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domingo, 29 de março de 2009

Vinho tinto e seco

Repouso as lembranças
sob meu celeiro de amores...
agora, tempo de continuar,
saboreando esses licores envelhecidos,
com a ferrugem carcomendo
alguns instantes,
dias atrás, dias que se foram
e que se irrequietam n`alma,
dobradiças essas que se movem
ao vento da saudade,
me fazem cócegas de viver:
um gole de vinho tinto e seco.

Gravetos

Aqui, nessa demora,
sonho uma aventura lá fora,
para além desse cercado,
onde minhas costas
possam carregar
fardos de flores
que colhi desses canteiros.
Aqui, desenhando o acaso,
sigo meu caminho raso
de escolhas
que me foram presenteadas
e as aceito sem sacrifício
por desejar estar aqui,
acima de tudo,
compartilhando
pequenos gravetos de viver.

sábado, 28 de março de 2009

Amanhã

Amanhã é um dia que espero,
pois quero, mais do que nunca,
sentir que hoje foi bom.
Amanhã vou mandar embora
toda sobra do agora
e guardar apenas a síntese
do que fica de mim,
aproveitável,
para ornar os pequenos
sorrisos que desenho por aí.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Quase vermelho

Ela fechou a porta,
um coração lilás,
e os pedregulhos tolhendo
aquela vontade jogada
em precipício, um ás no céu.
Ela abriu a janela,
do lado de fora,
uma passarela em tom verniz
brilhando em sorrisos de estrelas...
Ao longe, o cair das nuvens
num horizonte quase vermelho.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Jazz, rock, guitarra

Jazz no festival
Rock vendaval
De guitarra solo
George Benson no subsolo da canção.
Um blues, acorde em tom azul
Com túnica, repertório
Vestindo tímpanos de harmonias...
Hoje, eu sintonia fina,
Amanhã, uma estação
Sintonizada numa faixa
Anos 50.

Chocolate

comia com a singeleza de brincar
e um tempo que ficou impregnado
de uma nódoa um amigo
amizade colorida
que a sua risada fez tecer
uma saudade que bate
agora em minha porta
um sabor de chocolate
e os tabletes marrons
que teimo em guardar
para lavar minha inquietude
com o que ficou de ternura
com o que permanece de amor
sublimados em
nosso abraço pueril

terça-feira, 24 de março de 2009

Da janela

da janela
mãos recostadas sob o queixo
vejo pés de amora verde
um celeiro de verdades
que o outono descobriu
uma flauta doce
assoprando uma canção
e um pequeno convite de sol
embrulhando
uma saudade de amanhãs

Ser livre em amarelo

agora não tem jeito
que a preguiça toma conta
reflete sorriso
um assobio pela tarde morna
que cai devagar
com um horizonte
amarelado dizendo até logo
já é hora de repouso
os pés descalços
e as sandálias guardando
em segredo um punhado
de alívio
que é chegar em casa
e vestir a melhor roupa
de ser livre

segunda-feira, 23 de março de 2009

Inesperado

Como quem não precisa
o riso aparece
fraterno como um
vento de outono
e desdobra impossíveis
de abraços
de laços
que se desenham
pelo contorno
de estar aqui
um amigo inesperado

domingo, 22 de março de 2009

Inabalável

Sem remorso
nem ternura
há sempre uma procura
pelo encontro
do inabalável.

sábado, 21 de março de 2009

A Falta

A falta é uma palavra
que em mim,
livre e pequena,
apenas ilustra
um tanto de solidão,
um tanto de saudade,
pois que é sinônimo
de bem querer,
de amizade.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Ponto Final.

um ponto final
é um ninho de paz que não tem fim
pois fecha com perfeição
um grande trabalho
de desenvolver pensamentos
que apenas querem voar

Poema ao sorriso

enquanto firma o sol
no altar
da minha verdade
pesco de anzol
o teu semblante
em sorrisos

quarta-feira, 18 de março de 2009

Húmus

no velar das vozes
o audível instante
no chão um intrépido tropeço
e os endereços guardando
segredos
as folhas verdes outrora
agora é húmus
que revigora amanhãs
cascalhos pedras
silício e quartzo
que enfeitam calçadas
e o preço como boa paga
pela paciência
pela espera
um convite a ser aberto
pela virtude
de ser vencedor

segunda-feira, 16 de março de 2009

Buraco

a tez perplexa das horas
brinca de esconde- esconde
muros telhados onde não se vê mais
alardes nem se ouve música
apenas o inaudível som do silêncio
multiplicando as sensações
o bater de asas da efêmera
razão da eternidade

sexta-feira, 13 de março de 2009

Canteiros Amarelos

Assim, com as folhas caindo aos pés,
é descoberta a beleza da vida,
através mesmo de um olhar
que fica parado e dizendo
mais que qualquer palavra.
Nessa hora, o mundo para,
o relógio é apenas um detalhe
enferrujado do tempo,
que não vai nem fica,
apenas permanece
na magia eterna do agora
revelando segredos infinitos.

