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quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Meu último poema

Foi mãozinha rústica, cheia de terra,
desembrulhou papel de bala
e guardou no coração, num abraço
feito aço que não enverga,
a embalagem em letrinhas miúdas
pra fabricar barquinho e trocar presente.
Foi assim, sentado no chão,
com macacão de pernas curtas,
procurando esconderijo
onde se esconde as formiguinhas pela manhã
e a folha verde balançando prá lá e prá cá.
De repente um olhar vistoso...
É assim que descobre segredos:
Estava guardado um poema num formigueiro
de fim de carreata,
tanto anda, tanto anda,
e vai dar num fim em poesia,
a falsa vida carraspana
de tanto pano umedecido,
tanto moleque berrando pro ar:
- Hoje tem dicionário, tem sim senhor!
Pra revelar sinônimo de descoberta,
e estava lá naquelas mãozinhas sujas,
o tempo todo, estava lá...

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Prelúdio

Estava arguto sorvendo as horas
com meus princípios petulantes,
um mero coadjuvante – estorvo.
A faca, aço imóvel, gume atroz, reflete um rosto mudo.
Uma voz concebe veloz mensagens radiofônicas:
cidade saturada, estômago de pedra.
Nas labaredas do dia, pernas, braços, mãos erguidas,
solavancos e despedidas em sintonia fina.
Arranque tuas anáguas, arranque teus palanques,
e faças um broche de amanhâs suaves
como brumas ao vento.
Teu corpo está sedento, tua pele absorve meu corpo-escudo,
tudo é elixir e run.
Pelas bordas do horizonte sigo um semblante de sol
como pássaro errante que sou – vejo o mar além,
que é onde mora meu refúgio.
Jaz aqui, na pedra da alvorada,
uma notícia de jornal:
amanhã, somente amanhã direi.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Lustre e listra

A cumbuca derrama água,
derrama água na gamela
com um gesto desaguado
de manhã desapegada.

As mãos dela, ela esperançada,
derrama força em taramela
para abrir o seu destino
num escancarar de sua janela.

Amiúde, um sorriso dizendo bom dia
e a virtude da sua sina
se espalhando rua afora,
ela toda azul manchando de alegria
um acinzentado de tarde,
um esmaecido de vida.

Uma mão acenando ao vento
um cumprimento de saudade,
goiabeira no fundo do quintal
sombreando a beleza
e uma manhã em calmaria,
ela toda riso, halo que eu preciso,
nos meus dias de ocre.

Ela toda lustre, eu listra do seu brilho,
nós nos derramando vontades
de cera e flanela.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Inversão paralela

Se me fosse dada uma chance de redenção
Nesse labirinto amargo chamado vida
E nos meus calos nesse cálice de sangue fanado
Na finda essência em mim derramada,
Meus dias seriam mais sensatos,
Menos tomados de ócio
Com o ocre das tardes esmaecidas pelo carvão da noite.
Se esta súplica me chegasse mais tolerante
E mais exaurida, nesse vão de ilusões perdidas,
Nas manhãs mais caladas,
Onde o vento só sopra ao contrário de mim,
Onde a chuva só me cai em torrentes,
Eu não estaria mais aqui,
Não estaria murcho como uma folha de outono.
Que deuses das antigas civilizações
Perseguem minha sina?
Meus amálgamas enlameados me ferem
No cerne do meu ventre aberto.
Vejo galhos encobertos com o limo
Da umidade das minhas lágrimas.
E os meus sonhos são meras fitas desamarradas
Dos meus medos.
Se esta linha paralela da verdade acudisse
Minhas lamúrias, talvez, o inverso do branco,
Fosse a tonalidade da minha paz.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Rio perdido

Nesse rio perdido,
já passei mais que noites, mais que sonhos desmedidos
procurando a curva do meu destino.
Já guardei os meus retalhos de esperança
e fiz pequenos lenços, bilhetes soprados pelo vento.
Correnteza abaixo, gotas borbulhantes
que banharam os meus dias,
quase sofro, quase chego
e o meu coração já ficou desmanchado
como a água que se espalha sobre a rocha,
um segundo do meu tempo rabiscado
por lágrimas que em mim deságuam...
Um corpo cambaleante caminha,
pés molhados e o meu rincão guardado
nessa linha tênue de vida
após o sossego: é a calmaria que me vence
rio abaixo de tristezas.

