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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Feliz ano velho!

Com o ano que vai
ficam as relíquias que guardo
com esmero
e o que caiu em desuso
para me fazer lembrar
que sempre me renovo
das teimosias convictas.

Com o ano que vem
espero tesouros ainda por lapidar
para eu fazer uso
de construir um caráter novo
e não esquecer que eu sou
um fio de ontem ensimesmado
para alcançar, pelo viés da vida,
meu hoje e meu sempre...

Para quem é um vaga lume
piscando sozinho
no meio do povo:

feliz ano novo!

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Sobre a rede

Estica-a como varal
na estética do dia.

Estica-a como horizonte
teso sobre a ponte

de dormir realidades
e acordar os sonhos.



domingo, 9 de dezembro de 2012

Absinto

Na janela do destino
há uma rua sem tamanho – meu bem.
Aonde espero que a promessa me chegue
como derradeira instância.

Cumpro com o tempo
meus compromissos,
deito na calçada minha alma lavada
das sobras do dia – calos e brios.

Na janela, sem menino,
o vento dobra a esquina,
escolhe em estranhos
o apreço inesperado de receber saudação.

A saudade é um horizonte
espremido na fresta de um olhar
onde guarda, cedo, fotografias
em tons de amarelo.

Na janela, o absinto
la de fora invade o peito
cheio de clausura para despertar
invernos para o amanhã.

domingo, 25 de novembro de 2012

Uma canção para ser livre

Penso como quem fala
na arquibancada de gritar o silêncio
na comemoração do voo.

O sonho é uma roupa de consumo
que a mulher usa como vestido
na passarela de equilibrar,
...

na plataforma de um tamanco,
a vida calçada de buracos.

Que o homem dirige como carro,

abrir caminhos onde não há
mais asfalto – chegar ao latifúndio
da libido de ser...

Livre.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Estante

 O tempo inquire em nós
como palavras em desuso
jogadas às traças.

O tempo é uma estante
que guarda livros:
se cuidados, explorados
incansavelmente
pela curiosidade míope
do presente,

não perdem o verniz
e brilham como pupilas que se acendem
diante da noite que se nos apresenta,

mas, ao ermo, sós,
sem instigar descobrir segredos
numa juventude de amanhã,

apenas fenecem ao mofo
da ignorância e da velhice

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Poesia para Drummond

Os tempos turvos ficam para trás.
Ficam também os carnavais,
as ruas cozidas de sapatos quentes,
sandálias amarradas até as panturrilhas.

No tempo do bonde, das avenidas abarrotadas,
ficam os chapéus e as faces dos homens
repletos com seus bigodes de Paris.

Os vestidos de chita,
as palafitas, as conversas,
as escritas, as escritas, as escritas...

Hoje os dicionários lacrimejam
os verbos perdidos, as frases inventadas
da cabeça pintada de branco
como chumaços de algodão inventando nuvens
na imaginação das crianças.

Os tempos de paralelepípedo,
os tempos públicos do servidor afeito
à palavra...

Hoje invento versos que um dia vi pousar
dos ventos de Drummond,
hoje recebo dos tempos turvos
a equação decodificada na mística
de respirar poesia.

Poesia de chão, sapatos, pernas e bigode...

sábado, 3 de novembro de 2012

Capim orvalho

pescar alguns invertebrados,
a percha envergada,
captando do dia a faúlha
que escapou das rédeas
de uma azálea...

- O silêncio se esconde
na beleza disfarçada de um capim
banhado de orvalho...

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

De segunda à sábado

A manhã debulha com água fria
o rosto cheio de restos da cama.
Amassado sonho que ficou no travesseiro...

- É feriado, eu sei!

O dia amanheceu cheio de preguiça,
a rua bocejando a garoa fina la fora,
que desabriga do cotidiano
as formigas operárias – eu sei.

Há uma prece em frente da catedral
e minhocas adubam a infância
que, de vez em quando, sobe para o céu
presa em balões. Cordões de inquietude
laçando a lucidez.

- É feriado, eu sei!

Despidas de lavoro,
as pessoas vão-se às ruas,
as crianças, tendo como anfitriã,
a calçada que recepciona,
de segunda à sábado.

Salto alto, sapatos lustrados,
e as vitrines ajustam os colarinhos
e o rímel, artigo de toucador,
ornamenta o olhar pronto para enfrentar
o dia,
de segunda à sábado.

- É feriado, eu sei!

