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segunda-feira, 30 de julho de 2012

Parabéns!

Karla,
para você
os bens que a vida,
autodidata,
traze-lhe,
irriquieta, desinibida,
mostrar-lhe felicidade
com o que acha
em seu olhar.
Muitos anos,
tempo que te escolhe,
a viver
pelos passos
de uma criança
e brincar o sorriso
de menina
que sussurou baixinho:
eu já sou uma mulher,
quieta, especial,
sem data
para deixar
de ser querida.

sábado, 28 de julho de 2012

Distância

Eu vejo, inaudível, o silêncio dos homens
perambulando como elefantes rumo à morte esperada.
Capturam o esmo como companhia de sufocar a solidão.
O homem preso em si mesmo.

E não há nada de especial ou tragédia
que assole as vitrines,
que o esconda, que o arranhe
com um espinho e trace uma ferida de engano
pela atmosfera invisível de ser.

Rompe com a vigilância de ser criança,
a síndrome absoluta de viver,
de ter, de ir à luta, de vencer.

Eu percebo nas cirandas da minha memória
o orvalho que umedeceu
as pálpebras de alegria. A vida grata.

Um homem sentado num banco de praça,
a própria graça prisioneira em personagens
criados para divertir as horas vagas,
a cabeça intacta
para esvaziar da estafa de ser sozinho.

Não deixe só o teu destino
na masmorra que  te divide de ti mesmo.
Não te agrades das grades que crias
para delimitar que a rua, tão cheia de gente,
fique vazia.

Perímetros urbanos são invisíveis,
como são surdos os gritos
que a voz, silente, brada numa delicada
tentativa de dizer bom dia!
Para se fazer existir?

Homens e mulheres de botas pretas
escolhem as cartas que amanhecerão sobre a mesa
e agora, como um mofo,
esperam a hora do jantar
para se constituírem em família.
E as xícaras, souvenires de viagem,
com os nomes inscritos,
revelam o lugar de cada um.

A vida é presa em etiquetas.

sábado, 21 de julho de 2012

O lugar da gente

O lugar pertuba o homem. É pertubador... As businas soando aos ouvidos quase surdos.
Vive a descoberta de um nascer ao relento do dia. Cães de olhos famintos.
O que não pode fazer é rabiscar a tarde com a sirene dos desgraçados.
A rua morre.

Ainda veste o seu casaco azul, o asfalto cinza, a lápide lacrando a hora
com benevolência. Tomba no sinal e prédios velhos abrigando velhos amigos,
estranhos ao mundo, alheios à regra nova de viver pelo susto das manhãs.

É pertubador. O sino corrompe a virgindade da catedral que, agora é ornamento
para o clique das câmeras. Fotografias penduradas num varal...

O lugar procura o homem, se esconde no homem, é abrigo do homem.

A espada de Jorge não é mais verde. É carcomida.
As tentativas de sorte são iguais ao quase abandono da esperança,
não se deixa. Nem que a morte ria desacreditada.

O lugar abusa do homem que abusa do lugar que usa o abuso para se achar no lugar.

E, de antemão, o vício
resquício de um ópio,
não se esquece, antes enlouquece
os lábios, fina estampa,
e engole em seco a saliva
e dilacera a alma
e decepa o corpo
e entrega na estirpe da vida
o óbvio instante que,
perecível, inventa a dor
para salvar o homem
do lugar que o consome.

É pertubador. O relógio. O anúncio em cartaz e outdoor:
ele está livre para morrer cozido numa panela de pressão...

O lugar observa a chegada de gente, se infiltra na goludice da gente, flerta com a gente e se faz
parte indispensável de criar a gente. A gente é indiferente, o lugar é que existe...

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Ferrugem

O medo que há aqui dentro
é o escuro que há la fora,
lugar sem nenhum centro
de cercado que me deixa ir embora.

Quintais de ventania  - sóbrio varal,
balançam vestes sem arremedo,
quaram folhas. Vidraças de cristal
num horizonte de acordar cedo.

Vagalumes não escondem, gris,
o véu da noite que cai em prata.
E nessa sina irremediável de ser feliz

não há segredo, apenas fé inata.
São desejos, marcas do que eu quis,
súplicas de fel, lágrimas de lata.

domingo, 1 de julho de 2012

O amor é livre

Ao dia entrego, feliz, o agora.
E tão solto e leve,  vou branco
como a neve que cai lá fora,
como um dia eu quis abraçar meu flanco.

Ao amor entrego o ar que respiro.
Se falhei, não falhei por escolha...
Deixo minha vida à deriva, como um tiro
e caio pelo outono como uma folha.

O amor é um fim de tarde
onde me deito - é um elo sagrado.
Assim, paciente, é espera que não arde

mas ao belo, ao encanto é fado
que me envolve em manto sem alarde.
O amor é assim: livre - é esse riso admirado.

Retorno ao azul

Há crianças por todos os lados,
velhos andando de mãos dadas...
Um sereno morno pelo sol recente
umedece a relva estendida como tapete - sou hóspede.

Meu corpo chora e se compadece,
galhos e folhas alimentam o chão
ainda frio do inverno. Quero o grito das coisas.

Um homem visita hoje as pegadas de ontem,
um homem que engatinha seus primeiros passos.

- Aonde vou?
- Aonde irei?

Que sou senão a seiva de uma árvore antiga,
um broto teimoso na areia infértil do deserto impiedoso da vida.

Há macacos e bichos preguiças na espreita do meu passar,
onde estou?

Que lugar é esse que me chama na fertilidade de um sorriso,
no aconchego de um abraço, no toque sagrado
de um sopro leve de vento?

Eu não sou de apenas um lugar,
eu sou para o tudo, para o instante do inesperado.

- Meu Deus! Meu Deus! Eu clamei, com a cumplicidade
do tempo, pela seta que me levaria ao alvo
de um canto onde sempre busquei, mas nunca entendi.

O portal é o monumento divino que me faz vivo.
Eu sou o graveto seco, eu sou o humus
que alimenta minha sede, cálice de segredo
que derramo aos olhos cegos do mundo.

Guia-me agora pelas veredas do sentir. Faça-se em mim
o orvalho que  verte como chuva
na colina salgada da minha face.

Eu preciso ir, eu sei que eu preciso ir ao encontro
de mim mesmo.

Quero retornar ao azul que nunca me abandonou,
quero ser a água que corre
pela pedra cheia de limo.

Ouço o cântico do amanhã
ouço minha fé pelos poros
brotando da imensidão...

Eu sei, Azul, que nunca me abandonastes,
nem nunca abandonará.

Um homem se revela agora pela fome de uma criança.
Estou indo embora de volta para casa...

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