Rascunho

Olha, nem sei se aqui estarei
Num “seis” qualquer que a vida me apresente,
Nem sei se as horas são mesmo horas,
Ou se são minutos escondidos em segundos,
Momentos profundos de um estar somente
Enquanto o tempo se faz presente em mim ou em todos.
Nem sei se o poema sairá,
Se será a face do meu lado mudo,
Se será tudo durante um encontro programado
Para uma data que talvez não exista,
Que talvez persista em nossa mente
Como uma trégua da saudade que teima em reinar
Por corações absortos pela vontade de abraço,
De tato, de fato. Mas, se aqui estiver,
Irei ler um pouco do rascunho louco
Que me faço ser.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Construtor de sonhos

Aqueles lábios frios cortando o vento,
Aqueles lábios secos, ainda assim um esboço,
Um sorriso desmanchado...

Aquela pele escancarada, turva, escamada,
Aquela pele flácida, um açoite de sol,
Desafiando feridas abertas,
Chagas do abandono...

Aquela mão calejada, que tanto lhe guia,
Empurrando firme o carrinho de mão
Carregando a vida
Sem pagar pedágio de partida...

Pedras, paredes, tijolos...
A linha esticada nivelando, nivelando...
Aquele corpo é cheio de espinhos,
Saco de pano estopado...

Aquela vida brigando,
Capim ruminado pelos dias
Bocejando o desalento, aqueles pés lentos,
Caminhando, caminhando...

Confete vespertino das horas

Jogado às traças irreversíveis do tempo,
À corrosão que, amiúde, dissolve mais que sonhos,
O corpo vestindo a nudez do sorriso
Que empalidece a alma.
Que tanto busca, safra miúda, de glórias?
O pergaminho da virtude já registra, cambaleante,
O frescor vespertino da vida.
Pêndulo que cai pra lá e prá cá
Como chuva fina de aurora,
O reboco úmido desgastando a pintura
De um azul que jaz esvaidecido,
Sorriso de senhora amarelecido diante do efêmero
Engatinhar do menino.
A embriaguês das horas ruborecendo,
Lânguida e atroz, os pés no chão...
Foi falta de sorte ter mentido, que agora faz juizo perfeito,
Que não rejeita nem acolhe,
Os meus tão sem sentidos verbais,
Tão sem nexo palavrear,
Enrugada promessa de fazer ser invisível.
Meu sonhos invisíveis, meus dias marchetados,
Meu palato, minha língua,
Batucando forte, soerguendo a força.
Há de se ter fé, há de se ter esperança.
E já foi nascida antes mesmo da despedida,
A vitória, não a glória nem a robustez,
Mas a vitória caindo leve como pluma
Sobre a pele ressecada e aberta: abduso-me.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Voa passarinho

Voa voa passarinho
Voa baixo voa alto
Voa para fora do seu ninho

Voa voa passarinho
Voa sobre o meu telhado
Voa sempre de mansinho
Pois já estou um pouco cansado

Voa norte voa sul
Voa sobre o milharal
Voa em vasto céu azul
Voa para lá desse quintal

Voa que o tempo está passando
Voa que a lua já está dormindo
E a manhã vem despertando
Com essa saudade me partindo

Voa voa passarinho
Mas volte aqui para o seu ninho

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Juntar pedaços

Quando a mão se redescobre
Num leve afago e toque,
Quando aquece o ar do coração,
É papel picado que se espalha
Pra depois ser folha de canção.
Quando braços se enlaçam
Num abraço,
Quando olhos enxergam além da razão,
É recorte que forma uma união.
Quando um sorriso
Enxuga uma lágrima,
Quando uma nuvem se dissolve
Em gotas d`água,
É ser um mesmo rio de grande extensão.
Quando as palmas ecoam num salão,
Quando o verbo está num tempo presente
E as fuligens da vida deixadas para trás,
É juntar pedaços de muitas pessoas
Numa mesma mão.

