
que aqueles traços
esfarelados pelo tempo,

me solidificaram
na iminência de uma lágrima
e é tempestade de lembrança
e é aço de saudade...

foram bilhetes os amigos
que espalhei, e estão guardados
no cerne desse coração

e são cartas as esperas
que ainda guardo.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

desigual

de fato
disfarço o desabafo
e arremesso para outros desfechos
não culpo a falta de trato
que, sozinho safo,
e ainda me fecho,
sou sombra de trem
que descobre num trilho
o meu vai e vem
de viajante sem sonhos
não tenho tamanho
e é difícil sucumbir sem estribilho
e vi no asfalto um pedaço de mim
porque sapato não se encontra em padaria
e só alivia
o desespero de não ter preço
porque o começo
é um tempero desigual

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

outros becos

...eu sinto o chão, irmão,
é que a terra desabou abaixo de mim.
nesse limite sem fim
o catador não reclamou
a lama que pisa,
nem confusa é a palha
que teu teto derrama,
teto de nuvem, cinza ao lado.
sim, tinha uma fotografia no quadro,
quatro patas como companheira,
um focinho abandono
que não sentia mais o cheiro
desse tempero debalde.
Amiúde, toda insistência do mundo
em caminhar por essa terra
misturada, às vezes estrangeira,
de tanta lida e cansaço,
que, vestido de palhaço,
eu rumo sem eira
pelo desconhecido
de asfalto e beco
dessa cidade...

domingo, 19 de setembro de 2010

outros quintais

minhas algibeiras abrigam
em forma de descanço
esse cansaço do dia

e arremesso as horas
pela janela afora
e as coisas vistas
me perseguem

por onde ando
me acostumo
e é fazer aceno
e comprar jornal

distribuo um sorriso
por outros quintais

a tarde é um invento
que eu quero para mim
onde caminha qualquer instante
de poesia

sábado, 18 de setembro de 2010

recolhimento...

confesso agora
que, à tona do entardecer
resguardo os predicados,
recolho as paráfrases
para ver numa reticência
aonde é que esse cansaço
vai dar...

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

solavanco

gosto do som inverso
a pauta em branco
que não diz nada
gosto

gosto do solavanco
que agosto me deixou
ruminar em giz
o verso

aposto uma nota
num tom marginal
e pintar de concreto
algumas folhas picotadas

ler do avesso
essas letras mal traçadas

negar comida às traças
que a estante
indomada

guarda com sua vaidade
de pretérito

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

concretude

pelo chão um tapete
pisoteado enfeite
de ostentação

um pé sujo
calça o asfalto
de nudez

incongruência laica

terça-feira, 14 de setembro de 2010

ensaio

deito sobre o aplauso
dessa farça
nada mais que um olhar pirata
em que se disfarça
teu riso tão raso
de amargo entardecer
de fúria inata

deito sobre o esteio
desse berço
o machado que desmata
em que ainda me entristeço
por quem não veio
fechar as cortinas do alvorecer
nesse ensaio que vive e mata

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

imensidão

e quando tudo era menos complicado
eu sorria mais, eu queria mais
e quando um vento forte soprou
e quando a noite desabou
como um lençol de estrelas
e quando uma lua imensa
se apossou da minha vida
com seus detalhes de fios em prata
e quando aquela lata era apenas
um esconderijo onde as mariposas
se escondiam e o dia invadia
aquele canto abandono
e quando eu ainda era dono
das minhas respostas
e quando eu era leve como penas
essas brumas do viver
esses brios da minha vicissitude
essa atitude imperfeita
mas menos feia que não declarar
ao vento a minha ilusão
ao tempo a minha falta de razão
essa emoção desembainhada de corte
forte como uma película
onde arrisco os amores
onde dissipo as minhas dores
e quando tudo era mais claro
eu era vasto e me tornei imensidão

terça-feira, 7 de setembro de 2010

acorde

antes que eu me recorde
ela toma posse de mim
ao olhar esse céu sem pauta
buscando nesse acorde
qualquer nota sem fim
que me faça internauta
dessa música que arde
como um desespero covarde
de poesia que não se despede
e nem arrefece a alma
mas enche de calma
meu olhar cheio de sede

fome

e é o pão a cura
que procuras
para a insônia
desse estômago
que jaz calado

e essa boca
que mastiga verbo
vomita reticências

desenfreada frase
salivando os dedos
nesse teclado

sacia agora de texto
o endereço desse
olhar cheio de miopia

- apreciar o ócio
das horas vírgens

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

inesperado

na contramão
de mim, eu vou

para buscar
num atalho

qualquer disparo
que me acerte

e guardar
comigo a saudade

de tantos
sorrisos perdidos

que me
encontraram

domingo, 5 de setembro de 2010

diário de um monólogo

(...)tenho uma xícara de café como companheira,
sim, tenho, isso é paradoxal, porque à minha maneira de ver
pertenço ao clube atlético do sozinho, uma multidão de ninguém
reverberando os rostos do mundo, esse concreto de sal e água(...)