quinta-feira, 12 de março de 2009

De repente

De repente, descubro que e mim
não há mais ternura,
descubro que sou uma vidraça estilhaçada
procurando destino para morar
minha secura, morar meu fel
e, mais que em qualquer outro,
perfurar meu ânimo,
minha inquietude
esvaziar o coração de sorrisos bons.
De repente, eu sou gente.

quarta-feira, 11 de março de 2009

A verdade do silêncio

O silêncio, às vezes,
é que muito diz da verdade
que há nos olhos,
é que muito revela da dor
que grita na alma
e, por dizer tudo,
dispensa
a inútil afirmação
das palavras.
Pois falar nada resolve
ou acalma,
escrever nada manifesta
além de ilusões
perdidas
pelas arestas
vagas do espírito.

terça-feira, 10 de março de 2009

A importância das coisas


Para mim é difícil e por deveras doloroso, pois nada tenho com a vida alheia, e confesso mesmo, que pouco me interessa os modos, a aparência do outro, ter de abordar algo que nada tem a ver comigo, pelo menos diretamente. Podem, por indução da afirmação, acusar-me de indiferente. Sou, confesso, nesses percalços, dada a gravidade com que me foi concebida a personalidade, fugindo a relatos mais íntimos, atenho-me a dizer que foi como a de milhares de outras pessoas, dado este que não me faz ser melhor nem merecedor de uma atenção mais refinada por parte de ninguém. Porém, tantos fatos cotidianos chamam-nos a atenção, ainda mais quando o prazer, o verdadeiro sentido da vida, dá-se por senti-la assim, pelos pormenores, coisas pitorescas, que trazem algum brilho nos olhos pelo fim da tarde. Quem é poeta, por fim, escreve qualquer verso livre, quem é filósofo, devaneia seus pensamentos insólitos ou não, e chega a alguma conclusão ou divergência. Mas o ocorrido é tal e fato. A tarde caía lenta com um verão assimétrico, dado o fervor com que atulhava por volta do meio dia e com que se disseminava pela tarde em aguaceiro, coisa normal e do clima tropical que qualquer país um pouco abaixo da linha do equador tem. Aqui, cidade de São Paulo, conhecida como terra da garoa, não é diferente. Com o calor, percebe-se naturalmente as pessoas agitadas e com as vistas cansadas, todas marchando rumo a algum destino. Uma mulher robusta, fatigada pelo sol quente, segurava as pernas encostada próxima à entrada de um banco. Motoboys entravam e saíam com suas pastas pretas, com suas mochilas abarrotadas de papéis. Nada de anormal, a não ser pelo fato dessa mulher se deixar cair e desfalecer os sentidos. De início, ninguém dera pelo seu mal estar. Acresce que ela caíra de cócoras, deslizando levemente as costas pela parede e permanecera ali, sentada, com a cabeça enfiada entre os joelhos. As mesmas pessoas entravam e saíam do banco sem darem pela existência dela. Passou uma tropa de policiais que faziam a ronda a pé, também não deram pela presença da senhora. Uma velhinha de cara chupada, por fim, percebe a desvalida caída e tenta reanimá-la. Enquanto isso, um grupo de rapazes observa as garotas passarem com seus decotes. Um deles diz: - Essa é gorda, estou fora. Outro concorda com a cabeça e repara as nádegas avantajadas de outra moça que passa com um short jeans justo e apertado. O meliante insiste em pedir uns trocados e conta sua história de que não tem família e precisa comer, pois, segundo ele, faz dois dias que não come nada. Sua cara inchada em decorrência dos males do fígado o condena, e poucos o ajudam. A mulher continua caída e a senhora tentando reanimá-la. Esta, por sua vez, tenta chamar ajuda. Fala para o camelô que possui uma banca de CDs piratas que há alguém passando mal. Este passa os olhos pela mulher e diz para a velha que é vertigem. Basta tomar um gole d`água que passa. A velha então se dirige ao boteco mais próximo e pede um copo com água e explica que é para alguém que está passando mal. Quando volta, a moça já não estava mais ali. Havia recobrado os sentidos. Levantara-se então e foi embora. A velha toma a água e, sem entender nada, segue também o seu rumo.

