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sábado, 20 de novembro de 2021

Isso é coisa de ontem

As panelas, os prédios no apagar das luzes, coração partido. A bravata, a greve por centavo de gente que nunca trabalha, desobediência, patrulha, desobediência, soldados e as mãos atadas ao tédio de mazelas sem remédio. Um lírio brota no passeio central e as rugas, cobertas por um véu branco, escondem a beleza que dormiu numa calçada sob a égide lunar e não há mais nada que se possa fazer. É preciso um náufrago de mil e oitocentos e alguma coisa para alcançar as léguas íntimas de mim, onde posso vestir, de velas, a noite sem fim de minha vida, e de outono, as folhas secas de minha árvore que não germina nunca, apenas o grafite de seu carvão, num esboço desse rascunho, desse poeta que não sou. Ainda assim teimo como teima o limo nas pedras, como a urtiga que, apesar de verde, arde na pele. Teimo em palavras que não dizem, mas queimam na alma, não a dos outros, mas a minha, por não saber verde o que a tudo dizem, mas opacas, sem cor se decompondo num tempo que não existiu, ainda. Mas espreita no horizonte como arrebol pre- nunciando no branco das nuvens, as gaivotas da nossa vida. Hoje, esse tempo célere, de se chegar rápido a lugar algum, de informar e que não forma, de se saber o que não sabe, de julgar sem nenhum juízo de valor e de princípio, esse tempo de anzol que pesca sem saber da isca, tempo de solidão guardada numa caixa de fósforo que leva a mensagem do agora, é apenas o resumo de que a tudo molda, e em estado de pedra seguimos, como seguem os lagartos, com seus olhos caolhos, para a sobrevivência, enquanto eles se entregam em pertencimento, cultivamos nossa distância infinita. É preciso que haja menos para obtermos mais... É preciso descobrir mais perto do que longe, esse longe quase tátil, onde esconde na digital, a identidade do que nos torna, dia a dia, indiferentes. É preciso amar quem não se conhece como a quem conhecemos, amar em prece de velas acesas, como na refeição de amigos sobre a mesa, é preciso, urgente, que encontremos nosso real caminho, como os pássaros que retornam para o ninho e que, dali, todos os dias, alçam voo para o desconhecido com a certeza da direção certa. A porta está aberta, agora. E todas as direções são um convite para o novo tempo. Eis-me aqui, ergo minha cabeça, assento meu chapéu de cidadão do mundo, distribuo um sorriso ao primeiro que passa e, sem pensar que haja inconsequência, atino-me num abraço e guardo, sem remorso, toda humanidade que, há muito, desconhecia e sigo...

Um comentário:

SB disse...

Seguimos. Flueuntes de ontens e desde ontem, que o agora é aqui!
Todas as idas sem veredas se trombam na lombada dos dias mais sutis e abraçam a esmo, todos os nossos risos, como rios de suor.
O mundo é um livro aberto, certo de que quem se atreve a lê-lo, ainda que interprete-o em preto e branco, consegue se despedir das horas, com um pouco mais de sabor.

Que a gente não se desmanche por aí, como quem pula da ponte pra alcançar o caminho.
Que a gente, na multidão, não caminhe só.
Que a gente caminhe, e só.
Nem desanime, nem vire pó.

Bom te (re)ler.

Meu abraço.
Sam

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