e é uma estrutura, é um círculo as prisões efêmeras da eternidade.
sou mudo, sou surdo, sou cego, uma faca cortante de dois gumes,
um alicerce imperfeito, ferrugem carcomida, osso e chama acesa,
uma vela derretida num pavio que se transforma em cinza, uma presa
nessa represa constante que me invade, ao covarde sou o medo
que acomete e inverte e instiga a coragem iminente, seio virgem de
prover o nada por essa terra batida de estrada que a vida oferece.

por que tens todas as respostas? não há respostas, nem liberdade,
nem saudade sem distância, nem distância sem espaço, nem espaço
sem lacuna, nem lacuna sem vácuo, nem vácuo que não seja nada...

então, que lida é essa, esse desespero entorpecente, esse delírio
pervertido de unanimidade? se eu não estou aqui, se eu nunca
estive aqui, se ali é nada além de qualquer lugar, que também
não existe, e para onde vamos, e de onde viemos, e quem somos,
e nada somos além de uma consciência que é anulada por uma inconsciência
eterna? a consciência, meu bem, é finita, a inconsciência não tem fim,

é a única certeza, pois nada tem sentido além de que não há
lugar algum de se fazer pedra ou árvore, ou pássaro...
construímos grandes edifícios em prol de apenas ornamentarmos
o que um dia chamamos de consciência, é a assinatura
dessa grande obra da humanidade... colhei-vos todos
o fruto perecível do saber e fartai-vos todos, pois,
mais dia menos dia, a semente germinará, e o adubo
de uma grande floresta será o podre das nossas próprias convicções.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

arranha céus

a rua é minha capa
invisível de liberdade.
nela me arranho de concreto
e encontro acolhida
nos braços rudes
cheios de lida
da desesperança,
esse feto inesperado
de verdade e cura
onde me alivio
da loucura presa
da cidade cheia
de arranha céus.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

somente

mastigar a vida
com a boca do outro,
sentir no olfato
o cheiro estranho
de nós...
aos olhos míopes
calçar de óculos
e tempestades
de areia
a imagem perfeita
que o espelho embaçado
desenha de embargo
nessa voz
que somente chora
uma dor que não sente.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Uma paráfrase

Ao teto
a saciedade
varrida de brisa
ventila a dor
que nessas veias
ardem,
ar de vertigens
que incendeia
o virgem instante
de mornez e tédio.
No fim, semblante
aliviado
e poesia,
arquiteto de fazer
o tempo passar
tranquilo e fresco.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

trem periférico

Sentada neste banco,
marcada de estrada e pó,
a vida de fúria
vestida de branco
desatada de nó.

É uma estação de madeira,
um trilho de ferro,
uma pequena maneira
de dissimular
o nada que espero.

Encontrei um pretérito
no meu dia de sombra,
um atalho profundo
nesse trem periférico
para meu sonho de mundo.

E em mim zombam
as sacolas e os papéis
espalhados na janela,
um pileque e um surto
nesse curto espaço
de sentinela...

Sim, sinto nela
o veneno,
a espuma borbulhante
nessa xícara de instante
sendo o café pequeno

que as minhas órbitas
e esferas esfregam na rua
a inquietação que me consome
pelo caótico itinerário
de procura e fome.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

esboço

quem fere
na tentativa de desamor,
fuga e estilhaço,
não encontra
em seu labirinto
a porta de sua ida,
mas a que fica...
e é a confusa
inerência
de fazer parte
dos meus abismos.

domingo, 22 de agosto de 2010

Inalterável

Aos excessos de mim
a suma essência do que me fica
de ser pedra,
areia absoluta
que me destitui
a cada instante
para um novo instante.
Por fim,
sem algibeiras
nem estribos,
rumo norte e sul,
leste e oeste
para meu cimo
selvagem
de amanhecer
homem,
dormir rato
e permanecer
inalterável.

De carne e sonho

O sempre é tudo e nada
um pé descalço perene
pela estrada...
As gargantilhas do desespero,
o tombo da lucidez,
a líquida imagem
do amor: são tudo mar,
tudo estrelas,
constelação de versos
que atrela em minha alma
o desejo consistente,
a fome de sal e pedra,
a lânguida insensatez
de me construir
de verbo,
de me destituir desse
aço irreversível de razão
e me fazer
de carne e sonho.

Lacunas

Sou pássaro,
hoje e sempre
ao léu instante
desse tempo,
um farfalhar
de folhas
ao véu
movimento
de sonhos
e amores
que se chegam
e se vão
como um vento
lento e sóbrio
de abrir
lacunas
em meu coração.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Gruta

Estes anos me são o tempo,
invento sóbrio de nós.
Estas tábuas envergadas
que marcam a lucidez
em minhas costas,
mostruário de ser pedra e pó.