O sol ficou escondido no aniversário de ontem
sob o sono da véspera de hoje
contendo o amor na armadura das flores...

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Quando cai a noite

De noite,
choro os gritos que guardo do dia
recebidos no silêncio,
sorrio bocas amordaçadas
de risos oferecidos, inesperadamente.

De noite,
alcanço o portão que busco no quintal
do cotidiano - e, la fora, onde se esconde
o mundo no invisível das coisas,
encontro miçangas de construir instantes.

De noite,
acordo cedo o futuro que me tarda.
Na arrebol de ser vespertino
descubro a praça que o banco
escondeu na solidão de amanhecer.

De noite,
rezo as alfazemas que o inverno esqueceu
na fragrância primaveril de um travesseiro
e colho, sem pressa, os sonhos
para amortecer as pedras da minha vida.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Poema vazio

Antes que esfrie a comida,
agora a pouco quente,
à espera côncava do prato,
meu medo é que,
por excesso, esse desespero por fome
não se farte
e eu morra engasgado
com vazio e crença no insubstanciável.


domingo, 30 de setembro de 2012

Sem tempo

Correr atrás do tempo
é vedar os olhos
parar os instantes
que a pressa não deixa ver.

E se não ficar nem remorso
nem saudade,

é porque nem mesmo
percebestes, na calçada,

a nudez dos pés cheios de bolhas
que te sustentaram
no que sempre chamastes
de: vida.

domingo, 9 de setembro de 2012

Saudade piche

A estrada é ponto de encontro
de chegada e ida
que amadurece saudade
sem deixar lembrança

sábado, 1 de setembro de 2012

O Ethos, a Vida, o Tempo e o Amor na poesia de Maria Vilani

Por Márcio Ahimsa

Tenho em mãos uma pequena peça constituída de muitas outras pequenas e grandiosas peças. Estendidas sob a perpendicular e aguçada curiosidade dos meus olhos, essas folhas caídas da beleza de algum outono, vieram pousar na minha alma e causar riso no meu coração. Assim foi a impressão primeira que tive dos versos que li dessa poeta de grandeza maior, Maria Vilani. Pensei: demais!

Mas demais mesmo. Tanto que devorei o livro em duas horas, a fio, ininterruptamente, com algumas leves pausas para anotações. Queria fazer uma resenha. Comecei a escolher poemas, mas eram tantos. Tantos quanto é tanta a ternura de Maria, como é tanta a gana de Vilani. Aí veio Milton Nascimento é disse de Maria: “mas é preciso ter força, é preciso ter raça”, “Maria Maria mistura a dor e a alegria”. E a resenha foi deixada de lado. Não sei mais o que quero escrever. Vou deixar as minhas percepções dizerem enquanto meus dedos digitam o que abaixo vier.

A poesia de Maria Vilani é um “Varal” teso onde pesca no horizonte da vida os versos que o dia comum pode oferecer, entre batalhas, entre amores vivenciados, entre o sentimento maior de ser mulher, de ser filha, de ser mãe e esposa.

A urgência pela vida é uma temática recorrente. Poemas como “Brevidade da vida” e “Trânsito da vida” trás um alerta: em meio a buzinas e a pressa, devemos tomar consciência de que a vida é perecível. É a necessidade de desmaterialização das coisas, pelo simples fato de serem coisas, para se presentificar no instante, como algo palpável. Em “Varal”, que é título do livro, o eu-lírico assim diz: “As roupas velhas, relíquias de um passado, que não volta mais, arranquei-as uma a uma, e as atirei no lixo do presente” como quem implora: deixemos tudo de lado, vivamos, simplesmente.

Dessa maneira, a vida sendo o viés que dará o tom na poética de Maria Vilani, a rebeldia da menina terna vem à tona em “Nações Unidas” que é uma ode ao homem que trabalha, que é embrutecido pela máquina e torna-se, num mimetismo quase perfeito, a própria máquina. Estamos todos unidos na privação da vida em prol do trabalho. Homem que enferruja a própria sorte, dia após dia, para viver. Assim, mata a alma pela morte do corpo.

Resiliente diante das circunstâncias, obra e poeta se confundem, como podemos ver em “Carta para o além”, que é um poema biográfico e fala da imagem e importância da construção familiar para se construir um caráter, se construir uma pessoa. Não quero falar da perda, pois essa recorrência aqui é inútil, uma vez que a menina sempre confiou seu destino pelos ensinamentos sempre presentes que tivera do pai. A emoção que a leitura do poema passa é uma catarse. Não cabe explicação, apenas sentir.