Discurso do entardecer

Ainda procuro,
num labirinto qualquer,
meu verde desejo
de lembranças que,
no alvorecer da juventude,
vivenciei com
as folhas do outono.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Ela

Ela já foi doceira,
Já vendeu toalha e sapato de cristal.
Ela já vestiu abrigo, já inventou sorrisos
Em outros carnavais.
Ela já dançou a sorte,
Enganou morte e foi lenha de fogueira.
Ela já foi santa, já fingiu de manto
Pra esconder tesouro.
Hoje ela é ouro
E vende o esboço de poder ser mais.
Hoje ela está no samba
E faz uma prosa pelos castiçais,
E ilumina esses destinos,
E se equilibra em seus tamancos
Emprestando seu perfume
Vestindo-se de gérbera pra enfeitar palanques,
Pra colorir o palco dos seus tantos ais.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Cortina de vento

Feito o meu cavalo
Troteando música com as patas,
Poeira assentando com a bailarina
Que paira sob um plié,
A curva virou veloz
Levando embora aquela invenção,
Invenção de amar,
O nó que desatou o cordão.
Feito o meu martelo
Batucando prego no salão,
As pernas coreografando encontros,
Prantos de pular encantos,
O silêncio venceu a voz,
Ecoou gritos de aplausos,
O rodopio que girou os olhos da multidão.

Céu de pano

E se fosse a noite com seu céu de pano
A rabiscar sonhos com estrelas de papel?
Ela viu vidraças embaçadas
E costurou seus medos numa bolsa de retalhos
E sentiu demais, e chorou demais, e sorriu também.
E se fosse sábado, seta de Ares,
A furar com pressa o seu coração?
Passeio desbotado com mancha de sabão
Com um fundo branco: ela pegou sua mão.
A noite é fosca,
Mas clareia curiosa qualquer abraço irmão.
Ela menina subindo a ladeira
Deixando rastros do seu perfume
Insumo-cálice de embriaguês manhã.
E se fosse hoje, córrego desvairado,
Lambendo o instante tão ela,
Espalhando pedrinhas de cristal
Pelas beiradas se fazendo sede,
E ela toda rede dormindo sob um teto de estrelas
A espreguiçar seu sono, a desenhar seu sonho.

domingo, 14 de dezembro de 2008

A-mai

Pelo caminho ensimesmado
Dei voltas no vento
E vi vultos de esperança
Rodopiando minha vida
Com a luz dos pirilampos.
É uma trilha bem estreita
Essas pernas caminhando, caminhando
E nas costas uma bolsa de pano
Com bilhetes bem escritos – foi presente,
Foi presente de amigo.
Daí foi que eu colhi as margaridas do tempo,
Foi quando encontrei sorrisos
Esperando pra nascer
Como nasce um verso
De amizade e bem querer.

Marchemelo

Hoje tem pipoca na panela
E o menino cortando o vento
Com um papagaio de papel.
Hoje tem pincel pintando o sete
Tem cartaz bem rabiscado
Pra falar de carrossel.
Hoje tem menina de trancinhas
Costurando a bonequinha
Pra brincar de Rapunzel.
Hoje tem marchemelo, tem pudim
Tem sorvete e tem quindim
Tem a roda de ciranda
Com o anjo Serafim.
Hoje tem milho e milharal
Tem o grasnar do pardal
Que invadiu o seu jardim.
Hoje tem um fim que não se acaba
Um começo que desaba
Num brincar de criança
Cutucando a violeta
E sorrindo uma dança
Num voar de borboleta.