Este tempo me é um vento
que contemplo com a janela
entreaberta das minhas pálpebras
e ladeio com um dormir profundo,
pois aos sonhos, inconfundível,
me entrego, me mudo.

Este vento me é um lençol,
gruta do inevitável,
onde harpeio de instante e lida
minha vida de andante,
Quéops no inabalável
verso de me ser estrada e só.

caixinha de segredos

ao acordar, a pena, leve e suave desfazendo a condolência. de tarde é um voar para além desses olhos, pois a beleza mais de verniz é aquela ali quietinha, nua e bem guardada: numa caixinha de segredos esmiuçada de tanta bobagem, as fitas coloridas daquele sorrir...
guardava tudo do dia numa bolsa, miçangas do instante, depois, separava o joio das horas e embrulhava com as mãos o que sobrava: receita de ser feliz.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

proeminência

a tarde cai
dominical e crepuscular,
cai como sentinela do dia
que se esvazia
na espera
da proeminência
do amanhã...

domingo, 8 de agosto de 2010

Em branco e preto

Pelas arestas do meu dia
eu vejo um sol, nuvem estilhaçada,
e a poeira do sonho nessa arritmia:
bloco de pedra, passos na calçada
empurrando a negligência
num carrossel de vida parca.

Partem os homens,
choram as mulheres,
um portão fechado que consome
e no cerco que me fere
é a paliçada dos que perdem
sem ter chance de usar um nome.

Em branco e preto
é o verbo azedo, a vida morna
estancada como cinzas num cinzeiro,
dispersada em baforadas
impregnando de fuligem os meus pulmões
que pinta a textura do meu dia
com a paisagem desses corpos ébrios.

Ela chegou com seu cedro de arame
desembainhou a tua espada de navalha
e amarrou as suas paredes com fiapos...
Se cobre agora com esse teto de papelão
porque a sua solidão é uma ausência
silenciada nesse pedaço frio de chão...

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A novidade

Ah, dizei!
O alaranjado dos teus versos
com o sabor café
das minhas palavras
não são exatamento
o tom absurdo e imperfeito
nessa arritmia desrimada
de poesia?
Sim, o concreto
é o nosso teto frio
que cobre de escombros
essa beleza quase branca
gravada em grafite e porcelana...
Uma xícara de chá, meu bem!
Há alguns nós para distorcer
a imagem da minha face
e desatar o cobre
desencapado da nossa solidão...
- Não há novidade
nessa realidade,
apenas distorção dos sonhos
que almejamos construir
com esses fios de agora.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

a flor dos capinzais

a rua fria
cheia de noite.
o vento açoitando
um rosto sem
esperança...
por onde anda
essa ilusão?
os olhos secos
bebem as vidraças,
os olhos cheios
de vida branca
e cinza.
a boca bebe
a fome,
come agora o nome
no inusitado
das horas...
matar a vida
a cada dia
enquanto
a morte não chega.
não creio mais
no ineditismo
das coisas -
proclamo sim
a palavra nova
que a velha
ausência -
flor dos capinzais -
tange de janela
no meu mundo
de concreto e lida.

sábado, 24 de julho de 2010

Coldre

Eu vivo,
indescritível e cego,
onde nem há razão,
vazar a perspectiva sem fim
da minha fotografia
espelhada, e branda...

São as traças e os livros
um jardim inútil,
(nem o centeio do inverno)
canteiro de obras obtusas
que em meu coldre veste...
Ah, o tempo da prisão!

Rumina o verme,
o tempo
que desgasta
essa história
de preguiça e pó...
meu osso encapado
de vertigens...

quarta-feira, 21 de julho de 2010

recreio

pelo olho da tarde
bebo desse palco
sem receio
sem o medo covarde
de ser um recreio
nesse cesto de mim

terça-feira, 20 de julho de 2010

agora

junte as peças pobres
as ricas
montar quebra cabeça
do lado de dentro
e de fora
tem endereço
de chegada e ida
despejar o sujo
dos enxagues
e ver a forma
desenhar o tom
de realidade
num sonho de concreto
e vida
agora

domingo, 18 de julho de 2010

saciedade

em dias assim
no hemisfério sul de mim
a concupiscência
dessas pernas
é que me decreta
a fome e o prato
no trato deselegante
que tenho com
as palavras...
no fim, saciedade