Desse modo, diante da transitoriedade da vida obsoleta – a poesia cria raízes no asfalto e traça a caminhada imperceptível do ser diante da voracidade da cidade urbana. Nesse palco, tendo como cortina a janela da vida, eis que o cotidiano devora a carne do homem e da mulher pela fome de construir consumo. No fim, acaba por construir a peleja, que constrói a morte do corpo, que mutila o coração de sentimento e decepa a alma de amor.

Se a poesia de Maria Vilani é forte, ao mesmo tempo é delicada como o delgado sopro do vento numa tarde de primavera. Em “Agenda”, a construção poética é de um lirismo autônomo, em que falam os versos: “sou tão tua, quanto minha, nunca fui suficientemente minha, porque nunca fui totalmente tua”. Mas não nos deixemos enganar pela delicadeza. Esse poema é de um embate único com a própria razão de ser ou não ser poeta. O eu poético se digladiando com o eu comum. Nessa luta, talvez, a poeta se revela pela face de uma mulher, ávida pela busca de um amor. Revela-se na incondicionalidade das coisas, na saudade selvagem da infância, no elo sedimentado no corpo e na alma aprendida com o que é simples e essencial.

É nessa busca incansável para alcançar o semideus na semiótica de ser poeta e ao mesmo tempo ser perecível ao tempo, que vejo uma mulher que pedala numa rua vazia e busca no espectro das coisas o significado de viver, de amar, de morrer, mas sem se relegar à condição de deusa, que cria o amor, que infringe a dor, que se renasce como fênix no inexorável sentido de viver.

Em sua poesia, o tempo é o inquisidor da vida. Podemos sentir o palpitar a cada segundo e a ideia de finitude. Mas num “Sonho vaporoso” a indagação pelo prelúdio do dia busca um instante pela vanguarda de ser humana, transitar e impelir em si mesma a chaga contínua de ser poeta, viajar pelo espaço sideral e encontrar o nada e no nada se fazer carne e aço.

Então “Ser poeta é voar ao infinito com os pés sujos de barro”. Essa definição desmistifica o poeta e o torna lápide subjugando sua existência que se desmancha como folha de papel em branco na transparência quase assassina da água. Ser poeta é poder dar a chance de morrer e

nascer todos os dias com o sofrimento. “Negam-nos o direito sublime de sofrer”, no poema “Alienam-nos”, pois sofrer é beber um cálice amargo de morte e o tornar em vida. Tolher o sofrimento é ruminar uma existência fabricada por máquinas, que nada sofrem, apenas se corroem na tentativa cruel de ser aço.

Então somos humanos, e existe o amor, e existimos pelo sexo como em “cogumelo gigante”. E somos finitos, mas somos jovens. “Se você é jovem, não se esqueça que a juventude é transitória, não construa castelos na areia, construa um mundo onde você possa habitar, se você é jovem, cuide para nunca envelhecer”.

Assim, nesse conflito constante entre a brevidade do tempo e a constância da vida, entre a delicadeza da pétala e a acidez do espinho, entre a dor da saudade e a comiseração de viver para alcançar o amanhã, entre a inocência da menina de oito anos e a juventude na sabedoria da mulher de sessenta, que encontramos encanto pelas bordas e ternura comprimida e pendurada na graça de um livro distribuindo poesia pelos olhos de quem lê nesse pequeno relicário, chamado “Varal” de Maria Vilani.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Eu sou do mundo

Eu sou do mundo,
eu sou livre como um vagabundo
que se senta sobre um banco de praça
e observa a vida acontecer...

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Comida e fome

Sob a mesa, o prato frio
na esperança de um silêncio morno,
na elegância de cultivar talheres
com a deglutição da vida
pela morte do alimento.

Espero ávido pela lembrança do tempo,
espero lamento pelo que não sonhei,
assim cultivei no mármore do dia,
minha história vestida de letra e fome.

Na prontidão de me avisar
que o almoço estava pronto,
esqueceu-me de dizer
que a comida estava crua.

Morro assim como morre
o vento, como morre o cata vento
que estanca seu segredo sem tomar direção.

domingo, 19 de agosto de 2012

Carpe diem

O dia amanhece sua privacidade
de pele nua, o dia sujo
vestido de rua pelo lampejo da sorte.

O dia é antes, deserto,
fogo cruzado, candeia de morte e solidão.

