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segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Considerações sobre o amor

O amor foi obra posta,
dos dias que o coração sente,
das noites que as horas enganam.
O amor foi altaneiro,
foi quedar o pranto
que a dor engessou no peito.
Uma árvore deixa a sombra
saciar a sede – água que vai –
e a tarde enroscada
nas histórias escritas de pedra...
Cais de sonho, cai e rompe e mim
folhas livres que se atinaram
contra o solo, que, cúmplice, acolhe.
O amor foi subir escadas,
roubar o fruto ainda verde,
esconder a timidez em um abraço,
e deixar um afago dizer que foi saudade,
quando naquele canto
estava apenas um vazio sem nome...
O amor foi sumir desesperadamente
para não ter que prestar contas
tão caras com o sentimento,
que depois cobrou,
que ainda cobra.
O amor foi pescar no recôndito
do sentir um lugar que
pertence apenas a quem
se importou em manter
preenchido...
O amor não foi, o amor ainda é.
Pois o amor é aquela vontade
de mar, aquela que ainda vai
ser inundada com risos,
com abraços, com olhares,
com a única sensação que
faz o amor ser leve e duradouro
como o vento: a liberdade.

sábado, 26 de dezembro de 2009

corre o tempo

...corre o tempo como um vento,
em todo lugar há um mar,
seja de água e espaço,
no mesmo instante eu vejo futuro,
vejo bruto e irreal o passado,

vejo molhado de sal
o gelo voraz desse presente.
corre o tempo, corre agora
como sem limite como um raio
teimoso de sol a invadir minha janela
pela fresta do viver...

agora corre o tempo,
corre lento e célere, corre como
martelo, sino do fim, pino pregado
no solo, tábua angustiada
dessa labuta de vida...

agora, Lílian, corre em mim
a palavra e o verbo, corre,
mas não vai, mas não fica,
corre absurdamente para
dentro de mim, corre como
tálamos nesse bálsamo de sentir...

agora o tempo é um livro aberto
de páginas em branco,
é um infinito que não cabe
na palma da minha mão,
mas cabe dentro do meu
pensamento...

e a palavra está nua,
a poesia está vestida
de segundos,
está vestida
de poeira
e pó...

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

poema branco

Na letra afiada
que o verbo proclama
tão tenra e doce

soa a idade da voz
que é baque.

E um corte verte
idílios garganta
afora:

revela a eternidade
do tempo
que consome,

um sopro na noite,
um grito no infinito

e a palavra
é a folha sem dor
que se desprendeu
do caule.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

O que será que me dá?

O que será que me dá
nesse breu de ilusão
como ateu possesso
das minha verdades?
O que será que me dá,
oh sereia do meu mar,
quando o canto teu
vem me salvar?
O que será que me dá
pela noite atoa enluarada
sentir febre de amor,
sentir vontade de amar?
O que será que me dá,
que te deu assim me encantar,
que me fez tão certo divagar
pelos cantos dessa minha ilusão.
O que será que me dá
quando bebo teus versos,
quando encontro-me disperso
como folhas farfalhando ao vento
a minha distração.
O que será que me dá,
não sei, quero apenas ficar
embevecido aqui, pairando como
pluma no ar.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Canção do Brasil

...o meu mar nada contém,
nada além de essencial,
mistura homogêna de água e sal,
um vintém maroto de menino
para inundar nosso astral.
"Minha terra tem palmeiras", já
dizia Gonçalves, onde as meninas
rodopiam matreiras
beliscando sonhos em arvoredos
"Para lá desse quintal"
na voz veludo de Chico Buarque.
Minha terra tem sabiá, papá, naná,
sinhá, cá, bah! E José Paulo Paes
tem paciência e facilita a vida da gente.
Minha terra tem poetas vários,
tem mulher bonita, tem gente acolhida,
tem café torrado, e um pingado na padaria.
Minha terra tem sertão,
tem catapora e amarelão,
"minha terra é cheia de árvores
e gente indo embora", talvez lá fora,
a saudade me convide a beijar meu mar,
a nadar minha terra com poeira e cimento,
com arreio e jumento,
para me fazer lembrar que sou Brasil,
sou tão anil como meu céu, meu mar.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Essa Maria...