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Poeminha retórico

A palavra é um ácido que me corrói,
mas que não me destrói
porque a ponho para fora
antes mesmo de ruminá-la.
Aos que chafurdam o meu nome,
que me inundam no pântano
malogrado das suas idéias,
eu vos digo: não conhecem
a décima parte do que me faço ser
aos que conquistam
a brandura de me fazer revelar.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

olhar de porcelana

verdade, absolutamente
mentira, meticulosamente
ninguém sente esses cubos secos
gelo derretendo os olhos úmidos
lágrimas incandescentes
a boca almeja o grito

meu corpo, teu corpo
veste despida, rua incomodando
o cômodo estreito da minha vida parca

ah, saliva e lábio ávidos!
minha sede abre estrias pela calçada,
desenhar o objeto traçado em rimas,
verbos insurgentes...

espero ébrio e vinho,
uma taça de lucidez e destino,
meu calabouço menino
esquecer meu tempo de ninho

quando a pétala era orvalho,
quando era branca e aurora,
me esquecia...
quando era meio dia, me combatia,
agora, vespertina e vazia,
ela me diz que fica
e seu olhar de porcelana
foi aquela semana
que não terminou jamais...

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Circular

Nessa linha circular eu vou,
quase zonzo, os pernas no tombo
arrecadando equilíbrio
para não cair no comboio
da desfaçatez do corpo.
Eu chumbo disfarçando
o ontem para morder o agora,
esgueirado, cuspindo amanhãs
de suspiros imprevistos.
Eu mundo vasto, caio tremulante,
um desvio pedante,
uma roupa deselegante
me pedindo licença para passar,
essas nádegas abundantes...
Pois estava um dia frio,
foi bobagem telegrafada,
um assovio fino,
um ar cortando a face,
esquartejando o olhar
com uma súplica de descanso:
as horas se derramam num corpo,
que se derrama nessas sobras de tempo
que o dia oferece:
no fim, ponto final.

sábado, 26 de junho de 2010

Do abismo de ser

Sim. Sou um abismo
afundado e profundo
no raso de uma xícara
de café.
Sou, de antemão,
o livro empobrecido
regado de rascunho e pó,
que as esquinas,
que as ruas,
as calçadas nuas
tão livres e cheias de vícios
encheram-me
de palavras empoeiradas,
de olhos esmerados
na miopia mais selvagem
que cavalga os homens
e é estribo e nó.
Sim. Sou um abismo
e arrisco-me nesse cúmulo
de ser desatado e só
como uma avenida
cheia de desespero,
cheia de sina
de chegada e ida.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Quando todos quiserem dizer,
mantenha-se em silêncio,
pois a sabedoria
não precisa ser anunciada.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

ensaio

pelo caminho do ermo,
apenas a incidencia
da palavra cega,
que encontra seu rumo
diante da clara lucidez
de Saramago...

quinta-feira, 17 de junho de 2010

poema espelho

no toque do abismo de nós,
uma pétala de rosa
num estatelar de vento...
uma folha caindo sem tempo...
é o verbo rigoroso
de ser pedra e ar,
de ser coração.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

desuso

a vida é corriqueira,
ainda breve de alguns encantos,
é rocha firme
que estampa de estrada
os calcanhares,
e, calçada desnuda,
é uma veste
quase sempre
emendada de retalhos
e amigos...

segunda-feira, 14 de junho de 2010

tango

esses outonos
são broches
que guardam o bronze
de uma tarde fria,
outrora, céu azul,
para enfeitar
o inverno
de uma vida
cheia de sudeste...
abaixo da linha
do equador,
apenas a fumaça
de um charuto.
abaixo de Havana
apenas o culto
das pernas
revelando entre cetim
o esconderijo
de uma dança
na atmosfera
de um Gardel...

domingo, 13 de junho de 2010

ponto final

morrer no ponto
é extremar o encanto
que a práxis vida
de tão corriqueira
é santa ausência
de nós, que outrora,
procuramos
no tangível instante
de uma reticência...

Veneza

serás assim,
na plástica de tua arte,
no artefato de tuas rimas,
no citoplasma de teu poema,
na candeia acesa
de tua poesia,
a arte colhida
de uma ruína pela rua,
pelos lábios sem cafeína,
o coração selvagem
nesta janela aberta
sustentando uma parede
sem reboco cheia de tijolos,
possível na teu trato
com as palavras,
no trato de teus olhos
com as belezas
ainda perdidas repletas
de avenidas, de gentes,
de pontes, viadutos,
indulta verdade
de teus olhos de Veneza...

quarta-feira, 9 de junho de 2010

íris descontraída

contrair a boca,
o corpo astuto
a pele densa
de vapores líquidos
contrair o pulso
o soco avulso
que as intrigas
convocaram.
a língua é o fruto
maduro que mastigas
com sabor saliva
de amor,
ondulações da dor
que eu deduso
bruta negociação
de sorrir
e cair em distração...
é assim um pensamento
vago, após o beijo,
após o abstrato
desenhando maravilhas
através da íris
descontraída.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

mariposa

é tão necessário o tempo
tão indulgente o instante
que as mariposas, outrora,
dormem os seus invernos na
mais absoluta remissão
dos seus dias de larva,
e agora, pupa,
é um descanço eterno
das privações das horas...
o homem é uma lagarta
que sonha sonha em voar
como mariposa,
mas teme a desconhecida
sina de um casulo.