O que há de interessante nesses acontecidos, é que na verdade, não há nada de interessante. Voltei para casa cheio de cenas na cabeça. Um calor insuportável me corroendo o cérebro. No caminho, sempre sigo com cabeça sempre ereta, com o olhar sempre direcionado para frente. Desconheço os lados da rua. Percebo sempre os vultos das pessoas. Às vezes, surpreendo-me sendo chamado por algum conhecido. Fato que considero normal, mas que não dou muita importância, pois sou despercebido de mim mesmo. Na rua onde moro, percebo apenas que sempre as mesmas pessoas estão sentadas no meio fio em frente de suas casas. Percebo que algumas senhoras estão ali apenas para observar o viver alheio. Para comentar sobre determinada garota que perdeu a virgindade, ou sobre aquele rapaz que, de vez me quando, resolve enrolar o seu cigarro de maconha e fumar discretamente. Percebo também que um negrinho é mal visto pelo dono do mercadinho do bairro, pois anda descalço e com as roupas em molambos. Percebo também que os melhores amigos também são todos cheios de bobagens e que também julgam as pessoas pela aparência. Percebo que ninguém é perfeito, e que por isso mesmo, nada tenho que achar correto ou errado os seus atos. Mas afinal, porque falar de coisas sem importância. Confesso, não sei. Apenas meneio a cabeça em aceno e cumprimento que para mim nada significa, pois é apenas um gesto involuntário. Se me cumprimentam, ou não, tanto faz. Isso é algo que me tenho comigo. Alguns, creio, não vão muito com minha cara e minha indiferença. Eu também os compreendo. Sou assim mesmo. E não ha nada que me faça sorrir ou chorar, além de me sentir feliz comigo mesmo. E essa tolice toda nada tem a ver com confissão ou arrependimento. É algo que desejo falar, para eu mesmo ler, para eu mesmo contemplar e raciocinar. Só sei, nesse meu aprendizado de vida, nessa filosofia intrínseca minha, que amor ou desamor, nada tem a ver com o jeito de ser de cada um. A velha senhora não chamou o resgate, mas nem por isso seu ato foi menos nobre ao buscar um copo dàgua, nem do camelô, que apenas a instruiu a pegar o copo de água e não deu maior importância para o caso. Na verdade, todo mundo é assim, todo mundo tem medo de se intrometer e se ver no lugar de outro. Todo mundo é mais ou menos relapso, é mais ou menos curioso. E, de natural, é tudo e toda conduta humana, pois que o mundo é um caldeirão de pessoas vivendo suas vidas conforme suas crenças, culturas, aprendizados, etc. Eu, de vez em quando choro, mas minhas lágrimas também não querem dizer nada.

De interessante é saber que minha morte é apenas mais uma morte em meio a milhões de outras mortes, que meu amor, se é que há algum amor em mim, é apenas um amor dado a qualquer ser deste mundo, que minha dor é apenas uma das muitas dores que já tive e terei. Que meu viver no mundo não é mais que o viver de uma minhoca. Que minhas palavras não são nada mais que pensamentos que resolveram escapar da minha cabeça e que a ilusão existe sempre para confortar os medos, e que os sonhos são apenas nuvens que sobrevoam nossa consciência para nos matar menos dolorosamente que a espada. Afinal, morrer agora, ou morrer daqui a 30 anos é a mesma coisa, pois será sempre o mesmo eu que morrerá. Essa frase, confesso, não é minha, é de um escritor Argelino, que gosto muito. Mas também não tem importância, pois é a mais pura verdade, e não é só dele, nem minha, é de todos. Só sei que me despeço de mim, um pouco, a cada dia. E que todas as bobagens que penso, não passarão de um mero rascunho esquecido aqui nessa gaveta virtual.

