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terça-feira, 10 de maio de 2011

O cais

Com a moça deitada no convés do barco, olhava adiante aquele mar adentro, com a sensação de estar incólume de grandes complicações, por conta da garrafa que nada continha além da falsa impressão de segredo. Seus olhos miúdos espichavam contra o sol, que refletindo como um espelho nas claras águas da baía cegava-o causando-lhe irritação. De quando em vez, varria os olhos sobre a mulher que, com a blusa manchada de vermelho pelo sangue que caíra da testa, parecia dormir. Percebia o rosto empalidecido com os lábios roxos dando-lhe uma aparência de quase morta. O velho marinheiro então reunia as forças poupadas com a escassez de peixe, que não lhe permitira pescar nada, e remava em direção ao cais. Parava abruptamente, exausto, passando as mãos pela testa tostada de sol, erguia a cabeça e respirava profundamente como se quisesse tomar todo o ar em volta do oceano. Bocejava, e tomava os remos em suas mãos impelindo o barco para frente. Dali, do meio do nada, observava as falésias e as admirava com certa devoção e medo. O sol que baixava sobre o horizonte ao longe, fazia-o lembrar que tinha de voltar para casa. Teria de explicar a companheira de mais de vinte verões, que não conseguira pescar nada naquele dia sem milagres. Da mulher que levava em seu barco nada sabia. Nem ao menos se estava viva ou morta, pois como estava ocupado em voltar para casa, não podia prestar-lhe socorro ou atenção. Ia lembrado, sem consolo, que tinha de pagar a mercearia do português, senão não haveria comida para o outro dia. Da feiúra da vida, guardava um velho espelho que ganhara numa expedição que fizera nos tempos de marinheiro, onde transportava grãos para a América Central. Foi na Guatemala, lembra, que ganhara aquele espelho. Uma mulher cega o presenteara, pois não adiantaria a beleza diante de seus olhos, se nada conseguia enxergar. Trouxera como souvenir da viagem e pela graça da mulher que, apesar de cega, tecia aos seus olhos uma beleza incomum.
Chegando ao cais, amarrara o barco e jogara a mulher em seus ombros levando-a para o posto médico que conhecia. Os médicos acudiram de prontidão, tomaram os pulsos e detectaram que ainda estava viva. Levaram-na para a enfermaria. O homem, absorto em seus problemas, apenas deixou-a sob os cuidados da enfermeira, virou as costas e foi-se embora para casa lembrando que tinha ainda o dia seguinte para pescar a esperança para sobreviver.



Um comentário:

QuarterST disse...

Oi =) Tudo bem?
Bora colar no show da @quarterock dia 14.05 no ABC?
Infos sobre o show:
14.05 - São Caetano do Sul/SP - UNDERCLUB
Espaço Factory - Rua Santo Antônio, 101
Com: Mash + Believe.

Beijos

Mari
@QuarterST

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