domingo, 6 de junho de 2010

pandora

alguém está roubando,
antes, a minha vida de vícios,
depois, o meu futuro de tijolo e acabamento,
antes, o meu passado graveto,
agora, minha história de risco
que eu rabisco com um giz no chão...
às vezes era confusão,
uma marreta na mão,
algumas pedras quebradas
e encher de alegria
o meu pobre coração...
algum dinheiro para comprar
o meu brinquedo
e fazer poesia barata
com rimas terminadas em ão...
- Ei Seu José, vê se acaba logo
com essa fina ralé de alegoria!
- Trás consigo o verbo
de um agora, pois o meu abrigo
é uma pergunta sem resposta:
e agora José?

quinta-feira, 3 de junho de 2010

as palavras...

volto agora à inocência dos dias,
minha alma cheia de som
argumentando com as névoas
esse universo branco de estrelas.
as palavras escapam do meu corpo,
mãos, olhos, ouvido, pele e coração.
é como se uma sinfonia de letras,
de versos, sinestesia,
catacrese, metaforismos espalhados
por toda parte...
é como se as cordas fossem
um badalo de sino tilintando
em meus tímpanos estampando
no papel as notas da minha palavra...
batendo no descompasso do meu coração
esse amor ao avesso
de banhar o feio com meus olhos
e enxergar ali apenas poesia.
por que me sinto um pássaro
e uma grade ao mesmo tempo?
tenho no desvelo das horas
minha fúria atemporal,
têmpora deselegante
colhendo do instante
as botas velhas
que ninguém usa mais.
um pé na contramão do mundo
uma folha à deriva do vento
uma boca cheia de sede
descobrindo nos sorrisos
a abundância da vida,
minha mão sem direção,
meus dedos cheios de teclado
constroem agora o que eu sempre fui...
alguém que mistura palavras,
e a responsabilidade do sentido
fica por conta de quem as lê.

casulo

meu tempo é lúcido,
um subir e descer montanhas
com esses meandros
e pedras nos bolsos,
assustar o futuro
com um museu
de novidades...
escrever do avesso
o ontem, esse tic tac
de sonhos de ir mais longe.

domingo, 30 de maio de 2010

A flor sem pétala

Dentro da rua tem todas as verdades,
esses segredos que se revelam
sem o melindre das conivências,
das roupas sujas que vestem de corpo
a calçada fria cheia de chão...
Tomba um edifício com seu telhado de sombra,
e seus depósitos de lixo,
um ofício meliante,
um cesto abandono para preencher de ceia
todas as fomes - preencher de lar,
todas as vidas, preencher de vida,
uma mera calçada, e os olhos cegos
que ali passam, e a estrada árdua
que é nódua, tatuagem picando a face
com esse tempo ardiloso
de farrapo e flor sem pétala
num canteiro de pedras...

sábado, 29 de maio de 2010

No silêncio

Hoje, tu tens um sorriso largo de me abraçar,
é quando desmbrulho todas as fotografias,
é quando recordo que não me deixavas
quieto tentando me desenhar...

Eu quero pintar ainda um poema
com as sete cores da tua alegria,
deitar na grama, me afundar no céu,
colher do infinito o teu mundo de sonhos.

Porque eu ainda não desisto,
é uma janela aberta, uma porta escancarada,
o meu amar calado, teu encanto guardado
na teimosia do meu coração...

terça-feira, 25 de maio de 2010

ponte aérea

ah, esse desavesso
confessando em mim
tudo que não posso ser...
eu quero guardar meu gozo,
mostrar a perda,
deixar um canivete
cortar meu ânimo,
pois antes, antes
era uma euforia,
suas respostas rápidas,
sua concordância sem verbo,
mas era essa literária
empatia desintelectualizada
de um meliante
com sua postura de
atriz, pelos menos
suas pernas
num plié contemporâneo
me fazem, ainda,
curtir essa essência
embargada de minha voz
com o âmbar veloz
de sua postura
de menina
com alguns sonhos urbanos
para realizar...

domingo, 23 de maio de 2010

aniversário

Carla,
lembrei-me que hoje é um dia abundante,
lá fora um outono cheio de sol
e uma leveza de vento
tecendo a imagem calma
pelo horizonte do teu sorriso.

Carla,
lembrei-me que nenhuma idade é tão distante,
apenas vigora em nossa face
toda beleza que aprendemos a colher
sem nenhum disfarce de verdade
que transparece o invisível.

