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segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Alados

Nos aqui do ar
temos a temeridade
dos dias
e flertamos
com a grande
evanescencia das noites.
Carregamos embaixo
das asas toda forma
de solidão
que os desertos
arrastam com sua
beleza letal.

Somos alheios e impermeáveis
ao mar
e ainda assim
o temos inseparadamente
dentro de nós
como oceanos
vermelhos
correndo freneticamente
por dentro
e na manifestação
mais insensata
de tristeza e desamor
como cachoeiras
derramando brancas
dos nossos olhos.

Ambos
são a grande
incongruência
que faz
nossa vida
ser espectro
de realidade
tentando tornar
fome em alimento,
sonho em verdade,
chão em abrigo
e as profundezas
segredos inabitáveis
de confessar
o grande antagonismo
de vida e morte.

Somos todos
arquétipos
de sofrer.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Atmosfera

Na atmosfera de mim,
oceano dissipado
e suspenso,
acima da cabeça - átimo
de espera
nesse desespero
de me fazer alado.
Minhas pernas comprimem
as distâncias
até que, eu rarefeito,
me espalhe no mundo
ao ponto de minha cara
encostar no longe.

domingo, 23 de novembro de 2014

Universo

Depois de nós ,
infinito vazio de uma caixa
de fósforo,
estar no lugar do objeto visto
além da grandeza de um grão de areia.
Depois do escuro que foge
do esplendor de um vagalume,
que não termina nas mãos
de uma criança,
resta apenas a grandeza
maior da consciência
de se saber finito.

domingo, 16 de novembro de 2014

A solidão do camelo

De lugar em lugar,
de escada rolante meu veio a fonte
e a face perdida
da perseguida hora.

Cabe em minha camisa a lembrança
dos esbarrões,
cabe em meu peito o abraço de um atraso
de perder a última composição
descarrilando pela noite afora,
deixando para trás mais do que
o vazio de uma estação,
deixando um lugar
cheio de gente, cumprindo seu papel,
cheia de texto,
ausente de vida.

Nesses mananciais
ha pequenos desertos cheios de estiagem
onde morrem as lágrimas
e germinam as pedras.

O corpo do mundo está enclausurado
num corrimão
sustentando os degraus de uma pirâmide
que recepciona a quem atinge a glória
e esconde, com uma borracha branca,
os figurantes dessa edificação.

A sede do peixe

De gotas de sangue colho epifanias
que distraem a atenção dos sadios
e evade os feridos
como erosão de imagens.

Ainda que os urubus planejem seu vôo solitário
para além das planícies
e pequenos roedores não façam
a menor diferença em seu cardápio,
tenho meus olhos seqüestrados,
meu corpo de manequim
profanado pelos presentes gratuitos
que tenho de comprar todos os dias.

Uma gota de sangue é um oceano
que navego todos os dias,
cheio de prosa ou poesia,
pelos arredores e becos,
a alimentar vampiros
que beijam minha carne proliferando
esse pólen de esquecimento.

Esqueço-me, esquizofrênico,
inventando personagens que não sou
a bater as palmas que merecem
pelo mérito de serem bons:
bons fazedores de mentira.

A felicidade é um lugar
que só se alcança quando cessada a busca,
assim diz meu pensamento,
que é obra da minha razão,
mas meu coração, que é desordeiro,
que é fugaz e cheio de obsessão
com coisas inalcançáveis,
lança-me desenfreadamente
adiante, contra o vento,
lança-me oblíquo, um corpo marchando
a rua, os olhos dobrando o horizonte
para que caibam na retina
dos meus dias.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

O esticador de horizonte (Em homenagem a Manoel de Barros)

Pássaros são semeadores de vento e esticadores de horizontes -
Pássaros guardam o céu
no bico e a estiagem embaixo das asas...
Desembaçam o vidro dos nossos olhos e arrancam de detrás da noite, a manhã.
O sol nasce é da voz dos pássaros.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Da brancura do infinito

Eu horizonte
lanço vertical a brancura
dos cometas
para atingir minha infinitude
pelo espaço sideral
de suas entranhas.

A brancura do lado de fora

Devassada é a alma que chora crianças
pelo lado de fora
escorrendo em qualquer ladeira
seus corpos nus a revelar
a película de suas vidas
escondendo um mar de abandono.
Mar de água e vísceras vazias - terminais - indeterminadas
no domínio de um vômito.
Arrefecida promessa e obstáculo de amanhecer com a preliminar fulgura
de um crepúsculo, alma estéril e obsoleta, arrebata essa seringal
brancura e se converta em vermelho.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Poema sobre o silêncio

Sabe mesmo a idéia de tudo,
cair sob os tentáculos
da curiosidade.

