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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

elevador

do elevador caiu o teto,
aquele arquiteto sofredor
e estava cheio de palavras
mas não falava de amor

o vento ria o seu riso marfim
sem ter lembrança
do cuspe seco que
era bandeira sem seu pendão

do tempo que estava perto
tinha um deserto sem calor
e estava cheio dessas frases
mas tão vazio de amor

a poesia fingia que estava em mim
e nenhuma dança
foi minha paráfrase
de refletir a vida parca sem razão

do corpo que é tão escravo
havia um bravo sem rancor
e estava cheio de grito
mas nem um eco de amor

a rosa ria uma rua sem fim
era uma ânsia de partir
forjava o verbo que estava escrito
na pauta em branco do meu coração

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

olhos de aço

aqueles olhos
que estavam cheios
de praça

desnudaram
os sorrisos da rua

e se fartaram
de gente e de pedras

aqueles olhos
famintos
comeram
o espaço

e lavaram
a cinza do tempo

se lambuzaram

aqueles olhos
eram duas esferas
de amêndoa e aço

que despistavam
a atenção
dos transeuntes

que fitavam
fitavam
e nada viam

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Fitas de ontem

De repente,
é só perder
o que não tem mais uso,

jogar fora os broches
e os botões,
pois a fenda aberta
não desata um nó

– prende
a vida de amarras

– velhas fitas de ontem,
que não guardam
mais nenhum presente.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

alguma rua

um cimento cru dói mais a alma
e as costelas que se encaixam
pelos vãos noturnos
sentem mais a frieza nua
do abandono
que a roupa invisível
da rua tomada de solidão
alguma vez toma de espanto
no silêncio da lua
dois olhos cheios da noite
cheios do dia
pelo insone da vida
sem sonhos

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Quem adquire um ano...

Quem adquire um ano,
na primazia da primavera,
no solstício do outono,
no idílio do inverno
ou no crepúsculo do verão,
adquire a solicitude,
adquire a única certeza
de que vivemos
como um preâmbulo
de crescer,
de que somos uma criança
reinando eternamente
num corpo de adulto
que fenece e fana
nesses anos que se vão.
Quem adquire um ano,
reconcilia com si mesmo
e se desprende da pressa,
se enlaça com o viver.
Quem adquire um ano,
adquire uma história
que fica gravada para sempre
na página em branco,
que um dia,
chamamos de futuro.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Da sala de jantar

Cecília desistiu de chorar:
pegou as botas gigantes,
calçou-as e foi desfilar seu encanto
pelas arestas do viver.
Depois, banhou seu corpo
de cansaço e frio e voltou
para o entusiasmo das manhãs.
Cortou o chão com fantasia,
riscou o ar com o que é possível
e fez da ausência uma companhia
imaginária.
Agora é conversar
com o invisível,
tirar o chapéu,
fazer um engodo
e curvar o corpo em reverência
para o aplauso:
há ainda mais por fazer
cada vez que o sol bate
em sua janela.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A borda

Entre o isqueiro e o cigarro,
uma fumaça defumando
um coração cheio
dessas chagas do dia.
Por sobre a mesa,
a miséria dos livros
espalhando uma náusea
misturada com o crime
e o castigo do estrangeiro:
um canivete abençoa a graça
das unhas cortadas.
Num canto, esquecida,
uma xícara guarda
um resto de amargo
que ficou da boca, no fundo,
borra e café, e a borda
sacia de silêncio
aqueles lábios mudos
cheios de mundo,
cheios da fissura
desse tempo vil.
Quebrando essa novena
sem tempero,
apenas Chico e o vento
limpando a poeira e o vazio
d`As Vitrines tão despidas
de remorso.

Delírio

Se não posso ver,
fico imaginando
o tamanho da aquarela
que esses olhos cegos
criaram com esse sol
de janeiro.
Se não posso ver,
tateio o ar
com esse cheiro de lírio
e enxergo
meu delírio
quase alado
nessa extravagância
em relevo de me ser.

O passarinho e a laranjeira

E um passarinho
pousou aqui em
minha laranjeira
e fez ninho.
E o seu assovio
é um riso alegre
que faz cócegas
em meu viver.
E é assim:
o passarinho
e a laranjeira
são um destino
de sempre.
A laranjeira
é meu coração
e o passarinho
é você.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Autobiografia

Deixo num livro invisível e aberto
o rastro que eu não posso deixar
nas conversas que eu tenho.
Deixo as palavras gravadas
com o cunho da letra que me escapa,
pois de mim, elas não querem sair.
Nunca fui muito de dizer o que sou,
eu sempre fui o que sou,
Para mim, basta.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Olaria

Seus ossos estavam velhos,
manchada de barro estava a pele
de um couro já curtido,
cortiça de sol e vento.
Desce agora a ladeira
com uma vingança de não morrer,
matar a morte com teimosia,
amiúde uma sorte tomada
de espanto e dó – ido como
carro de boi puxado – picando
as juntas das pernas secas.
Carvão e píncaro, selva de sertão,
a olaria molda a alma crua
no selvagem da madrugada sem luar.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Empório