Carla,
lembrei-me que te devo um abraço,
pois hoje se faz especial,
não pelo dia lá fora,
nem pela visita inesperada
de mais uma amiga em meu coração...

Carla
...mas por comemorar com o sol
o dia em que brotou para a vida,
mais que um canteiro de margaridas
com essa teimosia querida
de ser Carla em desmedida.

tudo que cabe em mim

cabe agora em mim as estruturas
de uma esperança branca
as palavras que tu procuras
teu riso de porcelana,
teu olhar de Bianca
com textura de neve
verso que não engana
pois o giz que em mim escreve
tece de horizonte
o que não fica para trás

cabe agora em mim esse céu de prata
gravura de teus ofícios
um escravo de gravata
combatendo um antigo vício
de deixar na terra
o que era vermelho
e salvar na guerra
o que não era espelho
lançar um grito derradeiro
para capturar na cela a essência da minha paz

cabe agora em mim uma estrela pequena
brilhante e veloz como um vaga lume
aquela ira que ninguém inventa
aquela verdade que ninguém assume
um coração selvagem
abrindo uma cortina sem janela
levar no vento a minha bagagem
que partiu sem ela
forjar no verbo a minha febre
e encontrar no poema esse verso torto que ninguém desfaz

sábado, 22 de maio de 2010

Corda bamba

É... A vida me põe de novo em corda bamba
pelo zelo dos bons tratos
que me dou de vez em quando.
Assim, alforriado e displicente,
é que rogo a prece para cair
sempre do lado de mim
sem machucar uma folha verde -
que por acaso - crescer em meu jardim.
Mas caia eu lá caia eu cá
sempre me levanto
com a fineza e teimosia de um menino
e vou atinar-me em novas cordas.
Bamba mesmo é a vida,
pois eu, eu sou é equilibrista...

sexta-feira, 21 de maio de 2010

varal

minha dura certeza
é saber que nasço
do abstrato sem pedigree
da minha triste realidade sem fim
entre uma parede
sem horizonte
e um quintal sem cercado
onde balança brando e solitário
um varal sem o vestido rodado
que agora veste
minha lembrança branca
de seu corpo dançando livre
pelo meu palco de memórias
que não tive...

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Vagão

Pela linha servil do movimento,
vou, vagão solitário
com meu marchar tão lento,
buscar nesse horizonte
alguma fuga, algum alento
para me fartar dessas paisagens
urbanas, me impregnar de gente,
ser uma janela sem vidraça,
uma porta aberta
que não precisa de passagem
para me fazer viagem
sem a desnecessária
bagagem de uma mala vazia.
Levo as imagens gravadas
dos sorrisos tão tímidos
e uma saudade guardada
numa mão que teimou em não abrir
para o aceno do adeus...

domingo, 16 de maio de 2010

sem licença poética

sou uma palavra
solta e desprendida da minha boca
livre e veloz como um relâmpago,
aguda e certeira como uma flexa
na discordância dos verbos,
na deselegância dos versos
que agora - sem licênça poética -
invade meu mundo absurdo de texto.

sábado, 15 de maio de 2010

Imaculada

Dentro de um copo resta uma gota
guardando o silêncio das madrugadas.
A boca que ali bebeu era o estigma de
um lábio frio que desconhece o toque de um beijo...
Permanecem todos os conflitos guardados
e que causam as estrias pela teoria do caos
que todas as filosofias esqueceram.
Por que aquele homem chora agora
em sua estrada vestido de fúria e vento?
A mulher ainda desce a ladeira
e a cicatriz dos tempos acompanha
seus pés e deixa estampada
no chão todas as civilizações de uma guerra,
uma pegada no ápice das virtudes,
na alegoria de todas as lacunas,
na hegemonia de todas as vitórias,
na inocência de todas as batalhas.
Um lábio seco ainda fricciona
o sabor inestimável do dia.
É a glória do instante em reverência
aos deuses e suas divindades,
idades e frutos no amadurecimento
do que sentimos: uma luz perdida
no cerne abstrato de nós mesmos.
Rufam os tambores
e a fé imaculada da vida é um hóspede
que não tem hora certa para partir...