O dia é nuvem cinzenta, cálice e calabouço,
maquina ao relento, diamante
desmaterializado em grafite.

O dia mente a sua calçada,
vinga a sua labuta pelo asfalto,
seus pés de barro.

O dia é um plasmado silêncio de ilusões
que, obtuso, fenece o corpo
no cárcere das conquistas.

O dia é um chão batido
de preguiça pela alma cansada de trabalho.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Para trás, querelas

Aos que se prendem,
inconfidentes à própria razão,
lembrar que o dia
é colher anatomias das horas,
deixar para trás, querelas,
querer belas,
as coisas simples
que o sofisticado não pode dar.

domingo, 5 de agosto de 2012

Ausência

Quantos aviões preciso
para levar embora meu desespero?

Meu medo de altura, minha falta de fé
de que abaixo do chão não há precipício.

Caio, sob o peso da ausência,
pelos buracos e pedras
que encontro pela calçada da minha rua.

E os balaústres vigiam, do alto das fachadas,
o caminhar cocho das pernas sem esperança
ao encontro do que adiante é bonito.

As portas ornamentam, entre trincas e correntes,
mais do que uma fechadura - são grades -
prisão que acolhe para si
como sentinela a espreitar o que ocorre lá fora.

E as janelas, entreabertas, revelam o esconderijo
que salta por detrás dos olhos famintos
de gente.

A rua é silente, apenas o silvo do vento
e o espectro da fumaça esvaindo-se
a cada trago no cigarro do jornaleiro.

Quantos maços são preciso
para alimentar o vício e a fome
de apascentar a angústia, o que não tem nome?

Vou-me embora; e retorno cedo
e assisto a ópera sem segredo algum
que se revela pelos gritos da rua de paralelepípedos.

Trancos, solavancos, carroças onde encontro,
na pujança dos meus dias,
a minha sorte de ser feito de ferro por fora e, por dentro,

derramo, visceral, um sentimento maior desse mundo.


sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Saudação à infância

Eu tenho lembrança do tempo,
ostracismo torto de mim.
Tirar o sapato duro
é de um esforço inocente
com a alma brilhando a ternura
pelo olhar adulto.

A porta é hoje a liberdade
que cura o abrir e fechar,
andar de dorso nu
da cosinha ao quarto dizendo: tchau!

Eu tenho no peito
uma tosse fingida de ganhar afago,
as mãos esticadas
alcançando o futuro tão cansado.

A melhor hora é quando,
num estalido, ontem e hoje
se eoncontram, quase despercebidos,
pela varanda a saudar
minha entrada numa
pincelada pueril de encanto.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Parabéns!

Karla,
para você
os bens que a vida,
autodidata,
traze-lhe,
irriquieta, desinibida,
mostrar-lhe felicidade
com o que acha
em seu olhar.
Muitos anos,
tempo que te escolhe,
a viver
pelos passos
de uma criança
e brincar o sorriso
de menina
que sussurou baixinho:
eu já sou uma mulher,
quieta, especial,
sem data
para deixar
de ser querida.

sábado, 28 de julho de 2012

Distância

Eu vejo, inaudível, o silêncio dos homens
perambulando como elefantes rumo à morte esperada.
Capturam o esmo como companhia de sufocar a solidão.
O homem preso em si mesmo.

E não há nada de especial ou tragédia
que assole as vitrines,
que o esconda, que o arranhe
com um espinho e trace uma ferida de engano
pela atmosfera invisível de ser.

Rompe com a vigilância de ser criança,
a síndrome absoluta de viver,
de ter, de ir à luta, de vencer.

Eu percebo nas cirandas da minha memória
o orvalho que umedeceu
as pálpebras de alegria. A vida grata.

Um homem sentado num banco de praça,
a própria graça prisioneira em personagens
criados para divertir as horas vagas,
a cabeça intacta
para esvaziar da estafa de ser sozinho.

Não deixe só o teu destino
na masmorra que  te divide de ti mesmo.
Não te agrades das grades que crias
para delimitar que a rua, tão cheia de gente,
fique vazia.

Perímetros urbanos são invisíveis,
como são surdos os gritos
que a voz, silente, brada numa delicada
tentativa de dizer bom dia!
Para se fazer existir?

Homens e mulheres de botas pretas
escolhem as cartas que amanhecerão sobre a mesa
e agora, como um mofo,
esperam a hora do jantar
para se constituírem em família.
E as xícaras, souvenires de viagem,
com os nomes inscritos,
revelam o lugar de cada um.