segunda-feira, 9 de março de 2009

BLOGAGEM COLETIVA - Inclusão Social: Racismo no Brasil

Em estudos recentes por parte de vários estudiosos conceituados das diversas áreas de atuação, dando ênfase àquelas que trabalham com humanidades, é discutida a questão do racismo no Brasil. Pala ilustrar um pouco esse assunto tão delicado, trago aqui as palavras do professor-titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Kabengele Munanga, que é, atualmente, vice-diretor do Centro de Estudos Africanos e do Museu de Arte Contemporânea dessa mesma instituição coletada de uma entrevista à ESTUDOS AVANÇADOS, e postada no blog “EU, UM NEGRO”: “ Parece simples definir quem é negro no Brasil. Mas, num país que desenvolveu o desejo de branqueamento, não é fácil apresentar uma definição de quem é negro ou não. Há pessoas negras que introjetaram o ideal de branqueamento e não se consideram como negras. Assim, a questão da identidade do negro é um processo doloroso. Os conceitos de negro e de branco têm um fundamento etno-semântico, político e ideológico, mas não um conteúdo biológico. Politicamente, os que atuam nos movimentos negros organizados qualificam como negra qualquer pessoa que tenha essa aparência. É uma qualificação política que se aproxima da definição norte-americana. Nos EUA não existe pardo, mulato ou mestiço e qualquer descendente de negro pode simplesmente se apresentar como negro. Portanto, por mais que tenha uma aparência de branco, a pessoa pode se declarar como negro. No contexto atual, no Brasil a questão é problemática, porque, quando se colocam em foco políticas de ações afirmativas – cotas, por exemplo –, o conceito de negro torna-se complexo. Entra em jogo também o conceito de afro-descendente, forjado pelos próprios negros na busca da unidade com os mestiços. Com os estudos da genética, por meio da biologia molecular, mostrando que muitos brasileiros aparentemente brancos trazem marcadores genéticos africanos, cada um pode se dizer um afro-descendente. Trata-se de uma decisão política. Se um garoto, aparentemente branco, declara-se como negro e reivindicar seus direitos, num caso relacionado com as cotas, não há como contestar. O único jeito é submeter essa pessoa a um teste de DNA. Porém, isso não é aconselhável, porque, seguindo por tal caminho, todos os brasileiros deverão fazer testes. E o mesmo sucederia com afro-descendentes que têm marcadores genéticos europeus, porque muitos de nossos mestiços são euro-descendentes".
Tendo como base essas palavras do ilustre professor, abro aqui uma discussão pertinente para a questão da inclusão social. No Brasil, discute-se atualmente, as várias facetas dos excluídos. Há o excluído da era digitalizada, há o excluído sexual, há o excluído, enfim, resumindo, por ser diferente, ou por está inserido num determinado setor da sociedade que o deixa segregado dos demais setores. A questão da inclusão racial é um desses alvos de estereotipação. Desde 1500 que há o conceito de racismo no Brasil, não com esse nome, que veio ser adotado depois, mas, devido a cultura escravagista aqui tanto explorada, com a utilização da mão de obra do trabalho escravo, que foi-se inserindo na memória cultural coletiva do povo, esse conceito. É importante frisar que ninguém escapa do racismo. Ele é inserido implicitamente e até explicitamente em nós através dos meios de comunicação, através dos livros didáticos, dos livros de história e tantos formas de divulgação e assimilação. Fala-se muito que o Brasil não é um país racista. Engano. O racismo no Brasil é muito pior que, por exemplo, o racismo escancarado dos EUA, pois, quando se cria uma noção de que algo não existe, pela mudez coletiva de não explicitar publicamente, torna-se muito mais perigoso e nocivo a todas as pessoas, hoje, consideradas afro-descendentes. As pesquisas nos mostram que nas várias áreas da sociedade há a discriminação racial. Por exemplo, na área da saúde, na área da educação, na área do trabalho. Nesse último, é bem mais fácil de notar a disparidade de salário e aceitação no campo de trabalho por uma pessoa de pele escura em relação a uma pessoa de pele clara. Um negro chega a receber 70 por cento menos que um branco, que possui a mesma formação que este. No setor da educação, basta darmos uma passada pelas escolas da periferia e poderemos notar o grande contingente de meninos e meninas, todos afro-descendentes, que possuem um nível de aprendizado muito inferior às outras crianças dos bairros centrais e que freqüentam escola particular. Nas grandes universidades públicas do Brasil, essa disparidade é ainda maior, menos de 1 por cento dos estudantes que ingressam nessas universidades são de pele negra. Todos esses dados de pesquisa, nos servem para percebermos o quanto o negro no Brasil sofre com a exclusão, com a discriminação racial.
É importante para o país, como nação, para nós todos, como integrantes dessa nação, atentarmos para essa forma de exclusão, que muito das vezes, achamos que não existe, por existir de uma forma silente. É importante divulgarmos nos meios de comunicação, aqui na blogosfera, que o Brasil é um país racista, é um pais da exclusão em suas várias facetas. Para combater a exclusão, é necessário primeiro haver muito informação acerca, seja coletando dados de pesquisa, ou lendo sobre estudos de pessoas sérias que estão preocupados com esse verme que corrói a auto-estima do brasileiro, a exclusão. Eu, creio, que ninguém quer ser igual a ninguém, queremos apenas ser aceitos, ter as mesmas oportunidades, e sermos respeitados, acima de tudo, como seres humanos, em nossa total plenitude, como pessoas, com nossas virtudes.