Despedida

O olhar distraído sai em busca de abrigo
para fugir da solidão
que neste instante pende sobre mim
com o semblante e o sorriso
que ficaram presos junto ao vento que se foi.
Agora, ao cair da tarde sobre o horizonte,
ouço apenas o silêncio
balbuciando tua ausência,
e, todavia, desejos adormecidos
despertando com o falfalhar dos encantos
e uma saudade
que se escancara pedindo
que permaneças em mim,
porque, talvez tu,
talvez eu,
já estejamos de partida.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Solilóquio

Tudo posso,
tudo sofro,
sou absorto,
sou findo em mim.

Sou graveto torto,
sou sopro de vento,
sou um fio de tempo
que pousou por aqui.

Segredo e jardim

Com as mãos abertas
Revelou um segredo ao vento:
o menino saudou o dia
com as mãos erguidas
e sorriu.
Com um sorriso estampado
Coloriu um jardim
E espalhou pétalas de bem-querer:
a menina disse “olá” ao beija-flor
E este se encantou
E um beijo lhe deu.
O vento se alegrou,
O beija-flor se embriagou
Com um sorriso
E o menino e a menina
Pintaram uma aquarela
Num jardim multicolor.

Canção da manhã

A manhã, vestida de orvalho,
Derramou sua alegria
Pelos caminhos rodeados de capinzais
Onde o vento varre os prados,
Onde os homens são duais.
A verdura do dia
Não lamenta o que passou
E somente faz crescer
O que, pequinino, germinou.
Com um pouco de malícia,
Viajem apressada dos homens,
Propicia verbos conjugados,
E ampara um pouco do que se perdeu,
A aurora feita de sonhos.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Carcaça das horas

A boca calada revela muito da vela que se apagou
E a chama miúda que fica acesa é forte e derrete
Como um pileque, atordoa.
A tua blusa vermelha é malha rústica,
Ainda lembro,
menina atrevida que,
de vez em quando recebia meus bilhetes de papel marché,
agora, essa aurora de verde e anil
tarda-me a ralhar a consciência.
Amiúde, envelheço com o cair da sombra do abacateiro,
E soluço qualquer remorso pelo abandono
Do que me foi largado às beiras da juventude.
Agora, rosa azul, empalideço minha hora
Debruçado sobre o pedestal do tempo
E a cera derretendo em meu corpo
A inútil carcaça da existência.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A bailarina

Arrasta os peregrinos
Um manto menino, fugaz desatino
Decifrando signos pelos pés desnudos
A pele piedade, aliança endurecida pela canção encharcada
A mão, um risco no ar, desenha alumbramento
Como uma caixa de música
A pedra tocando o pé, rigidez
E maciez que envolve num círculo.
Desata esses nós que prende por dentro
E o verso atroz do menestrel meliante, esfarele.
Seus prisioneiros estão trôpegos e livres
Cobrindo a dor com um véu de embriaguez,
Mas finca os pés no chão, sustenta,
Ora a razão, ora o destino.
Oh, vitrine da vida,
Convida teus paladinos, dança matreira,
A subir essa ladeira de pedregulhos
E joga teus entulhos no céu.
A bailarina dançando esquinas
E equilibrando cumeeiras de argila,
Vento e vestido florido,
Sorriso estampado,
Um palco improvisado pelos olhos da menina.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Quem me dera ser a flor e a vida

