Feed

Assine o Feed e receba os artigos por email

sábado, 26 de junho de 2010

Do abismo de ser

Sim. Sou um abismo
afundado e profundo
no raso de uma xícara
de café.
Sou, de antemão,
o livro empobrecido
regado de rascunho e pó,
que as esquinas,
que as ruas,
as calçadas nuas
tão livres e cheias de vícios
encheram-me
de palavras empoeiradas,
de olhos esmerados
na miopia mais selvagem
que cavalga os homens
e é estribo e nó.
Sim. Sou um abismo
e arrisco-me nesse cúmulo
de ser desatado e só
como uma avenida
cheia de desespero,
cheia de sina
de chegada e ida.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Quando todos quiserem dizer,
mantenha-se em silêncio,
pois a sabedoria
não precisa ser anunciada.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

ensaio

pelo caminho do ermo,
apenas a incidencia
da palavra cega,
que encontra seu rumo
diante da clara lucidez
de Saramago...

quinta-feira, 17 de junho de 2010

poema espelho

no toque do abismo de nós,
uma pétala de rosa
num estatelar de vento...
uma folha caindo sem tempo...
é o verbo rigoroso
de ser pedra e ar,
de ser coração.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

desuso

a vida é corriqueira,
ainda breve de alguns encantos,
é rocha firme
que estampa de estrada
os calcanhares,
e, calçada desnuda,
é uma veste
quase sempre
emendada de retalhos
e amigos...

segunda-feira, 14 de junho de 2010

tango

esses outonos
são broches
que guardam o bronze
de uma tarde fria,
outrora, céu azul,
para enfeitar
o inverno
de uma vida
cheia de sudeste...
abaixo da linha
do equador,
apenas a fumaça
de um charuto.
abaixo de Havana
apenas o culto
das pernas
revelando entre cetim
o esconderijo
de uma dança
na atmosfera
de um Gardel...

domingo, 13 de junho de 2010

ponto final

morrer no ponto
é extremar o encanto
que a práxis vida
de tão corriqueira
é santa ausência
de nós, que outrora,
procuramos
no tangível instante
de uma reticência...

Veneza

serás assim,
na plástica de tua arte,
no artefato de tuas rimas,
no citoplasma de teu poema,
na candeia acesa
de tua poesia,
a arte colhida
de uma ruína pela rua,
pelos lábios sem cafeína,
o coração selvagem
nesta janela aberta
sustentando uma parede
sem reboco cheia de tijolos,
possível na teu trato
com as palavras,
no trato de teus olhos
com as belezas
ainda perdidas repletas
de avenidas, de gentes,
de pontes, viadutos,
indulta verdade
de teus olhos de Veneza...

quarta-feira, 9 de junho de 2010

íris descontraída

contrair a boca,
o corpo astuto
a pele densa
de vapores líquidos
contrair o pulso
o soco avulso
que as intrigas
convocaram.
a língua é o fruto
maduro que mastigas
com sabor saliva
de amor,
ondulações da dor
que eu deduso
bruta negociação
de sorrir
e cair em distração...
é assim um pensamento
vago, após o beijo,
após o abstrato
desenhando maravilhas
através da íris
descontraída.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

mariposa

é tão necessário o tempo
tão indulgente o instante
que as mariposas, outrora,
dormem os seus invernos na
mais absoluta remissão
dos seus dias de larva,
e agora, pupa,
é um descanço eterno
das privações das horas...
o homem é uma lagarta
que sonha sonha em voar
como mariposa,
mas teme a desconhecida
sina de um casulo.

domingo, 6 de junho de 2010

pandora

alguém está roubando,
antes, a minha vida de vícios,
depois, o meu futuro de tijolo e acabamento,
antes, o meu passado graveto,
agora, minha história de risco
que eu rabisco com um giz no chão...
às vezes era confusão,
uma marreta na mão,
algumas pedras quebradas
e encher de alegria
o meu pobre coração...
algum dinheiro para comprar
o meu brinquedo
e fazer poesia barata
com rimas terminadas em ão...
- Ei Seu José, vê se acaba logo
com essa fina ralé de alegoria!
- Trás consigo o verbo
de um agora, pois o meu abrigo
é uma pergunta sem resposta:
e agora José?

quinta-feira, 3 de junho de 2010

as palavras...

volto agora à inocência dos dias,
minha alma cheia de som
argumentando com as névoas
esse universo branco de estrelas.
as palavras escapam do meu corpo,
mãos, olhos, ouvido, pele e coração.
é como se uma sinfonia de letras,
de versos, sinestesia,
catacrese, metaforismos espalhados
por toda parte...
é como se as cordas fossem
um badalo de sino tilintando
em meus tímpanos estampando
no papel as notas da minha palavra...
batendo no descompasso do meu coração
esse amor ao avesso
de banhar o feio com meus olhos
e enxergar ali apenas poesia.
por que me sinto um pássaro
e uma grade ao mesmo tempo?
tenho no desvelo das horas
minha fúria atemporal,
têmpora deselegante
colhendo do instante
as botas velhas
que ninguém usa mais.
um pé na contramão do mundo
uma folha à deriva do vento
uma boca cheia de sede
descobrindo nos sorrisos
a abundância da vida,
minha mão sem direção,
meus dedos cheios de teclado
constroem agora o que eu sempre fui...
alguém que mistura palavras,
e a responsabilidade do sentido
fica por conta de quem as lê.

casulo

meu tempo é lúcido,
um subir e descer montanhas
com esses meandros
e pedras nos bolsos,
assustar o futuro
com um museu
de novidades...
escrever do avesso
o ontem, esse tic tac
de sonhos de ir mais longe.

Arquivo do blog