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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

cúmplice

qual posto é grito
que ocupa nessa arritmia
de cerdas únicas?
e é teorema e paladares

caminhos frios
que eriçam em vergalhões
esses pêlos rarefeitos

nenhuma boca cansada
nega a súplica, a saliência
de um calafrio,
corpo derramado

de escamas,
enquanto engana
a fome de água,
desvirtuada sede
de verter um ato cúmplice

terça-feira, 26 de outubro de 2010

arrebol

...não foi a andorinha
distante que perdeu forças
e caíu pela miopia
dos meus olhos,

nem o crepitar desse laranja,
nem o infinito desse azul...

a causa do meu espanto
foi ver, entre postes e fios,

horizonte e crepúsculo
equilibrados
no abandono da cidade

sem nenhum arranha céu
para manchar de cinza
essa poesia.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

miçangas...

que faz o ébrio
nessa vida dura,
em meio
às criaturas,
preceito
de alguma candura,
senão amar?

o que procura
é um verbo mar
num verde instante
de desatino.

o que te insulta
é fugir sozinho
sem nenhum muro
em seu caminho.

e aqui, decalque,
em desmesura ida,
sorrir descalço
como um menino.

que faz então,
em cárcere de cidade
sem horizonte -
as perdas -

qualquer amante
sem novidade,
ser essa vontade
de algum amar?

qualquer rosa
é um semblante
e os vincos nessa face,
e as crostas
nessas mãos

são as miçangas
de um desamar...

domingo, 24 de outubro de 2010

alguma espera...

as pessoas constroem suas loucuras,
encontram suas cortinas
em meio a fumaça da rua,
se vão apressadas pelo labirinto
selvagem, sem enredo,
ladeando o medo pelo indefinível...

porque seus olhos são verdes
e a tarde é cinza?
aqui a calma é um vício
que eu tento matar com ansiedade,
porque saudade é uma forma
de solidão que procura na obsessão
se enxarcar de desatino.

lá fora pode ser que eu esteja mais completo,
nem fraude das horas, nem costume...
o que fica é essa síndrome de acaso,
peleja, inconsistência
do inabalável:

de bar eu bar eu procuro
pelo etílico da noite aquela boca
que me suga de insônia pelo desperdício
dos verbos...
eu não espero resposta, nem agrado,
e ainda peco pela virtude
da palavra escrita com o suor
do meu cansaço.

todo tempo do mundo

...temos todo o tempo do mundo,
é um absurdo que o espelho
não mostre tudo - tudo que eu queria ver.
além desse olhar triste,
além dessa palavra em riste,
além de tudo lá fora,
porque estou indo embora
para o verso que eu não fiz...
já bebi em goles secos
cada beijo que eu não quis,
mas era aquela flor de lis
que perdeu seu encanto
ao deixar cair uma pétala
de poesia e pranto.
sim, eu quis ser feliz,
mas a vida meretriz
entorpeceu as minhas veias
e o que era sonho virou pó.
agora badalo pelo timbre do tempo
minha sina de estar só -
porque todos os dias quando acordo
eu vejo que ainda vivo
sem esse remorso desesperado
pelo que ainda não veio...

sábado, 23 de outubro de 2010

Quem?

Essa noite eu não fiquei só,
não saí pra rua - eu apenas
tive mais sorte que dançar -
Agora tenho um lugar
que me faz de instante
e não importa o antes.
Porque depois também eu não sei,
mas seguro um aplauso
esse sorrir infinito,
esse olhar mais bonito
que atinge o meu dia...
Se é madrugada e escuto
o silêncio, descubro
que acordo, me vejo perdido
nessa hora, quando mais preciso
entender que sou feito de vento
e vale quem ria comigo
como companhia...

semáforo

são pedaços de universo
esse endereço
esqueço o meu verso
que um dia fiz

era falta o que eu sentia
aparar a sorte com alicate
desacate essa ira fria
que eu não quis

agora pinto de azul
esse blues que canto
encanto do sul
vento e verniz

e esse semáforo vermelho
se abre em metáforas verdes
perdes teu espelho
tua sina de atriz

e ainda é sorriso
o meu olhar tão raso
acaso que preciso
para me pintar de giz

sábado, 16 de outubro de 2010

o lenço da noite

como se fosse ontem,
as roupas sujas de tanta rua,
a face desenhada de tempo -
é tanta hora meu Deus - é tanto vento,
fazer compressas em minha febre.

ontem eu já não era lívido, nem brando.
ontem eu era espanto.

porque de tanto caminhar e pranto
eu vou... é rua deserta - aonde a flexa vai,
somente o desejo fixa,
nem cume nem vela, nem alvo e sentinela
para chorar o que ainda não chorei.

é que de tarde a chuva cai
e o meu medo é ficar encharcado
de suas angústias.

mas me sirvo de lenço, uma xícara tão quente
e seus segredos revelados.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

por um triz

ninguém lembrou de mim
quando eu era um disfarce,
mas foi exalar o meu fim
nessa epifânica face,
a última pétala de jasmim...

que o meu encanto de aprendiz
despencou do seu palco de vento
e agora - salvo por um triz -
eu vi o cálice do meu momento
virar uma gota de verniz

e é onde me encontro preso
nesse equilíbrio de fio teso
balançando entre o horizonte
de um riso e o meu lábio
semicerrado dizendo adeus...

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

estranho

sou estranho
do tamanho
de um grão

e nesse humus
tão fecundo
me inundo

sou estranho
abro a porta
do avesso

e entro
e desço
e esqueço

que não
ainda não
pertenço aqui

sou estranho
porque faço
poesia

porque de dia
vivo uma vida
de cão

e de noite
morro de vez

sábado, 9 de outubro de 2010

estandarte

hoje é um costume
e safo - são chuvas -
gotas prateadas,
e relâmpagos riscando o céu.

não vi nenhum orvalho,
apenas estrondo
e toda pétala de medo
tombando com seus
segredos - asas ao léu -

que, ao arrebate,
é tombo, um corpo ferido,
um nú sem abrigo
pelo estandarte da noite.

sob a espreita do delírio
todo lírio, amarelo
em seu absurdo,
branco como consolo
de paz e martírio
na feiura surda
dos campos sórdidos
de batalha...

domingo, 3 de outubro de 2010

ninguém aguenta

pego o meu jornal
e sento lá fora,
ver o dia clarear
com suas histórias
de marias...
- e é de sol! é de sol!
porque a noite
foi uma insônia fria
e ninguém ria,
nem chorava...
era madrugada lenta
aquele vazio
que ninguem aguenta.
meu bem, eu desenhei
nesse arrebol
com seus fios tesos
de lençol,
a minha prisão obsoleta
e nessa letra
te peço atenção
para sentir
que não sou feito
de arremedo
e sou segredo
de falar ao coração...

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

além das paredes

quedo agora, no tempo,
sem esse lamento
nem inoperância

quedo sem a autoria
dos meus versos
quase secos
e bebo a fome

e engulo esse aço
camboio de setembro
onde findam as horas

eu danço, meu bem
meus pés são esse
templo sagrado

que é por onde me perco
quase sempre rua afora
que é por onde teço
minhas preces

meu corpo é de pedra
e cartilagem
é onde mora a brutal
inconsistência de mim

um apartamento sem portas
entra quem quer entrar
sai quem quiser sair

fica quem me tolera
além das minhas máscaras

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