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Palavra muda

Quem se atreve a plantar
a hora exata do amanha?
Já deixei os desapegos, colhi da andança
alguma necessidade de me calar,
agora ouço do silêncio
a palavra branda que diz:
por que correr atrás do sonho?
Deixar a pálpebra se abrir,
olhar o distante mais perto...
Sou um verso branco sem estrofes de amor,
mas sou a palavra muda que ainda sabe sentir...

quarta-feira, 12 de maio de 2010

moldura

quando eu estou no teto do tempo
estou no colo vazio da vida
colhendo na poeira da parede
algum amarelo
nalguma moldura,
qualquer retrato vencido
um sorriso embranquecido
que afague ainda
a tarde cinza dos meus dias

sábado, 8 de maio de 2010

cabeça de balão

tenho um pé no chão
uma mão numa árvore
uma asa quebrada querendo voar

uma cabeça avoada
que só sabe sonhar

tenho um jeito inibido
com um olhar caído de desencantar
quem desacata o meu refrão
quem não prefere falar palavrão
quem interfere na minha libido
é um caso perdido que eu sopro no ar

eu sou um peixe, um pássaro, um morcego
eu não sou cego, meu eixo é tímido
sou tão menino meu tempo é verniz

tenho um pé no chão
uma cabeça de balão
voando tão alto
um sapato no asfalto
uma nuvem desmantelada
de cada pedaço disperso
que eu sempre sou

tenho um pé no chão
um dedo adiante da minha vista
um horizonte imenso
tão comprimido em meu coração

terça-feira, 4 de maio de 2010

premissa

uma vez dita,
qualquer frase é um livro simples
a ser compreendido,
qualquer léxico na parede
é uma rede desfiada
de código entre o limite
da lacuna e a premissa
do entendimento.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

a última

era assim:
bate na porta
algum toc toc
de um coração maluco

e uma parede puta
vendendo a alma nua
que ficou de sobra
num canudo

tem uma pressa
de destrancar o chão
abrir os passos
e encontrar na curva
algum olhar
que não me viu

estancar o desespero
pegar no
desenlevo da feira
toda ar que não partiu

parir na avenida
alguma ida
alguma vida
sem endereço

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Doze Anos

Aquela boca tingida de batom,
um ébano em cobertura púrpura,
cetim balançando pobre pela janela protegendo
da noite lá fora...
O balcão é o apoio das frustrações,
Um doze anos envelhecido apenas no rótulo barato,
aquele falso sabor, entorpecimento.
Amor é sentir a atmosfera selvagem
das coisas tortas
e o âmbar da madeira corroída
pelo tempo.
O olhar era mistura de lascívia,
minha libido desgovernada
tomada de vício, vicissitude que não aprendi,
pois entre suas pernas cruzadas
apenas o que meu desejo não pôde tocar.

sábado, 17 de abril de 2010

A rosa inocente

Sai pela rua vadia todas as vaidades,
e o perfume barato das prostitutas,
e o cheiro de tabaco impregnando de gente
as laterais dessa cidade descomposta...
Nesses botecos, é um viço de manifesto,
calar as injúrias com um gole de cachaça,
um trago no cigarro, desenferrujar o carro
do velho motor a diesel,
é tanta perna pelada, desavergonhada inocência
enchendo de libido
as barbas ainda pretas, outras grisalhas,
alguns fiapos que acompanham os olhos,
a boca cheia de água, o corpo cheio de vício...

sábado, 10 de abril de 2010

Crônica do pós moderno

Estamos no tempo da náusea onde somos cidadãos do mundo, mas nos sentimos estrangeiros de nós mesmos. É só, sem tino ou inteligência, observar o movimento das pessoas caminhando como ondas no mar imenso das cidades de pedra. São as calçadas, onde os tropeços, onde a pressa e o foco, na miopia virgem das horas, as melhores companheiras. E tanta face ausente, tanto rosto triste por cima dos viadutos, um olhar atrás do muro, outro a espreita do incrível silêncio que se faz pelo barulho ausente... Acho que Camus e Sartre, de alguma forma, abandonando às dialéticas da filosofia, possuem alguma verdade no que tange à solidão humana. Somos depressivos, um mal da pós modernidade, não há como fugirmos, estamos emaranhados nessa corrente. Aonde iremos? Não sei responder.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Dialética

Sou o insumo nexo do inacabado,
overdose de riscos,
que meus dramas e pormenores
dilaceram, e vertem,
e secam a razão
de flâmula e verso
para sanar de amores,
todos, os que ainda tive,
os que não me fugirão às garras
ainda em cartilagem,
meu riso de brim,
pelo selvagem mar da tranqüilidade.

terça-feira, 6 de abril de 2010

obliquos da noite

preciso estimular minha íris
a não deixar o opaco da vida
tomar conta dos meus olhos
pelo hálito da noite
sem a primazia benfazeja das horas,
sem a proeminência do sereno morno
visitando lentamente a vidraça
do meu quarto, sem a obliqüidade
da pressa que já não me faz mais cócegas,
eu perambulo tácito com meu pensamento
loquaz de dizer apenas com meus lábios mudos,
serrados e mordiscantes ora verbo rarefeito
em minha mania serena de assumir
meus riscos de predicados,
ora meu pressuposto medo do escuro,
ora minha labuta, minha sina,
ora minha verdade assassina de segredos,
ora os ventos do norte
trazendo sorte
para minha vida sudeste de homem urbano