Essa ave pequenina que alça vôo,
Que emerge de tantos sorrisos-Maria,
Que faz da água fria um sabor de acordar,
Essa ave pequenina-Maria-poesia
Que se desmantela em nós a cada dia
É um ninho em gravetos bem forrados
De esperança e de magia
Que acalenta e contagia
E plaina o ar das nossas dores
Pondo-se além das nuvens
E montanhas para nos mostrar
Que podemos sim voar
Pelas asas da imaginação
Pelas asas dessa ave-Maria-poesia
Ressurgindo de nós mesmos.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Idiossincrasias (alguma parte)

Sofres, como eu, de um reumatismo cirúrgico causado por uma platina fria que vai corroendo o nervo pela gelidez em açoitamento à carne que teima em se manter morna.
Sofres das dores inversas ao paralelismo, mas duais, antagônicas
entre uma condição idiossincrásica, indissociável que nos acomete nesses tempos modernos. Assim, tornamo-nos eterno humem-mulher-besouro Kafkaniano metamorfoseando a vida para além fronteira das dores observadas em Sartre. Chegamos a um estágio onde o caminho percorrido não oferece a alternativa da volta. Não podemos mais retroceder nem seguir adiante. Um dilema paradoxal isso. Mas é a verdade. Talvez Rimbaud condenasse Verlaine pelo amor que sua liberdade despertasse em si. Talvez o século da luz obscurecesse, como reflexo dos devaneios, do êxtase, da virtude pairada naqueles nobres, e fizesse pouso nesses lobisomens pós-modernos como nós. Mas não podemos retroceder, como assegurei antes, sem nenhum mérito dessa afirmação, mas propositadamente, com o mérito de sentir dilacerando minha carne, como frieira que acomete os dedos dos pés. Mas suspeito de uma causa: toda a glória alcançada com a ciência, todas as descobertas, simplesmente não nos fez melhores. Simplesmente deparamo-nos diante da nossa condição instintiva, animalesca, perda de humanidade. Pessimismo de Schopenhauer pousando em mim? Não creio, pois não sou nem pessimista nem otimista. Sou apenas projeto de poeta. Sigamos, então, assim: poetizando a vida sem limites inspirando sempre por quaisquer motivos e coisas.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

verso particular

quem sabe o grau particular
das coisas não ditas,
quem sabe a ferida branca
da palavra mais muda,
quem sabe a brandeza
da tempestade
mais avassaladora...
agora sou seta e vento,
verso particular
de um instante
que deixou de acontecer...

domingo, 13 de dezembro de 2009

Caleidoscópio

Houve um desejo, e o desejo se fez presente. Houve a fome e a languidez das horas que eu deixei ir embora, tão vazias, tão cinzas, tão nuas. Agora, meu desejo é me vestir de palavras, me vestir de sílabas e versos, desses que o abandono da solicitude e do esmero vaidoso dos súditos mais eficazes e abatidos pela aceitação, meus modelos de criação, mas que eu também abandono, pois não sou o sono esperado dos mortos, nem o cansaço escolhido dos relutantes e rutilantes escravos da forma. Abandonei toda forma, abandonei toda premissa, todo caso mau fado, abandonei o objeto principal do meu valor e me dei conta do quão isolado sou do mundo, das coisas, vestuta arte que ignora a própria sina. Ora, trarei meus objetos, trarei minha história, trarei minha trajetória para mais perto do meu fim, sim, pois meu fim inicia-se quando me aproximo do meu começo iminente. Essa criação é a palavra se desenhando a cada instante, que chega tímida e calada e explode em artifícios de dizer... Ah, mas que esse caminho era mais perigoso, porém preciso. Isso digo, contra a noção que tenho do tempo, pois que sou alheio a todo momento, às querelas que eu quis, às vicissitudes que desejei, e rubro, fui, e rubro voltei, agora para mais perto de mim, onde estive a mercê de não cultivar nesgas sequer, apenas folhas miúdas, ralas em espécie, delgadas em importância... Ah, digo sim, digo que a intempestividade da minha carne sempre esteve sujeita à minha condição de ser... Eu sou alheio, sou esse verso sem ritmo que vai dar sempre em algo espantoso, por não ter significação alguma. Eu sou, nessa linguagem psicológica do ser, disperso e relapso, eu sou fugaz, como uma raposa que foca apenas na possibilidade de roubar o galinheiro. Pois sim, a poesia é meu galinheiro, o verso meu poleiro, a palavra minha saliva que procura o sabor de apenas dizer, sem se ater às relevâncias e significados que poderiam ter...