Sabe, ademais,
sobre esses refluxos
morando a desventura dos papagaios
e a célebre inconsistência
dos morcegos,

que nada ouvem - a tatear
geografias na escuridão.

Nada mais a dizer
nem a escutar

nem configurações
de marchas memoráveis no capítulo
auditivo do dia

apenas o que se revela
nesse casulo vazio de borboleta
morando um silêncio sem fim.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Considerações sobre o anoitecer

Antes que anoiteça
traga-me histórias pra dormir,
vê nos olhos dela (a rotação)
que apaga a tarde com sua cortina
crepuscular.

Entregue às crianças as cirandas
nos quintais,
coachar de sapos e silencios
quebrados com a euforia dos grilos.

Antes que anoiteça,
receba a miudeza das coisas,
pinte uma aquarela,
invente paisagens
com essas nuvens no céu.

Receba mesmo os aplausos
de uma vida cirúrgica,
com a tecitura dos versos
que se desenham todo dia
quando o sol se põe.




Prosa morna

A palavra que procuro
é a mesma epifania de ontem
regada com a fluidez
de verbo e predicado.

Procuro a efervescência
nesse agora de evasão,
nessa bulimia de versos
e nada encontro.

Minhas imagens estão todas vivas,
vivas demais nesse coração
de barro,
nesses meus olhos
de tirar fotografias.

Se revelam quase sempre numa prosa
morna, mas que ainda
não é digna de ser poesia.

domingo, 19 de outubro de 2014

A onomatopéia dos lírios

Saio à rua,
a ladeira abrupta constrange as pernas.

Saio e recebo o ar
que vem morar meus pulmões
com suas siglas e pecados.

Vem preencher de céu
e alumbramento - vem admoestar-me
de gente, com delírios.

E na alameda dos doentes,
ladear com lírios
a fotografia branca do meu dia.

Saio sem conduta,
calçada descontando
nas minhas solas

essa amputada fração de tempo
que fica tatuada no cimento
com esses passos que deixo.

Saio à rua
conferindo a sombra
que o sol desenha
da silhueta do meu corpo.

Não se revela sorriso.
Não.

Apenas escreve minha caricatura
no chão, que é onde me deito,
ao me construir no mundo.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

anatomia

do que se percebe dos lugares vivos
apenas o espectro a rondar abutres
e a anatomia do dia servindo
de pauta para preencher de palavra
alguma poesia

olhos famintos por realizar a boreal
realização de afundar no azul
do céu com seu infinito cardume
de signos a preencher o pensamento
dos homens com suas significações
de explicar a fome pelo indefinido

até que esses lugares são elos
pobres insígnias da verdade
de armar com dentes
a passarela das princesas, vãos das vaidades,
até que somente se apercebem
quando chega a hora
de despedir a pele do sol, ficar branco
como espuma de onda quebrada

hoje, `as nove horas, mulher alguma ausente
preenche de ficção o que a vida
derrama por não saber ser notada

sábado, 5 de abril de 2014

A sentença

Creio me homem. E homem sou
Amarrado ao mundo com seu substrato
De gente perigando o abismo
Que ronda a vida. Homem apegado às crenças.

Antes sou mais inofensivo aos bichos,
Mais impaciente com a lucidez dos bípedes.
Ontem criam-me as palavras balbuciadas
De um maltrapilho tolhendo o destino
Como se cada sílaba fosse uma lâmina
Que profetiza as coisas.

Coisa me foi sempre e sempre me será.
O que descontinua com a matéria é o mesmo
Bálsamo que presenteia com a inércia.

Nem dúvidas pairam sobre as antenas das moscas,
Nem besouros sobrevoam o aspecto
Sobrenatural do que não vive.

O que perturba a ordem do caos
É o vício da própria ordem.
Tudo se desfaz, e tudo se faz...
É contínuo o que não se contém.

Há fins que estão sempre apontando
Para o que foi feito. E vice e versa.
Um homem chora seus infortúnios,
Chora-os como amálgamas.

Nenhum desastre,
que não seja de incumbência natural,
pertence ao acaso sobrenatural das coisas.
Tudo é previsível e evitável.