domingo, 8 de março de 2009

Ser mulher

Ser mulher
é edificar a vida,
ainda que a força
esteja escondida
numa pétala
de orquídea.
Ser mulher
é ser absoluta
entre a labuta
do dia-a-dia
e a beleza
indispensável
que a sua leveza
consegue transmitir
nas várias fases
e estações
que somente
assim, em essência de mulher,
faz renovar,
por primaveras infinitas,
a vida.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Textura

eu quero um verbo
transitivo direto
para alcançar meus afetos
que a vida é mesmo
um labirinto absurdo
donde o poeta
sabe ver no escuro
algo que nem a luz
consegue mostrar
qualquer coisa de beleza
na aspereza dos tijolos
que o entulho encobriu

segunda-feira, 2 de março de 2009

O Absurdo

Agora, 13:55 da tarde, hora de núpcias com a noiva de véu branco, com as bordas sintomáticas da novidade pintadas de vermelho, escarlate nas bochechas redondas. Um escarcéu direcionando a atenção alheia para o acontecimento: vícios e virtudes, todos ali, misturados como tintas várias em aquarela. E que faz ali aqueles tantos olhares, aqueles tantos homens, aquelas tantas mulheres? O tirano do absolutismo é mesmo quem diverge das probabilidades estatísticas, pois que a gente sabe, essa gente esquartejada em fatias de bolos indivisíveis, assim, numa relação de 10 para 10. É uma totalidade, sim, é, creio que não tão determinista, não tão fatalista quanto à queda das motocicletas que derrapam a gana dos motoqueiros, joelhos, panturrilhas, cotovelos e crânios esmigalhados afora. Porém, quando se planta notícia, o importante é mesmo a opinião mastigada e ruminada dias e dias, num apelo, num bojo de nojo que fica em alto relevo pela paciência. Os abutres, esses cúmplices desnivelam suas janelas, pendem para fora, abertura do mundo, abertura da clausura, fechamento dos caminhos tantos, esses tantos asfaltos que levam , ao menos, a algum devaneio, a alguma interpretação mais ou menos julgada de um ponto de vista da discordância, pois que livros dizem, mas não falam, nem clamam para serem abertos, exceto quando participam de campanhas ilusionistas pela grande fornalha de assar mentes.
Hoje se faz preciso buscar, teclar, deletar, ruminar. Esse último, verbo transitivo direto, é, assim como um estampido, direto e moroso, que tropeça a opinião por várias tentativas e transforma um fato cotidiano num jogo de pingue-pongue, talvez aquele chinês, que é dos mais rápidos, para simbolizar a efemeridade das coisas. Agora que não entro num consenso entre rapidez e vagareza, é porque o absurdo é assim mesmo. Nada é totalmente algo, nada é um zíper que apenas se mantém fechado, abre-se de vez em quando, ou sempre, tornado-se a fechar. O sofrimento está guardado nesse zíper de jeans, ou de mochila pós beatnik, pois que a juventude não pode mais correr atrás dos sonhos quando o casulo os convida para morar para dentro. A metamorfose é hoje validada, é hoje sentida, mas num sentido paradoxal, pois, de tanto correr a tartaruga, descobre essa que a linha de chegada está mesmo é no início, não no fim. São faces contemporâneas vividas e sentidas por todos, sem exceção. Alguns, com suas viseiras, nem sabem dessa nova condição de vida. Entretanto, as conseqüências são inerentes a todos. É uma profilaxia de prazeres, de deveres, de anseios, feita e sentida por todos.
A teia, essa mesma de aranha. Arranha, como diz uma música tropicalista de Brasil Inglês, as inércias. São os paralelos das inércias. No centro, as patas acomodam o grande corpo pesado e sustenta a voracidade do aracnídeo. Pelas bordas, as armadilhas, as distâncias, de um ponto a outro, cada vez mais distante dos tênues fios do cerne. Ali, mora a verdadeira força calada. Calada não por vontade própria de fio de seda que não fala, mas pela força do aracnídeo, que é quem diz, por ser o dono e latifundiário, é quem dita as regras. Que as moscas morram para alimentar, pois as teias, todas elas, estão interligadas ponto a ponto, numa grande rede.
É preciso mesmo desabotoar a camisa, vestir uma bermuda, um vestido leve, calçar uma sandália de dedo, e fazer uma assepsia dos pensamentos. Uma assepsia dos tormentos, fazer o vazio, não o da alma, mas o vazio do supérfluo ser notável. Uma página apenas sempre me basta para externar meus absurdos, efêmeros como um relâmpago, mas duradouros como todas essas coisas inertes, que, como pedras, estão sob a face do planeta desde aqueles primatas que aprenderam a contar bananas.

