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domingo, 26 de setembro de 2010

calabouço

a nudez da alma é necessária,
a vida atrelada ao tempo
com a aridez do dia,
silêncio é apenas um modo
de falar mais alto,
quando as palavras
jazem cansadas no calabouço
da memória.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

cartas

...e eu chorei,
na minha sina de estudante,
porque as fotografias
que eu guardei, quase sempre
esqueci,

mas não esqueci o instante,
que aqueles traços
esfarelados pelo tempo,

me solidificaram
na iminência de uma lágrima
e é tempestade de lembrança
e é aço de saudade...

foram bilhetes os amigos
que espalhei, e estão guardados
no cerne desse coração

e são cartas as esperas
que ainda guardo.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

desigual

de fato
disfarço o desabafo
e arremesso para outros desfechos
não culpo a falta de trato
que, sozinho safo,
e ainda me fecho,
sou sombra de trem
que descobre num trilho
o meu vai e vem
de viajante sem sonhos
não tenho tamanho
e é difícil sucumbir sem estribilho
e vi no asfalto um pedaço de mim
porque sapato não se encontra em padaria
e só alivia
o desespero de não ter preço
porque o começo
é um tempero desigual

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

outros becos

...eu sinto o chão, irmão,
é que a terra desabou abaixo de mim.
nesse limite sem fim
o catador não reclamou
a lama que pisa,
nem confusa é a palha
que teu teto derrama,
teto de nuvem, cinza ao lado.
sim, tinha uma fotografia no quadro,
quatro patas como companheira,
um focinho abandono
que não sentia mais o cheiro
desse tempero debalde.
Amiúde, toda insistência do mundo
em caminhar por essa terra
misturada, às vezes estrangeira,
de tanta lida e cansaço,
que, vestido de palhaço,
eu rumo sem eira
pelo desconhecido
de asfalto e beco
dessa cidade...

domingo, 19 de setembro de 2010

outros quintais

minhas algibeiras abrigam
em forma de descanço
esse cansaço do dia

e arremesso as horas
pela janela afora
e as coisas vistas
me perseguem

por onde ando
me acostumo
e é fazer aceno
e comprar jornal

distribuo um sorriso
por outros quintais

a tarde é um invento
que eu quero para mim
onde caminha qualquer instante
de poesia

sábado, 18 de setembro de 2010

recolhimento...

confesso agora
que, à tona do entardecer
resguardo os predicados,
recolho as paráfrases
para ver numa reticência
aonde é que esse cansaço
vai dar...

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

solavanco

gosto do som inverso
a pauta em branco
que não diz nada
gosto

gosto do solavanco
que agosto me deixou
ruminar em giz
o verso

aposto uma nota
num tom marginal
e pintar de concreto
algumas folhas picotadas

ler do avesso
essas letras mal traçadas

negar comida às traças
que a estante
indomada

guarda com sua vaidade
de pretérito

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

concretude

pelo chão um tapete
pisoteado enfeite
de ostentação

um pé sujo
calça o asfalto
de nudez

incongruência laica

terça-feira, 14 de setembro de 2010

ensaio

deito sobre o aplauso
dessa farça
nada mais que um olhar pirata
em que se disfarça
teu riso tão raso
de amargo entardecer
de fúria inata

deito sobre o esteio
desse berço
o machado que desmata
em que ainda me entristeço
por quem não veio
fechar as cortinas do alvorecer
nesse ensaio que vive e mata

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

imensidão

e quando tudo era menos complicado
eu sorria mais, eu queria mais
e quando um vento forte soprou
e quando a noite desabou
como um lençol de estrelas
e quando uma lua imensa
se apossou da minha vida
com seus detalhes de fios em prata
e quando aquela lata era apenas
um esconderijo onde as mariposas
se escondiam e o dia invadia
aquele canto abandono
e quando eu ainda era dono
das minhas respostas
e quando eu era leve como penas
essas brumas do viver
esses brios da minha vicissitude
essa atitude imperfeita
mas menos feia que não declarar
ao vento a minha ilusão
ao tempo a minha falta de razão
essa emoção desembainhada de corte
forte como uma película
onde arrisco os amores
onde dissipo as minhas dores
e quando tudo era mais claro
eu era vasto e me tornei imensidão

terça-feira, 7 de setembro de 2010

acorde

antes que eu me recorde
ela toma posse de mim
ao olhar esse céu sem pauta
buscando nesse acorde
qualquer nota sem fim
que me faça internauta
dessa música que arde
como um desespero covarde
de poesia que não se despede
e nem arrefece a alma
mas enche de calma
meu olhar cheio de sede

fome

e é o pão a cura
que procuras
para a insônia
desse estômago
que jaz calado

e essa boca
que mastiga verbo
vomita reticências

desenfreada frase
salivando os dedos
nesse teclado

sacia agora de texto
o endereço desse
olhar cheio de miopia

- apreciar o ócio
das horas vírgens

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

inesperado

na contramão
de mim, eu vou

para buscar
num atalho

qualquer disparo
que me acerte

e guardar
comigo a saudade

de tantos
sorrisos perdidos

que me
encontraram

domingo, 5 de setembro de 2010

diário de um monólogo

(...)tenho uma xícara de café como companheira,
sim, tenho, isso é paradoxal, porque à minha maneira de ver
pertenço ao clube atlético do sozinho, uma multidão de ninguém
reverberando os rostos do mundo, esse concreto de sal e água(...)

e é uma estrutura, é um círculo as prisões efêmeras da eternidade.
sou mudo, sou surdo, sou cego, uma faca cortante de dois gumes,
um alicerce imperfeito, ferrugem carcomida, osso e chama acesa,
uma vela derretida num pavio que se transforma em cinza, uma presa
nessa represa constante que me invade, ao covarde sou o medo
que acomete e inverte e instiga a coragem iminente, seio virgem de
prover o nada por essa terra batida de estrada que a vida oferece.

por que tens todas as respostas? não há respostas, nem liberdade,
nem saudade sem distância, nem distância sem espaço, nem espaço
sem lacuna, nem lacuna sem vácuo, nem vácuo que não seja nada...

então, que lida é essa, esse desespero entorpecente, esse delírio
pervertido de unanimidade? se eu não estou aqui, se eu nunca
estive aqui, se ali é nada além de qualquer lugar, que também
não existe, e para onde vamos, e de onde viemos, e quem somos,
e nada somos além de uma consciência que é anulada por uma inconsciência
eterna? a consciência, meu bem, é finita, a inconsciência não tem fim,

é a única certeza, pois nada tem sentido além de que não há
lugar algum de se fazer pedra ou árvore, ou pássaro...
construímos grandes edifícios em prol de apenas ornamentarmos
o que um dia chamamos de consciência, é a assinatura
dessa grande obra da humanidade... colhei-vos todos
o fruto perecível do saber e fartai-vos todos, pois,
mais dia menos dia, a semente germinará, e o adubo
de uma grande floresta será o podre das nossas próprias convicções.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

arranha céus

a rua é minha capa
invisível de liberdade.
nela me arranho de concreto
e encontro acolhida
nos braços rudes
cheios de lida
da desesperança,
esse feto inesperado
de verdade e cura
onde me alivio
da loucura presa
da cidade cheia
de arranha céus.

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