Assim como o fumo que planta
A enfisema, como o perfume
Que exala da rosa,
Como a palavra gera a polêmica.

Não foram os deuses que desceram do olimpo,
Foi o homem que subiu
O degrau da independência divina,
E agora pertence à ordem dos soberanos.

A soberba, a trivialidade,
A idade que não termina,
Pois não se há mais orvalhos caindo do céu,
Nem folhas para serem lavadas,
Nem formigas no chão para descobrir
Seu caminho verde.

O homem também está morto.
Morto com suas fatuidades,
Morto e visceral, sem fim, sem meio,
Sem começo.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

O movimento das coisas

As performances da vida
são que adentram o espírito.
Preencher o corpo de ação
para desvelar a alma.

Se revela numa chama
a cera abrindo caminho
para que o pavio queime.

Chorar a fome alimenta
a boca com imagem
que os olhos
não podem ver – eles, os olhos,
derramam pela margem
de si, os excessos do carne...

Excessos de vazio e abundância...

Há no degrau uma seta que sugere
descer ou subir.
Eis que se gera a cinética do mundo.

As borboletas afagam o nosso ego
de beleza, assim como vaga lumes
acendem a curiosidade das crianças...

Comove me o movimento das coisas.

A porta abrindo e fechando
sem comportar ausências no seu vão de entrada,
o ranger da dobradiça enguiçando a janela

que registra a rua para além do horizonte
que fecha, com sua taramela,
o escuro lá fora quando pende a tarde
num revoar de andorinhas...

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Começo e fim

Começar uma poesia
é como começar a vida...
o verbo invertebrado da palavra
se conjuga sempre
no infinitivo presentificando
o estar na vida.
Um sujeito caminhando
não modifica
seu caminho,
o caminho é imutável,
caminhar não.

Ainda gosto muito da maneira simples,
sem luzes de vaidade pairando sobre mim.
Sempre gostamos mais do que se nos assemelha,
pois viver sugere proximidade,
aprender por osmose.

Começar uma poesia,
é como começar a vida...
Não lembro o princípio de tudo,
nem o findar das minhas estruturas.

Palavra, é vestir o homem de propriedade,
com seu silogismo,
com seus elementos
de se fazer ser...

Acredito nessa forma irremediável
de me servir do mundo,
das coisas mais absurdas do mundo,
me encher de gente,
e ver numa calçada sem fim
meus pés sendo calcados
no chão desenhando uma biografia de passos
para depois morrerem soterrados
na palavra poeira...

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

O mundo é quase nada

O mundo é quase nada
só é um grão de centeio
para quem cedo semeia grandeza.

O mundo é quase nada,
um ponto final na frase
de quem fecha o texto.
Ainda assim é quase nada
para quem sabe emendar
com reticências
as fronteiras imaginárias
de enxergar além do poema,

é quase nada, sem ser prosa...

Construir portas no muro,
asas no escuro, é quase nada,
fazer furos no infinito
para enxergar além.

O mundo é quase nada,
é quase tudo para quem nada tem,
um canto qualquer
na cumeeira do telhado
é morada para pássaro
que avista sempre além
de seu tamanho.

O mundo é quase nada
para quem sonha
infimamente,
e, ainda assim, nem coragem
tem para transformar
as realidades pequenas.

Se desejar o chão,
se desejar o ar,
se desejar inverter a órbita
de seus anseios,
é pisar firme a terra,
é esticar os braços, abraçar o mundo,
erguer a cabeça...

Não esqueça que olhar pra cima
faz enxergar o quanto tem para alcançar
e olhar pra baixo
faz ver que o que está lá
é que sustenta seus impulsos
para atingir o apogeu.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Estava aqui...

Seus olhos umedecem meus dias,
olhos profundos como o jacinto que adelgaça as tardes
sovertendo meus medos num espasmo.

Olhos que encompridam as virtudes.

Na algibeira, alinhavada e extrema,
seus espantos guardados,
pingos d`água untando a fome de comer:

sede, cana, corte
resumido lume
concede-me a faina,
e se converta, e me comove

a madeira fortalece
os músculos da sua aurora, que chegou cedo,
com dentes de ferro, com mãos de martelo,
com força de caboclo

e amassar o barro com seus pés de chumbo.

A parede moldada em retrato, adobe sem reboco,
revelando a fotografia extraída
do cinza da minha inocência...

Agora, ele é uma folha
que se desprendeu da árvore, virou borboleta e sumiu no infinito.

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