Quem me dera eu fosse o cerne
Que me conduz em cada passo
Do meu dia malogrado.
Quem me dera eu fosse o veneno
Que corre em meu sangue
Num fluído mais calado.
Quem me dera ainda fosse pequeno
Um sonho que em cada dia fana
A esperança da minha carne.
Seria eu meu defensor
Meu escravo e senhor
Nas horas estúpidas
E fúteis sem motivo de calar.
Quem me dera o mundo
Saindo livre do meu medo
E da minha inércia.
Eu não seria um reles mudo
Nem atiraria meu corpo
Às garras da ilusão.
Quem me dera eu fosse a pena
Que escreve os meus textos
E a palavra que reveste o meu saber
Num encontro dissonante
Entre o som e a beleza
Da poesia sem lírica e rima.
Quem me dera eu fosse um facho de luz
Nas sombras esguias que se camuflam
Na expectativa de um novo amanhecer.
Eu seria a áurea dos belos dias
E não entregaria o meu cansaço
Às mãos da ganância.
Estaria eu a sorrir junto das crianças
Ensaiando uma cantiga
Para colorir as horas meninas
No quintal da minha casa.
Escreveria um poema de amor
À minha amada
E deixar-me-ia levar pelos rumos
Da longa estrada
Que me levariam até ela.
Eu seria feliz
Se a canção que estou ouvindo
Chegasse aos corações
Mais brutos e toscos.
Eu seria melhor do que sou
Numa súbita inversão
Dos meus valores.
Eu seria a menina nua
Que posa para o artista
Numa sublime pincelada.
Seria o entardecer
Na paisagem mais encantada.
Quem me dera eu fosse um verso
Que reveste a vida dos poetas.
Quem me dera eu fosse a amor
Que emana do coração dos amantes
Mais afoitos e felizes.
Eu seria a mistura perfeita
Da essência que veste a vida
Num simples respirar.
Eu seria você a sorrir para mim
Numa junção transcendental
Entre o brilho dos meus olhos
Com esse nosso amor ardendo em chamas
Transbordando pelas beirados dos nossos corações.
Quem me dera ser a flor
E a fragrância mais sutil
De uma orquídea.
Quem me dera ser a pétala
E o pólen.
Eu seria fruto maduro
Numa grande árvore
Que me fornece o aconchego da sua copa.
Quem me dera eu fosse o vento
Entre as asas das grandes águias.
Eu seria a vida
E seria tão livre quanto o próprio viver.

Labirinto ancestral

O vento diz sobre a saudade,
Uma verdade isolada, que nos banha em cada canto.
O sonho produz em mim manchas dispersas
E faz sentido como uma libido distraída,
Dada à languidez dos dias,
Que regenera o costume, o ócio obtuso.

O belo inaugural da juventude,
Verdura cândida da inocência, quebra paradigmas de pedra.
O tamanho reduz a chance por ser apenas poeta menor,
Mas o verso, que é grande, cabe na palma da mão do mundo.
Faz sentido ser apenas mudo, ser sujeito imperfeito.
Poder-se-á ganhar algo notório, ilusório?

O sentido de tudo, apenas fuga da razão, está no amor.
Sentimento forte para alguns fracos,
E fraco para alguns fortes.
Paradoxos ancestrais das madrugadas vazias,
O parco brilho da noite.
Sobre o tempo, o tijolo da existência
Que cadencia o retrato no reflexo do nada.

Justificai, oh amores impossíveis, minha rudeza.
Salvai meus pesadelos da morte aniquilada.
Levai cada cidadão do mundo a receber um cálice desse veneno,
Sumo pequeno, da acidez de cada verbo.
O desleixo é o capricho desse estilo tão banal
E superlota meu coração com uma vontade de rasgar
Cada palavra com os alfinetes de significados
Que elas, meras escravas, produzem sem nenhum sentido.

Amor e saudade é o que me banha, é o que me enlameia
Durante meu passear pelos becos sem saída
Desse labirinto de lampejos chamado vida.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Preferência

Prefiro ir por ruas
de grandes movimentos,
por becos e alamedas,
que é quando vejo a poesia
caminhando junto das pessoas

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Delírio

O que acontece
Quando a água fria
Desce
Pelo corpo
E abre estrias
Na pele em arrepios?
Há! Há! Há! Há! Há!
RIA!

