Feed

Assine o Feed e receba os artigos por email

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O fim do mundo

Eu vi, esticadas, miúdas sob a textura
irremediável, opaca, amarela, que
grunhe pelas pontas dos meus dedos,
que resfria meu espírito
pela gastura do tato – do jornal em prantos –
as letras em frase perene,
com a notícia
do fim do mundo.

A banca, o banco, a praça...

A primeira onde abarcam os perdidos
que se alimentam da descoberta
do segredo de não estar só.

O segundo, o anfitrião onde guarda o repouso
do vivo, que é morto,
onde recolhe da noite solitária,
o morto, que é vivo
e abre o espírito episcopal da humanidade
onde tudo se pertence, se distancia.

A terceira é a gênese do mundo,
onde a vida se extrai de uma lembrança e de um fim.
Onde as ruas se encontram e se despedem
e crianças guardam o choro
e embalsamam um grito de alegria
pela relva macia e descuidada.

Um cachorro não toma ciência do fim
quando  seu latido escolhe
assustar  o silêncio,
nem quando mudo, grunhindo amarguras
de abandono e frio.
Um cachorro é órfão de gente,
de existência e finitude.

Mas sente a morte que se aproxima,
não a sua, mas a do seu algoz,
ou senhor – ou coisa alguma – ou tudo.

O mundo já acabou quando a flor
pendeu a última pétala pela avenida,
caiu silente pelo asfalto
com sua branquidão de paz,
com sua vermelhidão de dor,
com sua escassa tonalidade de azul.

A flor cinza dos tempos.

Eu vi, pelos varais do mundo,
pequenos embrulhos esticados,
cartões postais dos países
que erradicaram as fronteiras,

eu vi estandartes de muitas pátrias
estendidos à unidade do povo.

Queríamos jardins,
caminhamos pelas pedras, em vão,
da liberdade.

Hoje, morre o mundo com seu rancor,
o mundo que extrai da vida
a porcelana de um sorriso, que é só dente,
mas que não sabe da fotografia
de um regato descendo a colina,
o mundo vestindo sua máscara de gente,
a roupa que segreda do corpo
o vento que é gratuito,
os pés que se escondem do chão
que um dia será abrigo e fim...

Hoje, o fim mesmo é só recurso
para vender jornal
e o fim morto e posto –  onde degredo,
ao acordar cedo para a razão
e chegar tarde para repousar
meu verde brio
no travesseiro de um sonho.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Calafate

Nau trôpega de mar e rio
submersa às ancoras, palavra, porto vazio
que acha, ágata de agora e palo seco, graveto
obsecado em cair como pêndulo ao chão.

Soa agora como grito no submisso mundo, veto,
ondas de Alentejo, onde vejo – são -
 os brejos trigais
dessa minha cobiça de alcançar além.

Tua boca, tua sílaba mordaz, teu escudo
de sobretudo cavando versos
na moringa de água, benta água que verte virgem
da terra em cio.

Quebra em mim um coração,
único, silente, como forma de alcançar o brio
que o céu vestido de arrebol
arremessou contra minha pele.

Hoje, seco o vento com a trombeta que ressoa
rude, como pedra que deixou a delicadeza
esfarelada em poeira, amiúde, pétala e madeira
espelhando na tarde o ocre de não se afundar

como noite que subestima, como voz que não se cala,
como dia que não revolta,
a dor, o ópio, o calo, a vertigem
dos pés sem direção seguindo nus pela areia...

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Nascimento

Tambor de Minas Gerais
que alcança zunindo no tempo,
fuzila o lamento: é o trem, é o trem de tantos ais.
Me lança pelas esquinas, inventos de cordas vocais.
É o Milton, rubro no nome,
negro com fome de fole, sanfona, acorde
de sinfonia harmônica,
morde a sílaba, aprisiona o som que comunica
com a alma e liberta o corpo
para falar o que a boca esconde na timidez.
Dedos tecendo a prece,
Apresse a oração, meu filho!
Que eu jogo milho no terreiro para saciar
a agrura, cio de desventura,
lambuzar a mão com fruta madura
de colher quintal com violão...
Que esquenta a fogueira,
moendo a cana e ofertando um dízimo
para dizer a Deus que não é santo,
nem triste, apenas conserva
um traço sagrado de ser Nascimento.
- E Rio, rio de amar o mar que ficou para trás
e que o esconde agora atrás das montanhas
nos traços de Minas Gerais.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Amarelo

Esse tempo que incendeia o espaço, parco espaço que dissimulo
como casulo, paço de uma atmosfera real
que o momento fere, esfera que cumpre sua anatomia
num ritmo que me desenvolve por dentro.

Ele corre o seu ventre, descobre pelas entranhas
algo estranho, carrossel que me ganha
e lança-me pelas arestas vivas e que entorpece:
febre de um malandro com seus meandros de palhaço.

Ah, moça das noites afora, que o dia escolhe
para morrer seus lamentos, agora, tormentos
que colhem flores pela fresta aberta de um crepúsculo...
Ah rotina, istmo de alegria e tristeza
que leva embora, manhas e manhãs de tantos ais!

Com seus carnavais e cataventos,
com suas navalhas e pierrôs, pavios de velas
que o agora apagou com suas novelas,
desalentos de instantes:  são tantos, são prantos,
quebrantos de aquarelas mortas.

Amarelo, seiva e descompostura
que, ao toque febril da terra, me costura e ara.
Amarelo, doce aurora que, ao arder do dia,
fenece como folha murcha ao sopro suave de outono.

Esse tempo que desenho é um agora
cheio de vento e areias espalhadas para construir castelos
pelas mãos pobres de um sonhador:
caçador de realidades que chega e vai embora.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

arco iris

pétala e pólen, folhas e vento,
que, sobre o orvalho que cai
pela manhã, é arco iris
preso em varal
esticando o horizonte da minha vida
como um sorriso que não se desprende,
nem finda,
nem mesmo que meu corpo pereça,
diante da saudade que jaz em mim:
beleza sem princípio,
nem fim de ser feliz.

Arquivo do blog