domingo, 1 de março de 2009

A cesta dos mascates

Aquela era a prata que, aquém à realidade, fugia aos paradigmas incorporados por longas sessões de hipnotismo. Subia íngreme, a ladeira, o aclive dos ancestrais, que, em tempos modernos, satisfazia a grande necessidade dos meliantes acorrentados. Apoiava os pés rachados sob a tira de sandália amarrada aos tornozelos, um cajado servindo de cetro do mundo, um aboio em forma de canção trovejando sob relâmpagos ao longe, na mão, guardada entre dedos, uma caixa ocultando lembranças e fotografias amarelecidas. A velha de ébano era forte, nádegas abundantes, e uma serenidade revelada pelo olhar. Era a pastora, a gestora dos interesses alheios que, sob concessão da repartição pública, alimentava os pobres diabos.
Ali, alongando-se pela vastidão, um vale antigo, um abrigo que oferecia o perigo de um sussurro fugidio, que chegou com o brilho das estrelas, e revela a voz dos desvalidos de agora, homens e mulheres acorrentados. Antes, na primazia dessa condição afásica, havia os paquidermes e os primatas, ambos conviviam em harmonia perfeita, não havia conflitos. Depois, os primatas aprenderam a contar quantas bananas comiam por dia, e, assim, surgiu a aritmética. Mas, rolando sob uma roda, aprenderam a buscar novos rumos, e, conseqüentemente, veio a necessidade de imposição. Pois sim, a caixa que agora carrega nas mãos, antes foi pequena, depois média, e, numa amplidão generalizada, tornou-se a grande caixa de chumbo do mundo. Chumbo, pois pesava na consciência dos primatas uma urgência de liberdade. A liberdade veio, e os arabescos ornaram as mãos de alguns poucos, e outros tantos, ficaram a servir mais e mais a essa caixa, preencher esse vazio incondicional.
Na gélida reação dos velhos rabugentos, houve certo rebuliço, pois a novidade que veio dar a praia, era um comboio de âncoras que aportavam entre o ID e o SUPEREGO, numa fusão de total orgia iluminista para, após os devaneios, surgir as revoluções por minuto e sangrar a pele e o pelo, que eriçado, mostrava o lombo lobo do homem de agora. Este que está acorrentado, buscando nas idéias socráticas e pré-socráticas, alguma solução para morrer à míngua em sua ilusão. Reverbera também um trópico de mascates que venderam as idéias para criar o monstro que devorou todos os meninos e meninas, e, com maior ênfase, a anima que vestia o sonho pueril de jardins de rosas azuis e pétalas brancas, ambas formando uma roda de ciranda onde a verdadeira face estava sempre estampada pela Ísis do passado.
Mas, hoje, agora mesmo, há o sonho molhado e temperado pelas paredes de concreto, pelo teto abobadado de um cinza escuro. Apenas uma janelinha de fim de tarde, que é quando o prisioneiro retorna para sua sela temporária, um casebre humilde, e vai dormir em prisão domiciliar, para, depois, no dia seguinte, exatamente às 4 da manhã, acordar de sobressalto pelo grande capitão do mato pós moderno, o despertador, que, já com o horário adiantado, para não perder o trem, rasga o silêncio e a única maneira de se sentir inocente, que é quando o travesseiro serve de anjo para proteger a cabeça dos primatas da culpa que as grades do sistema capitalista globalizado insiste em apontar, com suas garras de dragão, esvaziando o coração de emoções, quando apenas desenhava nas paredes da caverna a sua vontade de história, para encher de certeza, uma mistura homogênea de razão e pobreza, e deixar o futuro falar mais alto que o agora.

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