A vida é presa em etiquetas.

sábado, 21 de julho de 2012

O lugar da gente

O lugar pertuba o homem. É pertubador... As businas soando aos ouvidos quase surdos.
Vive a descoberta de um nascer ao relento do dia. Cães de olhos famintos.
O que não pode fazer é rabiscar a tarde com a sirene dos desgraçados.
A rua morre.

Ainda veste o seu casaco azul, o asfalto cinza, a lápide lacrando a hora
com benevolência. Tomba no sinal e prédios velhos abrigando velhos amigos,
estranhos ao mundo, alheios à regra nova de viver pelo susto das manhãs.

É pertubador. O sino corrompe a virgindade da catedral que, agora é ornamento
para o clique das câmeras. Fotografias penduradas num varal...

O lugar procura o homem, se esconde no homem, é abrigo do homem.

A espada de Jorge não é mais verde. É carcomida.
As tentativas de sorte são iguais ao quase abandono da esperança,
não se deixa. Nem que a morte ria desacreditada.

O lugar abusa do homem que abusa do lugar que usa o abuso para se achar no lugar.

E, de antemão, o vício
resquício de um ópio,
não se esquece, antes enlouquece
os lábios, fina estampa,
e engole em seco a saliva
e dilacera a alma
e decepa o corpo
e entrega na estirpe da vida
o óbvio instante que,
perecível, inventa a dor
para salvar o homem
do lugar que o consome.

É pertubador. O relógio. O anúncio em cartaz e outdoor:
ele está livre para morrer cozido numa panela de pressão...

O lugar observa a chegada de gente, se infiltra na goludice da gente, flerta com a gente e se faz
parte indispensável de criar a gente. A gente é indiferente, o lugar é que existe...

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Ferrugem

O medo que há aqui dentro
é o escuro que há la fora,
lugar sem nenhum centro
de cercado que me deixa ir embora.

Quintais de ventania  - sóbrio varal,
balançam vestes sem arremedo,
quaram folhas. Vidraças de cristal
num horizonte de acordar cedo.

Vagalumes não escondem, gris,
o véu da noite que cai em prata.
E nessa sina irremediável de ser feliz

não há segredo, apenas fé inata.
São desejos, marcas do que eu quis,
súplicas de fel, lágrimas de lata.

domingo, 1 de julho de 2012

O amor é livre

Ao dia entrego, feliz, o agora.
E tão solto e leve,  vou branco
como a neve que cai lá fora,
como um dia eu quis abraçar meu flanco.

Ao amor entrego o ar que respiro.
Se falhei, não falhei por escolha...
Deixo minha vida à deriva, como um tiro
e caio pelo outono como uma folha.

O amor é um fim de tarde
onde me deito - é um elo sagrado.
Assim, paciente, é espera que não arde

mas ao belo, ao encanto é fado
que me envolve em manto sem alarde.
O amor é assim: livre - é esse riso admirado.

Retorno ao azul

Há crianças por todos os lados,
velhos andando de mãos dadas...
Um sereno morno pelo sol recente
umedece a relva estendida como tapete - sou hóspede.

Meu corpo chora e se compadece,
galhos e folhas alimentam o chão
ainda frio do inverno. Quero o grito das coisas.

Um homem visita hoje as pegadas de ontem,
um homem que engatinha seus primeiros passos.

- Aonde vou?
- Aonde irei?

Que sou senão a seiva de uma árvore antiga,
um broto teimoso na areia infértil do deserto impiedoso da vida.

Há macacos e bichos preguiças na espreita do meu passar,
onde estou?

Que lugar é esse que me chama na fertilidade de um sorriso,
no aconchego de um abraço, no toque sagrado
de um sopro leve de vento?

Eu não sou de apenas um lugar,
eu sou para o tudo, para o instante do inesperado.

- Meu Deus! Meu Deus! Eu clamei, com a cumplicidade
do tempo, pela seta que me levaria ao alvo
de um canto onde sempre busquei, mas nunca entendi.

O portal é o monumento divino que me faz vivo.
Eu sou o graveto seco, eu sou o humus
que alimenta minha sede, cálice de segredo
que derramo aos olhos cegos do mundo.

Guia-me agora pelas veredas do sentir. Faça-se em mim
o orvalho que  verte como chuva
na colina salgada da minha face.

Eu preciso ir, eu sei que eu preciso ir ao encontro
de mim mesmo.