Cumpro primeiro em desviar-me dos desvios,
mesura minha de caminhar torto...
Uma porta não importa para as relações
de abrir e fechar: em sua compostura
irrelevante, comporta apenas o meio de sair e ficar.
Outra vez, outro dia, nasci trovejo
diante do espelho, minha face cheia de espanto
procurando algum ponto, ah, ponto estreito
de onde um dia eu fiquei parado
na atmosfera da minha aurora á espera
do meu destino – um homem cansado me sorriu.
Uma dúzia de palavras apenas, um bocejo,
e um pavio ainda curto se apagando da demora da noite.
Feito um bojo, fica a esperança ainda morna
despertando o dia para mais uma morte...

domingo, 10 de janeiro de 2010

Das coisas que eu não disse

O que eu pensava, depois de ontem, sono ainda morno,
que o que tinha ficado era apenas saudade de um hoje
de anos atrás que ainda esta vivo. Vejo e sinto, agora,
permanecendo depois dos meus pretéritos,
como presente... Pressinto ainda futuro nesse idílio.
Mas, perdido na noite dos meus diafragmas,
dos soluços sem solução, depois daquela tempestade toda,
percebo um sol farto em minha janela, agora aberta
para deixar o vento entrar.
E estava tudo tão complicado, depois de esperar
sentado na mureta, aquele mesmo vazio estava lá,
mas não, não está mais, está mesmo é o caminho
que foi se formando pelos meus pés, esses mesmos,
descalços. E aí foi bater papo, falar das coisas novas,
contar histórias velhas, eu fiquei contente, e, de repente,
ficou tudo muito claro: não precisava desespero.
Tudo bem, tudo bem, não há mais réplica nem tréplica,
agora é sentar e ver o tempo desenhar tudo que
eu sempre tive convicção. Engraçado que nem sei por que
sinto isso, nem sei por que sei, apenas sei, apenas sei...

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Drum ´n` bass

Aquele drum ´n` bass batendo aqui,
acolá, uma volta pelo parapeito
do meu dia, ode ao fútil, magia acelerada.
A horta do tempo, malfeita, está pronta,
pois, logo, desce à porta da lágrima,
esta hora feita de sumo e néctar,
aquele beijo roubado,
o que eu deixei de escrever...
Pois bem, nada fenece nesse tempo,
nada além de mágicas roubadas,
sonhos dourados, sim...
Mas, para quê tanta reticência meu bem?
Nada além, nada mais sem bytes, sem
o micro e o macro solúvel e insolúvel
das necessidades, que eu, atrevido,
diria: humanas.
Sim, é redundante dizerem que
escrevo palavras, sim, teço-as ao vento,
mas elas dizem, olhai-vos todos, elas dizem.
Não tão quanto diz essa bolha assassina em meu pé,
nem tanto quanto diz essa poesia
cheia de poeira e pó que eu já li por aí, sim,
mas todas dizem o seu tempo de ferrugem,
todas são essas quatro fases de lua
sem face, cobertas de nuvem...

domingo, 3 de janeiro de 2010

Poema agreste

É um agreste
a pele ainda nua
cobrindo de lua
o que a noite oferece.

Mas é olhar no espelho
e nenhuma prece
chora o vazio das graças...

Nem tão maculada
é a legenda das coisas,
que meus olhos,
cheios de praça,

descobriram
no silêncio das pernas
que configuram
a beleza despida
de pano:

um dia,
a noite jaz o desespero
que a manhã
sem soluço

debruçou sobre
esse corpo
tombado de
tanto querer...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Terra fixa

Hoje eu nasço mais incondicional que uma rocha
nessa véspera iminente de trinta e quatro.
Nasço e trago a ferrugem dos dias
nesses ossos meus, prometo uma ode.

No caminho tem paralelepípedo, eu vejo,
tem a força de um trovejo que a boca
calma das matinais trouxera de ontem:
como se eu ainda fosse um manto, desnudo.

Do mundo eu trago tudo que me coube,
trago a veste surrada das horas,
outras coisas tortas, a ira, quem já foi embora,
e os desvios, e os desvios, e os desvios...

Hoje eu faço, porque fui, sou o áspero
que ainda está alheio, aba do desespero
que ainda é centeio da minha fome,
meu país sem pai, sem nome, descalço.

Alguma vez eu estive pelo crepúsculo do dia
como quem avista, longe, a áurea das coisas
e ouve o tilintar soando calmo, móbile ao vento,
pois todo tempo, tudo move, move, move.

Move ainda mais em mim meu coração
de menino, que pulsa, aquele abraço de urso,
que me expulsa ainda mais para perto
do que eu pensei ser um fim que nunca acaba.

Hoje, eu sei, nada vale mais que um sorriso,
mais que um abrigo que sempre acolhe,
nada mais vale que voar, voar, voar
e voltar sempre para a terra fixa do amor.

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