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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Atrás das campinas

Uma vida acontecia ali, não se sabe o rincão das coisas tristes, nem o rumorejar da palavra em riste, mas sim, acontecia. Talvez a tua mão cheia de calos, talvez aquele ar brejeiro das capoeiras, aqueles capinzais varrendo de vento o ar, e o mormaço que ainda existe pela ladeira ofegante que galgou em seus passos de poeira. Aquela nuvem pintando a tarde gris e esfacelada. E aquele riso amarelo. Ia subindo aqueles degraus morro acima, ladrilhados de paralelepípedos e um barro roto de verão ressecado pelo sol. Paredes entrelaçadas de cipó, taipa e teto de palha.

Acontecia... E a vida era molhada. Os olhos marejados. O esqueleto preenchido com aquela pele em ébano, banhada de muito esmero e de sol, lida incondicional que confina o olhar para o horizonte que morria todo dia atrás das campinas. O boçal da noite se abria vertendo pirilampos além do quintal. Vertia a mornez com a aguçada atenção nas histórias contadas aos sons de grilos e sapos. A boca esboçava palavras, tépidas palavras vestidas de astúcia e verdade.

Amiúde, ninguém reinventa a vida, nem a acontecida, nem a que espreita o calcanhar pelado e que se sustenta nuns pés vestidos de alpercatas. Nem se tranca com taramelas o horizonte que se esconde atrás do olhar que fica a admirar o que está lá longe. Mas quando passava, empurrando o jumento com uma teimosia inocente, ficava sempre a impressão de simpatia. O velho sem rabuja, o animal sem atenção, apenas as orelhas empinavam, ora sim, ora não, para dar sinal de compreensão.

braço de mar

esse braço é extenso,
mormaço de fios tesos,
no ar, suspenso,
apenas garras a cuidar
do horizonte
longe e distante
que me faço mar...

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

beleza de tardinha

nem aço...
mormente disfarço
o que acho simples,
nessa beleza de tardinha,
meus olhos
não escolhem a cor,
apenas o tom,
daltônico é o dia
que não espera
meu riso se abrir...

sábado, 27 de novembro de 2010

animal

o animal é um homem selvagem,
nem salvo de corpo,
nem limpo de alma...

e tem presas também, meu deus!
e urra aflito,
e foge para o lado.

e tem patas também, meu deus!
e trepa em árvores,
e caça cansado...

a fome é uma companhia
que só alivia
quando é devorada
por esses dentes,
por esses olhos
de animal faminto.

Libélula

na superfície,
o vício inacabado
de uma pequena onda
sem atenção
fazendo rotina
da sua sina
de se desmanchar
aos pés áridos
do chão.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

das coisas que sei

sei que eu não tenho
o mapa da alma
das mulheres,
nem o segredo
dos sonhos mais concretos...
sei que a dor não
é amenizada por
algodão doce,
nem é feita de inferências,
mas meu corpo também
não é feito de oportunidades,
nem minha alma é feita
de salva guarda de saudades
alheias...

domingo, 21 de novembro de 2010

pensamento corroído

prefiro o vendaval
morno ou insígne
na maneira
mais singela
de arrebatar
indivíduos
não aptos a voar
prefiro a concretude
fria e rude
das paredes
o podre poder
de enlevo ao ócio
ao naufrágio
de um grito
calado
pela máguina
móvel do tempo
prefiro roer
meu pensamento
e dividí-lo
com as traças
de uma estante
à deixar
que o cubram
com uma roupa
estranha
de morte.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

um fim

não sou mais que um arrebol,
nem estio de chuva,
nem noite sem lençol,
sou um fim sem lágrima
em um dia de sol...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

humus

aberto o humus
em que se inunda
o corpo
nesse conforto
em que o coração
se desintegra...

alguma parte

em alguma parte
sou aquele lado
ainda não sonhado
de alguma arte
que eu ainda quis.

domingo, 14 de novembro de 2010

idílio

enquanto você estiver ausente
serei como uma semente
que não germina
para o que a vida sente

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

o que ainda falta

tudo em mim
é pouco:
o meu olhar
tão louco
nesse prisma,
minha
exuberância
em falta
de carisma,
a discordância
indiscreta
dos verbos,
a vertigem
que tenho
por minúcias
e todas
as núpcias
que ainda
não tive.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

em prosa e verso

neste anil de sol encharcado
que é mais uma nuvem em letra
uma poesia em prosa

não temeria o sucumbir da noite
nem o despertar de uma rosa
em qualquer canto em mim disperso
nessas folhas de outono

e nessas cortinas de crepúsculo
é onde pousa, despida de segredos,
sua maneira de me fazer riso

com esse seu jeito
de aplauso e encanto

onde eu conto qualquer causo
neste estribilho de texto,
neste contexto de pintura
na tecitura dos seus versos

domingo, 7 de novembro de 2010

não sei, talvez surpresa

porque a surpresa
que te desejo
é minha vontade de surpreender.
nada mais, assim, quieto
em meu canto, além encanto
desses olhos teus,
verdejantes na maneira
de me sucumbir
como edífício que se ergue
nesta atmosfera
de seguir meu rumo
insurpreendente
de dizer que gosto
como me comoves
com essa tua maneira
que me valeria
pelo que não aguento
sem dizer o que sinto...

sábado, 6 de novembro de 2010

amarelos de dizer mais

peco por dizer a palavra
mais agreste
neste meu rupestre de sílabas,
metafóricas são minhas intensões,
porque de nada vale sentir
no coração, se não se tem
a intensão...
meu bem, vá até o que te faz
sentir, porque feliz é quem sabe,
o valor é preço do que temos,
nem a metade, nem a inverdade
de camuflar com folhas verdes...
mas amarelos são os risos
que desenho, cores crepúsculos
nesse arrebol de viver...
eu quero meu dia simples
como um girar de mundo
como ser profundo.
- por favor! venha! venha!
para o meu momento
ébrio de dizer que posso mais,
venha! porque posso mais!!!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

faca amolada

"e o cão observa
o seu passar com seu olhar de vidro,
tão carente, como que pedindo um afago"...
e a fé é cega
a faca amolada
e, de tudo isso em mim
que vai embora,
guardo nas mãos
um remorso de saudade
que faça com que o dia
passe logo...
são pessoas de mim,
de ti, perdidas por aí
nessa áurea sem fim,
laços de instantes.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

do avesso

quando dei por mim,
vi que estava aqui, já,
sem intolerância
dessas horas que aprecio.

foi um desses peregrinos,
mais cambaleantes por desatino
do tempo, que por falta de
de valentia,

que eu vi o outro lado
da insensatez - ah minha santa -
observação das coisas.

- é essa peleja! disse minha avó.
porém, aos meus olhos cabem tudo,

o que se imagina, o que se considera.

e aí eu caminhei...
mas gauche mesmo são os outros,
eu sou é do avesso.

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