Quero retornar ao azul que nunca me abandonou,
quero ser a água que corre
pela pedra cheia de limo.

Ouço o cântico do amanhã
ouço minha fé pelos poros
brotando da imensidão...

Eu sei, Azul, que nunca me abandonastes,
nem nunca abandonará.

Um homem se revela agora pela fome de uma criança.
Estou indo embora de volta para casa...

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Apenas um café

Não tem meia
nem bola,
somente sacola
onde levo o pão
e a sola
gasta desse chão
que me leva
ao trabalho.

Não tem
o borralho
do fogão,
apenas candeeiro
aceso,
xícara exalando
o cheiro
ainda quente
de café.

Não tem o peso
da roupa,
unicamente
o varal teso
esticando
o horizonte
de um pássaro
tranquilo.

Aqui não
há cabide
de peça triste,
vide a vitrine
que esconde
o olhar
de vidro
de um manequim...

Aqui não
há o gole seco
num copo
de botequim,
não há
a esmola
da tarde
que arde
a fome
num farol...

Aqui há
um arrebol
de poesia
na pisada
titubeante
de uma criança
que ruma sem rima
para
a palavra e a fé
na prece
de um verso.

terça-feira, 12 de junho de 2012

E é namoro...

Vejo em cada sala
essa escada que se cala,
independente, absurda,
por me fazer seguir
com dente,
sorriso largo,
nessa voz surda
sem esse amargo
de deixar pra trás
o que eu quis.

Pois agora é ser assim
como lá fora
o sol querendo
em mim
esse segredo
e é namoro,
acordo cedo
e não me rendo
porque moro mesmo
é nesse olhar
da gente ser feliz.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O trem vazio

Meu caro estranho,
caso o trem esteja lotado,
não se afobe nem se apresse,
ali, num banco espremido,
ao lado,
alguém sem destino
espera calado o próximo vagão...
Ainda assim, no estreito
de costelas e bolsas,
uma janela visita na rua
os olhos lá fora
pescando o vazio
que a solidão de gente muda
e cansada deixou para trás.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Sábado

Vou livre ao vago instante.
Deslizam agora, sob o céu de outono,
minhas tristes memórias
nesses trilhos que vigio...

Meu olhar delirante...
Vejo sobre a premissa de mim
o dia que capitalizo - ando firme -
calçada estreita,
e a áurea do dia
bocejando a noite mal dormida.

Ontem foi o preâmbulo de hoje.

- Sim! Sábado badala o sino da vida.
Passeio pela avenida como um cão sem dono
vestindo a lembrança do que sou

para escrever essa biografia
moderna de ser gente.

sábado, 12 de maio de 2012

Mãe

Mãe,
antes no meu ninho,
você graveto,
pequena fração de segundo
que me aquecia...

Mãe,
hoje, eu passarinho,
sou do tamanho
do mundo,
um grão absoluto
que alimenta seu riso.

Mãe,
você horizonte
me faz sempre ir longe,
mas paro sompre
no cuidado
do seu olhar.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Êxodo

Tudo que a vida pede, eu faço
só não sou palhaço das multidões
com os seus anões carentes
que se dizem crentes no meu refrão.

Então, chega de hipocrisia,
pois sou anônimo
e tenho o mínimo respeito
pelo direito do invisível,

por quem se reconhece
em fotografia amarelecida
e trás fragrâncias do êxodo
para o futuro.

Tudo que a vida pede
é um remédio para a loucura,
amputar a prece da divina
comédia do instante

e serví-la como diamante
para esse drama sem fim.
Trago nas mãos o abrigo
da palavra que escuto nas ruas

sem a graça e a esperança.
Trago-a como banco de praça,
como sombra de árvore seca,
como flor que brota no asfalto.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Disritmia

Um relógio de ponto
não pontua o instante,
talvez o léxico viajante,

ícone que apronto
para servir meu medo
de criar no verso

meu único universo
de caminhar cedo

para a luta e a vida:
minha rima de despedida...

O milagre do pão

O homem cedo madruga:
sonho, cadeado, correia.
Carrega no rosto a ruga,
o apetite tão feito de peia.

Assim entregue à dança,
samba, forró e chamego,
símbolo de uma andança
que desturva um olhar cego.