Desperte este corpo estático, vibre e esvoace a fumaça que embaça o espelho. Não dê conselhos nem fale verdades das quais não acredita.

Vibre, sacoleje a pele pelo ar vão no vácuo do banheiro. Sinta o cheiro de âmbar-pele-coração que emanar dessa energia de lavar-se mutuamente com suas mãos, com sua vontade.

Os olhos fecham!
Medo!
Escuridão!
Por que você roubou minha visão?
Eu estava sujo,
Eu estava quente,
Você tirou-me a semente
Que germina em mim medo, desvario,
Proteção de coisas tais.

Eu não sou covarde. Arda-me a boca, me toque as vísceras estranguladas pelo meu medo, me conte um segredo nesse enredo perspicaz. Mas não jaze em mim pelo abandono, desentupa-me cano enferrujado, tão tenaz, tão desumano.

Sou o que você queria
Ria-me
É minha solidão.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Olhos de sal

Senta-se no banco,
Olhar desconfiado.
Sua boca derramando água,
Seus olhos de sal,
E o encontro da solidão,
Um pedaço de pão amanhecido
Com o vento que balança
Os brotos e as brácteas
das flores e capim crescido.
O tálamo da labuta
Estendido no chão,
Grosso e rude,
Embrulho que rege a vida cotidiana,
Homens armados de consumo.
Boca e pele, sede...
Argue uma dor,
Peito confuso e dilascerado,
Boca e pele, suor...
Olhos de sal,
Corpo de aço,
Alma de fel,
Vestido de carrocel
Com um cálice nas mãos...
O mundo girando e girando,
Fornalha que consome por dentro,
Os meninos piratas já roubaram seu lençol.
Resta-lhe apenas um teto de nuvens
Num abrigo de outras gentes.
Olhos de sal.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Vou...

Vou procurar o meu rumo
vou ser esse absurdo sem fim
esfacelando meu coração
por caminhos desconhecidos,
procurando um abrigo
em pessoas descompromissadas com o mundo
vou ser barco e vela,
vou ser vento e tempestade,
vou atropelar minha quietude
e escancarar a cara na rua
em virtude da sua procura,
vou ser aventura,
ou ser a cura para qualquer desprazer
que eu não mereço
vou ser qualquer coisa triste,
qualquer coisa alegre,
um respingo de tinta,
uma infinita aquarela,
vou ser pleno em desmedida
eu vou ser o dono da vida.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Interlúdio

De princípio vem o poema
Depois o título,
Assim como pessoas
Que primeiramente nascem
E depois se tornam Mários, Cecílias,
Fernandos e Clarisses.
E a poesia é qualquer coisa assim
Que não chega nem vai embora,
Não nasce e nem finda,
Está por aí no meio disso tudo
Como um interlúdio
Que, às vezes sorri,
Às vezes chora.

Lânguida noite

Se hoje esqueço
Que o que se faz se fana
E enrijeço a alma
Como uma tábua plana

Eu me vejo
De volta
no cerco
Desse meu triste berço

Mas o que eu quero mesmo
É apenas voar
Como pequenos vaga-lumes

Na languidez das horas
Pela vastidão da noite.

Poema abandonado

De dia
vou pela sombra
colhendo um abrigo
em qualquer calçada

De noite
sou puro alvoroço
de sonhos
tão derramados

De tarde
é quando me descubro
ausente
no efêmero de um horizonte

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Palco das horas

Estava lá
No palco das horas
A menina a sorrir
Fita nos cabelos
Com seu sonho de orvalho

Desencantada tarde
No alvorecer dos minutos
A festa dos bem-te-vis
Como marco do que já passou

Estava lá
Procurando um abrigo
Desperdiçando instantes
E colhendo sorrisos

Esfacelada manhã
Como quem triste não chora
Já foi tanto do que espero
Que o que restou é poeira e verniz

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