Candelabros

Deitar fora o tempo no pavilhão
das coisas, no formidável calabouço
das idéias reter a ruína mais obsoleta
e espalhar a colheita dos dias
num vento frio e frágil, que agora
pede passagem para hibernar
nas sombras do amanhã.
Que fez os homens com a chama
e o pavio da liberdade, que iluminava
seus crisântemos, tão amarelos,
suas cristas de castelos,
seus sonhos, seus abomináveis instantes?
Pulsa iminente a rosa púrpura
do amor que as grades já não prendem,
pulsa como grito e dor, pulsa
como sal, tempestade de vácuo
que pousa sobre todos os sentires,
sobre a lágrima mais tênue,
sobre o sorriso mas avexado,
e uma ponte extremando os laços,
e uma cicatriz picando as artérias
do coração das ruas, cidade sem ar,
sem artefato, alamedas nuas,
candelabros e o escuro da noite
fazendo verso com a solidão...
Forjar assim, sem escudo e aço,
a eterna prisão sem máscara,
o aconchego esfarrapado que
comprou um dia o que não tinha lustre,
pois um farol morto é apenas um farol:
eu caminhando absorto pelo netuno
do horizonte sem chão...

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

auto retrato

de tudo serei ausente,
mas dentro do meu coração,
atento como quem sente...
sem o fim que me toma,
sou o caos de mim...
eterno jeito de me fazer
concreto, céu imperfeito
de me desfazer em ruína,
sina do destino
que ainda hei de ser...

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Vermelho

Soube a força imensa que me invade,
olhar as paredes e desejar
um freio para não chegar mais rápido,
pois não estará ali nenhuma estátua
que procuro, apenas muro, que prende.
Fui mais veloz que um alado
e prendi em mim as pegadas,
tecido vermelho, cetim, teu vestido espelho
guardando as lembranças
que ainda não desenhei de rasgar um riso...
Essa ponte guarda um rio profundo,
em cada ponto extremo,
a derradeira promessa e uma árvore madura
tentando achar vida numa ainda semente...
Quem quer que ainda sente,
vence o medo e vira pluma e vento,
mas meu segredo é mesmo não
saber voar... voar...

sábado, 5 de dezembro de 2009

Telhado

Onde estão tuas grades,
tua noite de sede insone?
O teu olhar de fogo crispou cedo
e roeu as armadilhas das manhãs
e guardou nos telhados o gorjeio
pardo das cicatrizes noturnas,
onde, turva e amiúde,
repousou teus suores frios,
esta sentença, esta sentença...
Jogas o anzol – pescas agora –
a cinza e o vento, pescas lá fora,
o breu e o lamento
de um dia sem sol e cimento,
aço e esqueleto, aço e tímpano,
voz gritante, teus braços abertos
colhendo o ar, colhendo as nuvens,
colhendo a garoa morna de sonhos...
Salve a dança, o tiroteio das almas perdidas,
salve a fome e o desperdício,
o fim, o fim, salve o início...
De castelo em castelo edificamos
as ruínas nossas de cada dia,
agora é apagar a fogueira,
cessar o calor das multidões
e esperar o vazio tomar
o rumo certo dessa fuga dos homens,
dessa bolha cega que reflete,
apenas reflete o tudo e o nada...
...ontem eu era criança,
agora, nuvem dissipada...

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