Derrama no peito a fuga
de uma luta que carrego.
Uma sina de construir cedo

mãos que decepam o medo
e o fecundo brio de um ego:
lágrimas que a vida enxuga.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Diário de um ébrio

Andam dizendo por aí que o poeta está morto, que sucumbiu aos cuidados e zelos que, talvez, o amor proporciona. Pois bem, poeta que é poeta não morre. Neruda disse: "se nada nos salva da morte, ao menos o amor nos salva da vida". Assim, na comiseração dos atos do poeta, antropofagicamente atestando sua lucidez, digo que o mesmo não morreu. O poeta é cosmopolita, não flerta com a unimidade. O poeta, antes, entregue à sua inconfidência, é uma larva no mundo. Perambula aos zelos, seus e de outrem, para confeccionar uma plataforma poética diante de uma realidade ou utopia que só ele enxerga. Agora quero dizer de liberdade. Essa palavrinha estapafúrdia sempre me foi um tanto estranha. Propagam a liberdade dos seres pelos quatro cantos do universo. Mas esse conceito filosófico de liberdade é retrógrado e vil. Pois no âmago da alma, nenhum ser é capaz de aceitar a liberdade do outro sem configurar no seu ego um sentimento de perda. Cria-se um elo de ligação tão extrema que, ao menor sinal de ruptura, o alarme da mesquinhez soa aos ouvidos dos elfos e anões do mundo dos contos de fadas. Liberdade é, antes de tudo, aceitação do outro. Isso é o mais difícil e que nenhum livro especializado consegue dá a receita. Liberdade não é andar por aí nú, fazendo o que bem entende, entregando-se à prevaricação do instante para dizer-se livre. Liberdade é assumir uma condição consciente no mundo, assumir desafios, assumir diante do outro que é capaz de ser diferente diante de tantos iguais. A filosofia não existe no mundo para explicar as coisas, existe para entendê-las. E o poeta, que não é bobo nem nada, apenas utiliza de todas as ferramentas para disseminar a poesia nos corações mais duros. Sim, o amor não é uma prisão, é uma forma de construir poesia pelos olhos em febre. Ter medo do amor é ter medo de sorrir. Sofrer é apenas um instante sobreposto por outro de alegria. Ou Vinícius de Moraes, que foi o Rimbaud do amor brasileiro (quesito liberdade para amar, não comparem estilo literário) não era poeta. Ou Drummond que, na sua pacata condição de viver, escrevia divinamente. Sim, eu bebo, sou poeta sim senhor. Mas a davassidão da minha alma nada tem a ver com a minha forma de viver a vida. Cada poeta reflete na sua arte sua condição de vida. Pois bem, ainda falando de liberdade: "Quem for igual ao outro que o prove e só é digno de liberdade quem a sabe conquistar". - Baudelaire. Para finalizar, digo, o poeta está vivo, foi ao inferno e voltou e ainda bebe com os amigos que ainda o aceitam como tal: "Para não serem os escravos martirizados do tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher". - Baudelaire. O poeta Maranhense Nauro Machado que o diga. Eu prefiro me embriagar com cerveja de boa qualidade, poesia e virtude. Poeta que é poeta tem personalidade de assumir sua condição no mundo, seja ela velha ou nova.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Teoria da perfeição

A poesia em si
é uma criança,
um ato de parir,
uma esperança...

A fome é alimento.

O versos, um veto
dacassílabo,
ápice soneto
que atinge o lábio:

embevecimento.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Beleza e nada

A lua no céu traduz
a viagem longa que hei de caminhar.

Derrama esse sereno prata
que o meu olhar dilata
a púrpura que verte do meu coração.

Assim se faz uma rua,
eu tiro o meu capuz,
me jogo à beira do escarcéu.

Feito juiz, todo homem é santo
que se encobre no seu manto,
a túnica que esconde a face
de gente culpada.

Voa lá no alto das desculpas.
Infringe essas régras
que escapolem às asas minhas.

Chegam gaivotas às íris dessa estrada,
chegam sem revoltas
pela tarde gris,

pois de manhã tem orvalho
e uma janela aberta para
conservar no espírito
essa sensação de beleza e nada.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Saudade

Sinto o dia branco
invadir minha janela
e ela, com seu olhar lá fora,
pegando carona
com as gaivotas
indo embora...
O nome disso
é saudade.

domingo, 1 de abril de 2012

Meus pés

Meus pés cheios de estrada e mato,
antes bicho de pé,
alpercatas no chão,
o kichute na solidão
da bola.

Meus pés de sola nua...

Antes o carrapicho
enroscado na calça curta,
as pernas na liberdade
de ser informal,
na informação de caminhar
destinos e desvirginar sonhos.