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Os quintais

Numa praça, tomada pela atmosfera
de um horizonte circular,
está sentado, sob a espreita
do vazio e o caos,
num banco, entre o silêncio
e a placidez dos seus olhos:
um velho...
Chega uma menina, com seus olhos grandes,
com sua boca curiosa
entrecortando as palavras
por entre a língua inocente
e os dentes, que já foram janelas,
agora destacados, e pergunta:
- Que é isso em seu colo?
- É um livro. Responde o velho.
- E esse livro é sobre o quê?
- Poemas...
- E quem escreve poemas é escritor?
- Não, quem escreve poemas é poeta.
- E o que é poeta?
O velho coça a barba grisalha, enverga
a sobrancelha direita numa ar pensativo
e responde.
- Poetas são pássaros que voam todos os dias
para outros quintais.
A menina balança as pernas, estica os braços, arregala os olhos e:
- Poetas são tristes por não morarem na árvore
de apenas um quintal?
- Não, triste é a folha vazia e branca
onde pousa o poeta com seu olhar de grafite.
Então, a menina pega o livro, abre-o, rasga uma página
e a lança pelo vento morno da tarde.
O velho, sem entender nada, pergunta:
- Por que rasgou o livro e lançou a folha ao ar?
- Porque há pássaros cegos que precisam
aprender a ler esses quintais...

espera simples

estou esperando
que a vida me venha
mais pelas beiradas
que pela lucidez central
das coisas mortas

domingo, 4 de abril de 2010

meus silêncios

sou uma seta sem direção
na procura desenfreada
de acertar meu alvo
incólume de dizer,
apenas, e simplesmente,
o que sinto.
porque é inefável
tudo que se sente,
e nenhuma palavra pode vestir
o corpo robusto e nú
das coisas ditas
apenas com o silêncio.

Sinergia e dança

Toda vez que você dança
meus olhos procuram
desesperadamente
o instante palco
do aplauso do seu
riso sobre mim...
alumbramento.

sábado, 3 de abril de 2010

Pela tarde

Então ela saiu,
buscou abrigo no seu coração,
perdeu aposta de fazer refrão
com a ausência que ninguem pediu.

Pela tarde aberta de burburinho
vestiu casaca, sacodiu seu medo,
guardou segredo que todo mundo sabe,
mas que somente cabe

na pegada firme desse seu caminho.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

duelo

na lama eu venço,
entorpecidamente,
à minha maneira
de concreto, e nuvem,
meu lar discreto
de papelão

quarta-feira, 31 de março de 2010

incongruência

culto é esse
pão abrupto
que aparece
em meu
prato raso
nesse lar
de mato
ao acaso

sábado, 27 de março de 2010

Alguma forma de liberdade

Estava um dia calado
surrava o corpo a dor
com seu prato leve de desespero

Tão entregue era vestir de núpcias
a madrugada, as flores mal vestidas
de desencanto, um engodo

Na passarela um istmo de silêncio
era o único meio preso entre o aplauso
e o vazio perpétuo das multidões:

cortinas pendem, tambores rufam,
era uma fotografia presa na parede de pedra

e a esmeralda da noite escapando
pelas frestas da imaginação do povo

era uma rosa surda, era uma rosa muda
que não sorria nem chorava
com suas pétalas abertas,
com seu perfume de deserto

Pendia do caule robusto da guerra
a seiva vermelha e um riso amarelo
desenhando algum futuro
em meio ao extrato, às ruínas, ao caos...

Um grito corta todas as possibilidades de fuga
do alçapão sem nome da falta de amor
e estava deitado no berço miserável da vida
como uma ninfa prestes a enclausurar-se:

o poeta cheio de medo,
com seus fios de sonho, com o pavor
da morte anunciada

com a dor estrangulada, o raio fugidio
das sensações, com sua mania de brio,
com seu desastre e gana

procurando pelas beiras da semana
algum rastro de poesia,
alguma forma de liberdade...

terça-feira, 23 de março de 2010

Poema particular

Apesar de a calma inerente

fazer um pouso plácido

em minha face,

e minha voz ter a cadência

dos anciãos,

eu sou mesmo é um temporal...


Agora, a igualdade existe tão somente para os iguais...

Então cada pedra se encontra em meio aos pedregulhos,

cada tolice faz sentido em meio aos tolos

e a rocha firme da solidão encontra abrigo

no seio obliquo da ausência, que é também algum vazio...


Mas a noite possui uma música boa

e a insônia é perpendicular ao caos:

paralelos distantes, de dia os olhos pendem.


Então diga por que amanhã é tão pretérito?


Os dentes mordem e a boca saliva palavrões,

algum pulmão passando apuros,

e aquela ressonância se revelando em particularidades:

calar a boca com um manifesto, algo óbvio, lógico!


A gaiola se abre e o pássaro não consegue fugir...

Arquivo do blog