Meus pés de sola crua...

A criação madura de ser menino
de badalar cedo o sino de ser grande.

Meus pés pisaram espinho,
caco de vidro
e sem perigo rumaram
para a escola
para buscar meu cotidiano.

Meus pés de sola e rua...

Meus pés calçam
os vestígios de um tempo esquecido,
de um amanhã vindouro,
de um agora de aço.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

É carnaval...

É carnaval
na ceio da cidade
onde o riso é tudo
e ninguém fica mudo
pra falar de saudade
que a vida corre
é lá fora no quintal.

É carnaval
subindo a ladeira
no meio do morro
e de dia eu corro
que a noite ´
é sem eira
e vai ser muito normal.

É carnaval
no meio da rua
o povo e a dança
voltando a ser criança
com a beleza mais crua
de fazer estripulia
para um mundo ideal.

É carnaval
no Brasil e no mundo
nessa mistura de alma.
Ser feliz está mesmo é na palma
da mão. Profundo
é o segredo que existe
na pincelada de ser total.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Rua aberta

A rua aberta dentro
de mim
leva para um lugar
sem fim
onde se espalham
no vento
palavras em forma
de folhas,
vírgulas que invento
para pausar
escolhas
que me separam
de ir e ficar.

A rua aberta dentro
de mim
é, antes de mais nada,
uma estrada
de sim
onde caminho
sem pressa
como passarinho
que paga promessa
por saber voar.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Caligrafia

Todos os versos aceitos
me são, antes, o endereço
onde não hei de morar,

pois um verso é apenas pretexto
para fugir, ir à tona
de algum lugar.

Eu não tenho a paciência
de um predador,
eu tenho é o desespero
de uma caça.

Sobrevivo, sem notar,
e não há nada de notável nisso,
catando meus gravetos pelo chão.

Escrever um verso
não é uma virtude proveniente
de um dom sublime.

Escrever é regar as chagas da alma
com o próprio sangue
que foi profanado,

com o grito que foi arrancado
do mais subterrâneo
silêncio.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Segredo

Tão tesa
a vista presa
no horizonte.

Abaixo das asas
da ponte
emoções partindo,

casas
onde guardam
cedo,

janela aberta,
pássaro lindo,

descoberta:
viver
sem arremedo.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Pássaro invisível

Tenho dentro de mim
um grito -
o alívio dos inocentes,
evaporado com as folhas
ainda mortas no chão.

Recolho os olhares
que esquecem
de me dizer adeus:

eles levam a descoberta
de um vento colorido.

E a boca muda,
a rua limpa, meu riso
das coisas,
também ficaram para trás
e eram invisíveis.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Ao dia

Pela janela do agora
eis o candeeiro aceso iluminando
o horizonte e o nada.

Pela janela escapa a fragrância,
a tampa esquecida, a vida estampada,
a ânsia de escapulir
aos olhos dos homens
e fazer viagem aos ventos...

Nessas frestas o que interessa
é o caos, o amor súbito...
Interessa interestelar
abrigo - escombros
de uma paisagem morta.

A serpente precede o rastejo
que recomenda Deus
em suas presas
para aliviar sua falta de fé,
de proteção.

Pela janela os dias acabam
e são portas trancadas,
um vacuo de existir
ao ermo de caminhar.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Farol

Busco, junto aos grilos,
o insignificante
motivo de me fazer ouvir,
ante as pedras,
o regresso para o caminho
abundante
onde agora sou trilha
para a vastidão...

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Café da manhã

Nenhum homém é livre.
Prende-o essas âncoras
de ontem e de hoje,

o cipó e o bonde.

Nenhum homem é livre.
Prende-o os esboços

inofensivos - os preâmbulos
escondidos nos caminhos
de não se sabe onde.

Nenhum homem é livre.

Antes as amarras do olvido,
as tristes marcas
de um entardecer.

Nenhum homem é livre.

O amor, a rosa, o espinho,
lavoro antes do ninho

são nós que o mantém alerta
pelos badalos de um sino.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Estampa para fora

Tchau é um adeus
sem premeditação de saudade,
a fina estampa que lustra
a face dos bons.

Antes, deixados ao léu,
os brados que o vento esqueceu,
a chuva que orvalhou
de memórias,
a inocência...

Se o emblema do instante
oferece áureas
para amanhã,

são vernizes os risos encontrados
e luas prateadas
que banham
de agora
essas coisas de ontem.

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